MIZIFIOS
Quem acompanha mais de perto o pop/rock carioca certamente já viu e ouviu o guitarrista Billy Brandão e o tecladista Humberto Barros em ação. Desde o fim dos anos 80, eles tem tocado em várias bandas como músicos contratados, muitas vezes ofuscando o brilho dos patrões e – mais importante – sempre fazendo seus talentos acrescentarem musicalmente às formações.
Quando se conheceram, Humberto tocava com os Heróis
da Resistência e Billy era integrante do Buana 4. Enquanto isso, o baixista
Bruno Migliari, cinco anos mais novo, transitava entre a faculdade de música e
bandas do underground carioca, entre elas “Juliete”, não por acaso
produzida por Billy Brandão. Os gostos afins aproximaram os três, que passaram
a ser colegas em gigs, turnês, e sessões de estúdio com artistas como: Marisa
Monte, Lobão, Paulinho Moska, Leoni, Kid Abelha, Fausto Fawcett, Paulo Ricardo,
Zizi Possi, Engenheiros do Hawaii, Orlando Morais, Leo Jaime e Adriana Maciel
entre outros.
No começo do ano
retrasado, Humberto e Billy alimentavam planos de chamarem um ao outro ( e
coincidentemente Bruno ) para gravar os seus respectivos trabalhos solo, quando
surgiu a idéia de fundar os MIZIFIOS. O nome pode sugerir mais um trabalho de
fusão de pontos - de - macumba com drum’n’bass e trash metal, mas não é
nada assim que a banda toca. Sem as falácias da “pesquisa de ritmos”, sem
marketices, sem nada que não passe pela sinceridade e pelas formações
musicais - afetivas dos integrantes, o grupo pratica pop à brasileira. E nesse
rótulo - balaio cabe quase tudo que ficar entre os gostos – para usar a
expressão deles mesmos – “meio dissonantes” dos três : de Gilberto Gil a
Frank Zappa ( duas maiores paixões do guitarrista ), de Chico Buarque a David
Bowie ( duas grandes loucuras do tecladista ), e de Hermeto Pascoal a Prince (
inspirações do baixista ), passando, é claro, por Beatles e Rolling Stones.
Esse “é
claro”, entretanto, ganha imagens menos cristalinas e derretidas quando se
ouve o primeiro disco do grupo. Os Beatles que eles incorporam estão mais para
“Tomorrow Never Knows” e “I am the Walrus”. “Uma estranheza para o
bem, feliz”, redefine Humberto. Os pianos, os órgãos, uma Leslie incidental
e a atmosfera de boa parte das treze faixas possuem um “quê” psicodélico
dos discos de Sid Barrett, mas se você escutar e disser “Rita Lee e os
Mutantes”, vai acertar debaixo da língua da mosca. “A gente nasceu Mowgli
na selva Hippie dos anos 70”, explica o tecladista.
Dito assim pode até
parecer retrô. Mas os MIZIFIOS estão sintonizados com Nine Inch Nails, Beck e
o que há de mais front no novo pop: do jungle, que pontua “Quase Tudo”, aos
samplers que aparecem aqui e ali – sempre utilizados criativamente (confira o
loop de Olodum enxertado em “Sexo Competente” ), sem a rapinagem que hoje
parece ser o mais asqueroso atalho para o topo das paradas. A letra de “O Joio
e o Trigo” ( parceria de Billy e Humberto ), aliás, atira em cheio nas enganações
em alta no mercado, jogando na introdução um sampler do bom, velho e genuíno
Gilberto Gil: “Atenção bicões: gravando !”.
Outra composição
da dupla, “Nada de Novo Sob o Sol”, vê com ceticismo o ir - e - vir de
modismos no motel da fama com meio-período em promoção e higiene duvidosa.
“O que subiu um dia vai descer”, proclamam, sacolejando sob um ritmo que não
nega suas origens Bo-Diddleyanas.
Militando
também no baladismo com um gosto raríssimo no gênero (“Garotchinha”), os
MIZIFIOS não caem no erro de oito entre dez músicos do pop brasileiro atual:
querer ser negro - negro americano ! Isto não significa que a guitarra de Billy
Brandão não busque o groove como a bola persegue o craque.
Em “Eu + Você =
Sempre” (nome sacado de um grafitti que aparece no filme The Commitments), ele
deixa explícita sua admiração por Stevie Wonder e outros deuses de ébano sem
dar uma de Al Jolson nem fazer permanente na cabeleira musical.
Outra faixa de
destaque “Acorda Careca” (sem duplo sentido, por favor – o título faz
referência ao avô do Billy, já falecido) sustenta-se numa levada
“levada”, jorgebenjoriana também na letra. E o disco se encerra com o blues
“Minha Menina”, com Billy incorporando vocais mautnerianos, do jeito
cinematográfico que o pop dos anos 90, a vida e Arnaldo Baptista ensinaram. Um
end mais do que happy para uma estréia que redime o pop/rock carioca.
Pedro
Só (Revista Bizz)