Fixação  na  Terra

 

1. Falsos conceitos e a posse dos lotes de terra

           Não querendo mistificar ou desmistificar o tema “Imigração Italiana”, é necessário que sejamos realistas, pois vários aspectos deverão ser analisados com imparcialidade, tendo em vista as freqüentes publicações em livros, programas de televisão ou em festas folclóricas:

                  1.1 O relevo – tem-se colocado que os italianos se fixaram nas regiões serranas porque eram originalmente de áreas serranas da Itália, que aqui eles escolheram a serra porque já conheciam e dominavam esse tipo de relevo. Outros tem afirmado que escolheram a serra, porque levavam vantagem na área de terra. As terras em declive ou aclive, possuiriam áreas superiores a das planas, que ao medir levaria vantagem na metragem do que contavam nos documentos, assim teriam mais terras.

          Esses conceitos não deverão ser considerados importantes, porque nem todos os imigrantes italianos eram provenientes de regiões regiões serranas. As terras brasileiras férteis das planícies e dos planaltos, especialmente as do Rio Grande do Sul, já tinham sido ocupadas pelos portugueses e espanhóis há 150 anos da época da vinda dos primeiros imigrantes, através de uma economia pecuarista escravista. Logo, nossos imigrantes foram assentados nas terras que sobravam e de pouco valor. Os poderosos latifundiários, os fazendeiros pecuaristas gaúchos, descendentes de colonizadores portugueses ou espanhóis e de mentalidade escravocrata, jamais admitiriam dividir suas terras com agricultores estrangeiros com mentalidade liberal.

                   1.2 Fertilidade do solo – terras montanhosas nunca foram e nunca serão férteis. Há o desgaste natural do relevo e sua camada mais propícia para a agricultura são levadas e acumuladas nos planaltos, nas planícies e vales de rios, onde normalmente  encontram-se as terras férteis. 

          Aqui merece uma observação: as terras nas margens dos rios, as várzeas, normalmente eram desprezadas pelos colonizadores portugueses e espanhóis do período da história colonial brasileira, por ficarem  alagadas em determinadas épocas do ano, nos períodos das cheias dos rios. Essas áreas foram aproveitadas pelos imigrantes alemães, que vieram antes dos italianos, a partir de 1824, principalmente depois de 1830. Basta olharmos os vales dos principais rios  rio-grandenses, como dos Sinos, Jacui e outros... incluindo o nosso Jaguari, é marcante a presença histórica dos imigrantes alemães nessas áreas como agricultores e profissionais industriais se dedicando a industrializar inicialmente, o subproduto do boi, o couro, dando origem a indústria calçadista. Essa iniciou com celas e equipamentos de couro para as carruagens. depois botas e outros tipos de calçados. 

                    1.3 Clima -  não é correto se afirmar que escolheram o centro-sul do Brasil, por ser o mesmo clima da Itália. O clima de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul não é o mesmo das regiões italianas, levando-se em consideração o fator latitude (posição geográfica na terra...). Portanto, o clima daqui era diferente da Itália. Onde é que termos neve com grande intensidade e um período longo de inverno no Brasil?

                    1.4 A doação de terras, ferramentas e sementes até a primeira colheita – além de serem destinadas as piores terras eram vendidas, pagas com muito sacrifício familiar. É só verificarmos a documentação da época no Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul. O documento inicial era o de “entrega, posse e compromisso” e o documento “título de propriedade”, só era entregue após a conclusão do pagamento. O lote de nº 326 do bisavô Giovanni Bolzan II, viúvo e seus dois filhos Giuseppe e a avó Rosa, custou 155$000 (cento e cinqüenta e cinco mil réis). Ele recebeu o título de propriedade 4 anos  após a posse, (1888 – 1892), o que nos leva a concluir que demorou 4 anos para pagá-lo.

Observando a foto da esquerda para a direita: onde está  n° 1 existe um morro e atrás dele no vale plano se localiza o antigo lote n° 326 do bisavô Giovani Bolzan II, hoje pertencendo a familiares Bolzan (bisneto). Onde está o n° 2, um pequeno vale onde se localizou a área de moradia da família do bisavô Giovanni Durlo II, hoje continua área de moradia e outras instalações de familiares do tio Guilherme Durlo. A seqüência de n° 3 é o lote 470 do bisavô Durlo. Largura de 250 metros por 1000 de comprimento, onde inicia com o n° 3, a esquerda descendo em direção ao n° 2 (área residencial), depois subindo ao primeiro estágio do Monte e depois segundo estágio do monte até atingir o topo. 

          Já o bisavô Giovanni Battista Durlo II, sua esposa e seus 5 filhos, tomaram posse de seus dois lotes, o de n° 470 em Jaguari no valor de 150$000 (cento e cinqüenta mil réis) e o  lote nº 333, em Ernesto Alves, no valor de 150$000, em outubro de 1891 e receberam o título de propriedade, em outubro de 1892, um ano após a posse. Mas a posse definitiva do lote 470 foi expedida em 18 de novembro de 1900, conforme cópia documento abaixo, em nome da bisavó Tiziana Durlo, porque o bisavô Giovanni havia falecido em 21 de junho de 1900. Os lotes geralmente possuíam em torno de 25 hectares, tendo uma dimensão aproximadamente 250 metros de largura frente e fundo, por 1000 metros de profundidade, de frente a fundo.

          O bisavô Giovanni Durlo ainda recebeu dois empréstimos da “Casa Provisória”, 150$000, destinado à construção da casa familiar e as despesas familiares até a primeira produção agrícola e mais 45$000 destinados a obter ferramentas e sementes. Não encontramos documentos que provassem se os débitos foram pagos.

          Para se ter uma noção da importância de se trazer o imigrante italiano para desenvolver a agricultura basta observarmos os valores o custo dos principais alimentos na época e compará-los com os dias atuais, bem como as remunerações monetárias dos trabalhadores da época e dos dias de hoje: 1 kg de carne = 300 réis, 1 kg de arroz = 500 réis, 1 kg de farinha de trigo = 600 réis. A abertura das primeiras estradas eram uma das primeiras obras públicas, que servia ao mesmo tempo para dar trabalho a um membro de cada família, o qual só podia trabalhar 15 dias no mês, para dar oportunidade a outros. Por esses 15 dias de trabalho eram pagos 2.000 réis, uma espécie de meio salário mínimo dos dias atuais. Conclui-se, que se trabalhava meio mês para adquirir 4 kg de arroz. A escassez de produtos justifica o alto preço, o que reforça a necessidade da vinda dos imigrantes para desenvolver a atividade agrícola. Por isso, a caça, a pesca e frutos silvestres foram importantes na subsistência das famílias nos primeiros tempos, ao ponto de extinguir certas espécies de aves, animais e peixes. Também é possível concluir, que os preços não eram acessíveis e nem simbólicos como alguns desabilitados historiadores afirmam.

                      1.5 Ocupar campos desabitados e branquear a população do sul do Brasil,  são afirmações absurdas que costumamos ler em livros que tratam sobre imigração italiana. Podemos responder com uma pergunta: Onde encontramos núcleos de imigrantes italianos nas regiões de campos, de planaltos ou de planícies? Por que ele não ocuparam essas regiões? Como já afirmamos, por serem as melhores terras já tinham sido ocupadas pelos primeiros que chegaram: portugueses e espanhóis (no período colonial do RS, século XVIII e a 1ª metade do XIX), logo, os campos estavam habitados. 

            A presença do africano no Sul do Brasil é pequena. O Rio Grande do Sul utilizou o escravo índio e o africano nas estâncias criatórias. Mais o índio do que o negro, por causa da facilidade de se adaptar à atividade campeira, da montaria, da tropeada e da disponibilidade dessa mão-de-obra. É bom lembrar também, que muitos hábitos e costumes cultivados hoje na tradição gaúcha, são de origem indígena, como o chimarrão, boleadeira, tiro de laço, etc. O índio tropeava, enquanto o negro charqueava, (atividades criatórias e beneficiadoras).

          

2. O espírito desbravador

             As primeiras famílias que se fixaram em Jaguari, em 1888, tiveram que enfrentar uma verdadeira aventura para alcançar a terra prometida. O acesso de Silveira Martins para Jaguari se fazia a pé, numa distância aproximadamente de 170 km. Enquanto os demais familiares permaneciam em Silveira Martins, os homens tomavam posse da terra, abriam clareiras na mata para plantar algo e construir os primeiros galpões de madeira rústica, cobertos por folhas de coqueiros.

            Somente depois de tudo preparado é que buscavam as famílias. Muitas vezes ao retornarem tinham alguma surpresa, seus ranchos haviam sido queimados, provavelmente pelos posseiros que exploravam madeiras, os quais tinham sido expulsos da área pelo governo ou por grupos remanescentes de indígenas.

            Os grupos de famílias que chegaram posteriormente tiveram oportunidade de se instalarem provisoriamente no Barracão, enquanto aguardavam o destino, a instalação nos lotes com a construção da primeira moradia.

Finalmente a “terra prometida”, abundante floresta, muitos animais ferozes como onças, tigres, cobras, antas e tantos outros que hoje não existem mais. Portanto, havia abundância de frutos silvestres, caça e muita pesca nos rios e sangas da região. Tiveram que recomeçar a vida praticamente sem recursos. Com escassez de ferramentas, tiveram que começar a desmatar para construir a casa de madeira de forma rústica e abrir novas clareiras para o plantio de produtos alimentares destinados à sobrevivência da família, produtos que muitas vezes não davam certo pela falta de conhecimento das diversidades climáticas do lugar.

            Até conseguirem produzir seu próprio alimento, passaram muita necessidade, inclusive fome para completar a aventura, depois da miséria que passaram na pátria mãe, as dificuldades da viagem entre os dois continentes, a trajetória marítima na costa brasileira, nas águas de dentro do Rio Grande do Sul, do sacrifício das jornadas terrestres entre Cachoeira do Sul a Silveira Martins e de lá até Jaguari. Para agravar a situação, as necessidades nos barracões, dificuldades na abertura das picadas até o lote destinado para a família. Acredita-se que lhes faltava conhecimento para a utilização dos recursos da natureza. O nosso avô contava que comiam polenta feita de farinha de mandioca, pois era o único produto alimentar oferecido pelo Barracão.

            É importante ainda registrar a primeira estrada que ligava a Linha 6 ao Barracão (futura sede de Jaguari), onde se fixaram as primeiras famílias de imigrantes, entre elas nosso bisavô Giovanni Bolzan II, se fazia através do monte Chapadão. As famílias construíram o acesso organizando pedras para corrigir o elevado declive da encosta do morro em meio à mata. Ainda hoje, há vestígios dessa estrada, que se encontra nos fundos das terras da família Bolzan do Chapadão (do nosso cunhado Vilson Bolzan, bisneto do Agostinho Bolzan, o último de nossas famílias Bolzan chegar da Itália e que se fixou fora do grupo de irmãos da Linha 6). 

 

            3. A vida nos primeiros tempos

           Nossos bisavós Gio Batta Durlo e Taziana Franchetto Durlo, nosso avô Giuseppe Durlo e seus irmãos menores tiveram que enfrentar muitas dificuldades, como o meio hostil dominado pelos animais ferozes, recursos para construir sua casa, de madeira rústica, com ferramentas pouco apropriadas. Mais tarde, conseguiram lascar troncos de madeira para fazer tabuinha  para cobrir as casas. O difícil acesso através das picadas, estradas improvisadas que abriam e que só podia ser circulada a pé ou a cavalo, só mais tarde de carreta de boi, o espaço destinado às primeiras lavouras, onde  derrubaram enormes e centenárias árvores nobres como grápias, cedros, angico, canjerana, as quais eram pouco aproveitadas, deixando-se secar no tempo e depois de queimadas. Os enormes troncos de árvores ardiam por dias e dias.

            Todo esse sacrifício para produzir o sustento da família, raramente sobrava algum produto para comercializar pelo simples sistema de troca, pouco com o Barracão (Jaguari), como distrito de São Vicente do Sul, que pertencia ao Município de São Gabriel.

            Para aumentar as dificuldades dos primeiros tempos de nossos aventureiros Durlo, tinham ainda que enfrentar as diferenças climáticas e tentar conhecer as culturas que poderiam se adaptar as diversidades do clima do lugar.

            Soma-se ainda o relevo das terras, tão íngremes a ponto de percebermos serem as piores terras das piores da região, foi que a família Durlo recebeu. Segundo depoimento do tio Guilherme, que nasceu e viveu até os últimos dias de sua vida, vindo falecer no final do ano de 2003, nas terras originais do bisavô Giovanni Durlo, eles preferiam terras montanhosas, porque na maneira de medir as terras na época, aquelas que possuíam maiores declives, teriam maior metragem do que na realidade constava nos papéis. Na subida ou na descida, ganhava-se mais metragem de terra. Tese não aceita por nós conforme já argumentamos no início desse texto.

            As famílias que chegaram por primeiro, tomaram posse das melhores terras das piores, basta olharmos para a família da nossa avó Rosa Bolzan, que fazia parte das primeiras famílias, que se fixaram em Jaguari, em fins de 1888, receberam parte da área plana (hoje Linha 7 dos Bolzan), localizada num vale plano entre duas regiões montanhosas. Enquanto que a família Durlo chegou no final de 1891, portanto mais tarde, recebeu lote de terra que sobravam (lote rústico bem montanhoso conforme foto mostrada no texto acima).

            Entre os problemas que nossas famílias tiveram que enfrentar foi à demora da definição dos lotes devido à burocracia, pois tinha que permanecer nos barracões de imigrantes sofrendo penúrias.... Após penosas jornadas nos barracões, com miséria, doenças e mortes, as autoridades se sensibilizavam e finalmente demarcavam e distribuíam os lotes, aliás, a demarcação era mal feita. Mediam e demarcavam apenas a parte da frente dos lotes, sem darem importância às laterais e o fundo de cada lote. Muitas vezes eram usados como referencias uma pedra, uma árvore e outros marcos, que podiam ser modificados ao longo dos anos. Essa situação gerou conflitos entre as próprias famílias de imigrantes, a questão de limites” das terras. É o mais pra lá, é o mais pra cá, a cerca vai até..., “não, a minha lavoura vai até...” Gerou a velha história de colocar cerca, derrubar cerca e o bota e tira cerca daqui, dali que nós descendentes assistimos quando criança.

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