Fandango
do Paraná
FERNANDO CORRÊA DE AZEVEDO
O
Fandango, no Paraná, é uma festa típica dos caboclos e pescadores
habitantes da faixa litorânea do Estado, na qual se dançam várias
danças regionais, denominadas marcas do Fandango.
Temos registrado
perto de trinta marcas diferentes, e muitas outras existem ainda, próprias
de cada região em que se dança o Fandango. As que temos anotado são
as seguintes: Anu, Xarazinho, Xará-Grande, Queromana, Tonta, Dondon,
Chamarrita, Andorinha, Cana-Verde, Marinheiro, Carangueijo, Violão-de-Fita,
Meia-Canja, Chico, Tiraninha, Lageana, Passeado, Feliz, Serrana,
Sabiá, Recortado, Caradura, Sapo, Tatu, Porca, Estrala, Pipoca,
Mangelicão, Coqueiro, Pega-fogo e outras, umas conhecidas em certas
zonas e outras, noutras.
As danças se
dividem em dois grupos: as batidas e as valsadas ou bailadas. As
primeiras se caracterizam pelo sapateado forte, barulhento, batido a
tamanco ou sapato. Abafam quase completamente a música do conjunto.
Esse bater do tamanco se chama em alguns lugares rufar. Nas
segundas não há sapateado. São uma espécie de valsa lenta, em
que cada dançarino baila em geral com o mesmo par, mais se
arrastando do que dançando.
As marcas valsadas são
intercaladas entre as batidas, para descanso dos bailarinos,
intercalando-se geralmente uma valsada depois de duas ou três
batidas. O sapateado batido a tamanco, com a violência com que é
usado, é um exercício exaustivo, que deixa os dançarinos do
Fandango tresandando a suor e com a camisa alagada. É conhecido, no
Balneário de Caiobá, o sr. Machadinho, cujo pai tomou o nome de
Machado, porque, com a força com que batia o Fandango, quebrava as
tábuas do soalho. Os Fandangos são dançados sempre em recinto
fechado, isto é, dentro de casa, e onde o chão seja de madeira, de
modo que haja a devida ressonância do batido.
O sapateado é feito
exclusivamente pelos homens. As mulheres não batem no Fandango.
Em Serra Negra, no
Rio dos Medeiros e em outros pontos da Baía de Paranaguá, o
Fandango é dançado em cima do arroz, a fim de "tirá-lo do
casco". A isso se chama "fazer gambá". Alia-se assim
ao Fandango uma função econômica, altamente proveitosa.
Não há comando que
oriente o desenrolar da coreografia. Os dançarinos seguem a música,
aliando à sua execução uma série de convenções sabidas por
todos e aprendidas em casa desde crianças.
O ritmo da dança,
nos valsados, é diferente do ritmo da música, sendo este último
bem mais rápido. Aliás, toda a música do Fandango é quase só
ritmo. A linha melódica é muito indeterminada e por vezes
imperceptível.
A única voz de
comando que se ouve no Fandango é dada como sinal para indicar o
fim de qualquer marca: ô de casa! - gritada por um dos
violeiros. A esse grito as mulheres saem da roda e os homens batem o
arremate.
As
marcas batidas, embora se componham de partes batidas e valsas,
terminam sempre no batido, com um batido forte, uníssono, dado
simultaneamente por todos os bailarinos.
Antes do início do
Fandango ou nos intervalos das marcas, geralmente os cavalheiros
batem sapateando pela sala, sem música, por sua própria conta, com
fim de convidar, influir e chamar as damas, e, ao mesmo tempo,
provocar o início da dança.
O Fandango é dançado
em toda faixa litorânea do Paraná, mesmo ao pé da Serra do Mar e
já bastante afastado, portanto, das praias, como em Morretes e
Porto de Cima. Na zona praieira, conserva-se nos melhor nos locais
distantes dos balneários e das cidades, ainda não atingidos pela
civilização: como o Pontal do Sul, na Praia de Leste; a barra do
rio Guaraguaçu; o Rio dos Medeiros; a Serra Negra, etc. Nas zonas
balneáreas, como Matinhos, Caiobá e Guaratuba, já perdeu muito
dos seus característicos.
O Fandango tem, no
Paraná, uma vitalidade e uma pureza raras, embora a tendência, em
nossos dias, seja para o seu total desaparecimento, dentro de mais
duas ou três gerações. Os que mantêm a tradição do Fandango vívida
e pura são os velhos e os homens feitos. Os jovens da nova geração
já não querem dançar o Fandango, sentem-se envergonhados e
preferem as danças modernas.
É usual o emprego
da expressão folgadeira para designar as mulheres que
participam do Fandango. Os homens são folgadores. Aliás, é
de se ver a atitude apática e indiferente das mulheres, andando
molemente, com as mãos metidas nos bolsos dos casacos, sem
trejeitos nem requebrados. Fisionomias absolutamente inexpressivas.
O seu entusiasmo pela dança, que é sincero, não se manifesta
absolutamente no exterior.
Fonte:
AZEVEDO, Fernando Corrêa de. Aspectos folclóricos do Paraná.
Edição do Conselho Municipal de Cultura de Paranaguá. Curitiba,
1975. |
Bibliografia
Recomendada:
BRITO,
Maria de Lourdes da Silva; RANDO, José Augusto Gemba. Fandango de
Mutirão. Mileart. Curitiba. 2003.
ANDRADE,
Mário de. Danças Dramáticas do Brasil. São Paulo: Martins
Fontes. 1959.
CASCUDO,
Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de
Janeiro: INC, 1962.
GIFFONI,
Maria Amélia Corrêa. Danças Folclóricas Brasileiras: sistematização
pedagógica. São Paulo: Ed. José Ortiz Junior, 1955.
GULIN,
Rogério. "Fandango da Família Pereira". In Marchi, Lia,
Saenger, Julia & Corrêa, Roberto. Tocadores. Curitiba: Palloti,
2002.
PERRÉ,
Renato Carvalho da Silva. O Fandango. Curitiba: Edição do Autor,
1983.
PINTO,
Inami Custódio. Fandango do Paraná. Ed. UFPR, 1992.
GRAMANI,
José Eduardo. Rabeca, o som inesperado. Daniella Gramani [org]. 1
ed. Curitiba: Optagraf, 2002.
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