Hábitos   e   Costumes

                         Nesse capítulo do nosso trabalho, estão contidos registros de hábitos e costumes praticados pela nossa gente da 1ª e 2ª gerações nascidas no Brasil, estão relacionados com a natureza, no dia a dia no lar, sociais, religiosos e brinquedos infantis. Tentaremos selecionar e publicar nesse espaço alguns de nossos registros resgatados que já desapareceram naquele meio social. Cleto Durlo

 

1. A passarinhada

 Nosso pai contava que, quando era guri e rapazote, no início do século XX, havia tantos pássaros que era fácil caçar, pois não precisavam de armas. Armavam uma rede feita por eles de fio comum, repontavam os bandos em direção a rede, onde os bichinhos se enredavam e facilmente recolhiam.

Essa prática reduziu muitas espécies, mas nos últimos tempos houve renovação devido a consciência das novas gerações. (foto Cleto Durlo 28/7/06).

            Depois depenavam e colocavam numa grande panela de ferro, com muito tempero e mergulhado na banha para fritar. Somente depois de pronto, na hora de comer é que eles tiravam a miudeza interna. Dizia ele que era só retirar uma bolinha. A passarinhada era saboreada com muita polenta, radite e vinho.

 

 

2. Melar camoatim

 Quando éramos guri, no período da primavera e no verão era comum aos domingos pela manhã, eu e o primo Atílio, fazermos a nossa tradicional “melada”. Era melada e não marmelada. Tudo era preparado com muito cuidado: pegava-se uma taquara bem longa, na ponta era amarrado um “cortel”, uma espécie de foicinha bem afiada e lá íamos.

Geralmente nas árvores que formavam pequenos capões é que se encontravam os balões de caoatim. Ao chegar no local, estudávamos bem a posição para a operação, que era muito delicada. Examinávamos muito bem o galho que sustentava o balão, geralmente um galho não muito fino nem muito grosso. Com muito jeito colocávamos o cortel no referido galho. Esperávamos  que as vespas se acalmassem e depois pegávamos na taquara e contávamos: um, dois, três e já. Puxávamos até cortar o galho e saíamos correndo, porque as vespas nos atacavam.

Quando a situação ficava calma e geralmente o balão já estava no chão, enroscava o cortel nele e saíamos correndo pelo potreiro para espantar as vespas. Depois, pegávamos na ponta do galho e continuávamos a correr. Algumas vespas permaneciam e mesmo assim começávamos a desmanchar favos após favos e saborearmos o mel. É claro que dificilmente escapávamos de umas duas ou três picadas de cada um. Dizíamos que era bom para o sangue e o saboroso mel compensava tudo. Dependendo da produtividade de mel, essa operação era feita umas três a cada domingo. Durante a semana costumávamos descobrir os camoatins e planejar para o domingo seguinte.

Era uma atividade muito gostosa. Quando a produção era grande que não dava para comermos, costumávamos fazer uma fieira de favos cheios de mel numa vara fina, lavar para casa para os outros, ser estocado e saborear durante a semana.  

 

 

3. Esmagar uva com os pés  

Foto ilustrativa da serra gaúcha.

  Era tarefa dos filhos menores, a de esmagar uva com os pés. Tudo começava com os pés de molho na vertente ou córrego d’água até amolecer a sujeira. Depois com sabão e um pedaço de pedra se lixava os pés, para torná-los limpos e passar o dia sapateando dentro de um caixote com fundo de ripas, com frestas por onde passavam o caldo e o bagaço da uva amassada pelo sapateado, colocado sobre uma grande pipa de boca aberta, onde a uva esmagada era depositada se transformava no precioso líquido, o vinho.

            Naquela enorme pipa a uva esmagada, sofria um processo de fermentação por vários dias até que se transformasse em vinho. Depois o líquido era separado do bagaço, colocado em pipas menores para completar a maturação e ser consumido. Diziam os mais antigos, que não poderia ser mexido enquanto não houvesse a primeira geada, senão o vinho não prestava e estragava com facilidade.

            Quando éramos crianças, era comum pegar  um “fastugo”, palha de trigo, a mais grossa e longa possível, irmos até a pipa onde estava a uva esmagada, para sugar o suco antes que se transformasse em vinho. De início, o suco era muito gostoso, mas à medida que começa fermentar parecia que ficava melhor até que começava a dar dor de barriga. Em alguns dava diarréia. A gente fazia isso escondido dos pais e dos irmãos mais velhos. O fastugo (canudinho), era empurrado para baixo no meio do bagaço com a ponta de fora, para a qualquer momento retornar a sugar o suco. Às vezes, a gente não achava mais. Nós acreditávamos que a dor de barriga era um castigo, porque estávamos tomando escondidos. A indústria do vinho, era uma obrigação ter em todas as famílias de imigrantes italianos.

 

4. Namoro de época

            Normalmente, o namoro começava numa festa de Igreja, a partir de alguns olhares tímidos. A iniciativa partia do rapaz, que passava perto da interessada, atirava um bilhete, ou mandava por uma criança o tal bilhete que poderia ser acompanhado por uma pétala de flor. Podia ser também uma dedicatória. Quando havia a concordância, os jovens interessados se aproximavam e se cumprimentavam com um aperto de mão. Os dois, lado a lado bem distantes um do outro, porém ao lado, começavam a caminhar e o termo usado era “passear” ou “caminhar”. Mais tarde se sentavam, mantendo uma certa distância e começava o bate-papo.

Foto do noivado de José Durlo e Elda Brondani, na década de 1950. 

           Quando chegava a hora da moça ir embora, o rapaz acompanhava a moça por um trecho do caminho que conduzia a sua casa. Ao retornar o rapaz era cercado pelos curiosos da comunidade, principalmente pela gurizada e pelos rapazes amigos, para saberem como foi a caminhada com a moça. Até porque haveria de retornar para pegar seu cavalo e depois dirigira-se a sua casa.

            Quando o “caminhar” dava certo, os encontros se sucediam dominicalmente após a reza do terço. Pegar na mão e sair de mãos dadas só após o noivado, o qual ocorria depois de aproximadamente um ano de namoro, freqüentando a casa da namorada. A partir dessa fase do namoro em casa, entrava em cena os meninos, irmãos mais novos da namorada, os quais davam um dedinho para levar o cavalo do namorado, enquanto o namorado dava umas balas para que o menino, futuro cunhado conduzisse seu veículo cavalar, para poder acompanhar a namorada a pé até sua casa.

            O rapaz só andava com o braço no ombro da moça, somente após o casamento. Após vários anos de casados o homem ia para a Igreja na frente  e sozinho, para poder participar de alguns jogos e a mulher ia depois, mais tarde com os filhos crianças.

            Na época em que éramos crianças, já havia evoluído bastante. Após vários encontros dominicais, alguns bailes, matinés, os namorados já andavam de mãos, que era sinal que o namoro era firme e para valer. Colocar o braço no ombro dela, geralmente um ano depois quando noivava. Mas agarradinhos, somente após o casamento. Não se via um beijo em público e qualquer uma das condições e época.

            O casamento sempre era acertado num encontro entre as duas famílias na casa de um dos pais de um dos noivos.

            A menstruação era escondida às sete chaves das crianças, principalmente dos homens e dos meninos. A gravidez também era escondida das crianças. Quando o bebê nascia, as crianças eram retiradas de casa, indo passar um ou dois dias na casa de um parente próximo. Quando as inocentes criaturas retornavam para casa lhes era dito que a Tereza (parteira da região), tinha trazido um neném. Mas no meu tempo a gente já sabia da realidade, pois a barriga da mãe não era mais escondida.

            As mulheres costumavam visitar as parturientes levando como presente uma galinha gorda, para fazer parte dos cuidados alimentícios (brodo=caldo). No período da quarentena, não se tomava banho, nem lavar a cabeça e outras práticas dos dias de hoje...

 

 

              5. A missa no Jaguari

     Como a missa na comunidade era rara, tinha uma gurizada da redondeza que se reunia no domingo de madrugadinha, para se deslocar a pé até a cidade, para assistir a missa na Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição. Acontecia entre os anos de 1964 a 1968, começando por nossa casa descia o cerro do tio Guilherme, onde nossos bisavôs e avôs se fixaram, quando vieram da Itália.

A partir de onde nascemos e criamos, vista do vale Linha 7 dos Bolzan. Esse era o percurso que fazíamos para ir a missa em Jaguari, descíamos o monte, percorríamos o vale, subíamos o monte do Chapadão e descíamos o outro lado do monte onde se localiza a cidade. (Foto Cleto Durlo 28/7/06).

              Reunia as primas do tio, as crianças da família Taschetto, (Antônio Taschetto, hoje pároco de Jaguari), de várias famílias dos Bolzan da Linha 7, caminhávamos pela planície, depois subíamos o cerro do Chapadão, passando pelas terras do primo do pai Atílio Bolzan, filho do tio-avô Bepe Rosson. No Chapadão, passávamos pelas terras da família Dalla Valle e depois descia o outro lado do cerro do Chapadão até Jaguari, antigo Barracão dos Imigrantes Italianos que virou cidade.

             Esse caminho era percorrido por aproximadamente uma hora e meia a duas horas de caminhada. Todo esse sacrifício para ir a “MISSA”. Porém, antes da missa brincávamos na Praça em frente a Igreja. A seguir assistíamos a missa. A maior expectativa e ansiedade nos aguardavam após a missa que era a Lanchonete “A Marmota”, porque exibia com grande luxo aos seus clientes, um dos três únicos aparelhos de televisão da cidade, em preto e branco que só sintonizava a Tv Piratini de Porto Alegre e em horários pré-determinados.

Foto Igreja Matriz N. Sra. da Conceição de Jaguari, construída no início do século XX, onde muitos de nossos familiares, desde os primeiros tempos foram batizados e casados. Em frente ainda hoje existe uma praça, onde brincávamos quando criança antes da missa. (foto Cleto Durlo 24/7/06).

Assistíamos e nos babávamos com o programa de calouros musicais de “Júlio Rosemberg Show” e saboreando outra novidade, o picolé. Quase meio dia, fazíamos nossa caminhada de retorno pelo mesmo caminho e com muita fome. Ao passar por pomares de taperas, antigas moradias abandonadas onde matávamos a fome com frutas da época.

 

6. Carrinho de lomba

O luxo e a sensação maior era fazermos os nossos carros de lomba, totalmente de madeira, com rodas rústicas serradas de um pau roliço, geralmente de timbauva. No eixo colocávamos banha de porco, para engraxar e aumentar a velocidade de nossos veículos e evitar o desgaste do eixo. Porém, às vezes conseguíamos na cerraria do Damian, serrar rodas mais sofisticadas de madeira nobre. Aí era uma esnobação para os amigos.

Foto da criança Luiz Antônio Durlo, de Santa Maria, simulando um acidente com o carro de lomba, em Jaguari, casa do seu avô João, nosso pai. Esse foi o último carro feito pelo seu tio Cleto Durlo. (Década de 60).

Nossos veículos eram guiados por um volante, ou seja, uma 5ª roda com um eixo encaixado na tábua principal (chassi), preso por duas tiras de couro afixadas no eixo dianteiro que era móvel, preso por um prego grande ou um parafuso, pois o volante dirigia o veículo para a direita, esquerda ou em frente.

Nas lombas gramadas, longas e com grandes declives, fazíamos uma espécie de pista, com curvas para a direita, para a esquerda e com retas. Geralmente duas para fazermos verdadeiras disputas, competições de velocidade. Nem imaginávamos se na época existiam fórmulas 1 ou 2. Tudo era imaginação e criatividade nossa.

O mais sensacional em algumas pistas, era o ponto de chegada uma espécie de buraco gramado e quando chovia enchia de água, o final da corrida era um mergulho na água limpa da chuva com nosso veículo.

 

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