NEVOEIRO

Para Daniela

 

Absortas em névoas

Docemente róseas ou sombriamente cinzas

As verdades são gradativamente violadas, deturpadas.

Despencam valores, dogmas, alertam-nos os dedos fustigados.

Os porões não se encontram mais trancados com pesados cadeados.

Caem as máscaras, erguem-se as cortinas com seus delicados ornamentos do século XVIII.

Assisto a tudo, enquanto encontro teus olhos. Sinto o teu calor. Conforta-me.

*

As luzes, delineadas ao meu redor, adquirem um teor etílico

Grandes  planos, diversas imagens cinematográficas

Minutos, segundos; pequenas eternidades que escoam em nossas vidas como a tragada de um cigarro barato.

Instantes nos quais a única coisa válida é a desmitificação.

*

Vendo as estátuas tombando por terra, abraço-te e admiro o espetáculo natural da evolução humana.

Vislumbro os loucos e seus poetas escondidos em seus cantinhos, rindo um riso de satisfação, quase lascivo.

Seus olhos brilham, suas veias fervem, suas têmporas latejam. Goteja-lhes o suor.

Enquanto isso, derrete-se o abundante concreto dos muros, dos prédios, das barras de ferro.

Ao longe, pode-se ver a natureza, erguendo-se tímida em meio a opressores restos de cimento.

Crueza

*

Onde estarás à esta hora?

Vem, precisas ver o mundo que construímos!

Vem ver o sonho que bolamos minuciosamente, sem alçapões ardilosos ou minas anti-pessoa.

Com frases de Bandeira, romances de Veríssimo, versos de Rimbaud.

Doces nuvens encaracoladas, velhos clichês de filmes de amor.

Quero-te aqui, neste momento de regozijo.

Meu poema de redenção.

*

Prostrados,  observamos em silêncio.

*

O mar rebenta em minhas costas

Enquanto caminhamos de volta para casa

Os passos murmurantes sobre a areia úmida

O cheiro inebriante, salino, profundo

Conduz-me agora

Deixo-me levar, mergulho...

*

Tenho certeza

Quando de meu retorno, não estarei mais sozinho na praia

Não serão passos solitários.

A brisa não me trará mais medo; será  poética, até.

Cantarei alguma música de um filme dos anos 70

Enquanto continuamos andando.

*  

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João Carlos Dalmagro Júnior.