VERDADE

Cigarro trêmulo à mão sofrida, Gregório percebeu que a verdade era insuportável. Viu a bala chegando devagarzinho, trazendo consigo o cheiro triste de pólvora em atividade. Sentiu a carne rasgar-se, o sangue ensopar a camisa branca e engomada. Lembrou das músicas que ouvira na infância, da melodia inocente daqueles tempos. Voltou-se às reuniões dançantes, à cuba-livre, ao pequeno corpo delicado junto ao seu, e engoliu a amargura dos segundos. O azul turvou-se, a grama enegrecida, a planície e o vento da América do Sul, homens grandes e morenos, corajosos, valentes, armados, homens que o mataram, desgraçados, iam lhe pagar. Em um dos últimos momentos de lucidez, Gregório quis invocar a face trágica de Esther, mas o sol o impediu. Virou-se para o lado, narinas sendo invadidas pelo cheiro maldito da terra, e teve apenas o violão empoeirado. Ainda estava lá, em um canto de sua casa. Sorriu. A madeira carmesim, as cordas de aço e o som desafinado certamente esperavam por seus dedos. 

 

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João Carlos Dalmagro Júnior.