A 1a. Internacional,
o Anarquismo e a Social-Democracia

Autores: Olga Maria A. Fonseca Coulon e Fábio Costa Pedro
Apostila: Dos Estados Nacionais à Primeira Guerra Mundial, 1995, CP1-UFMG

 

0 Partido Político

Em seus escritos de caráter político, Marx e Engels enfatizaram a importância do partido e do Estado do proletariado, instrumentos necessários para a tomada do poder e para o estabelecimento do comunismo.

0 partido político era visto como a instituição que deveria organizar os trabalhadores e conscientizá-los na defesa de seus interesses imediatos, sem perder de vista que o objetivo maior era a derrubada do Estado burguês capitalista e a implantação do Estado operário ou "ditadura do proletariado".

0 Estado, para Marx, não passava de um recurso de dominação da classe social mais forte sobre a mais fraca. Através dele, a classe dominante conseguia impor a ordem social que a favorecia. Entretanto ao tomar o poder, a classe trabalhadora deveria abolir o Estado burguês e estabelecer, transitoriamente, o Estado proletário. Por meio dele seriam introduzidas as mudanças que permitiriam a passagem à sociedade comunista, esta sim, sem necessidade de Estado.

Suas idéias fundamentaram o programa de numerosos partidos políticos que surgiram a países europeus no decorrer dos séculos XIX e XX. As questões levantadas sobre o partido político, a tomada do poder e o estabelecimento do Estado da classe operária foram aprofundadas por LÊNIN (1870/1924), o mais influente líder e teórico do marxismo no século XX. Lênin desenvolveu a teoria do imperialismo, como estágio final do capitalismo: no momento em que o mundo estiver dividido em poucos e poderosos Estados imperialistas, começaria a crise geral do Capitalismo, na qual estariam dadas as condições para uma revolução proletária internacional, que estabeleceria e manteria pela força, uma ditadura do proletariado transitória. Lênin dirigiu o Partido Bolchevique na Revolução Russa de outubro de 1917 que criou o primeiro Estado socialista no mundo.

 

1a. Internacional dos Trabalhadores e o Anarquismo.

Após as Revoluções de 1848, o movimento operário sofreu forte repressão, tanto nos países onde o governo era exercido pela burguesia quanto naqueles onde a aristocracia ainda dominava. Mas, a partir da década de 1860, ele ressurgiu, culminando com a fundação, em 1864, da Associação Internacional dos Trabalhadores, com sede em Londres.

A AIT ou I Internacional tinha por objetivo promover a cooperação entre as organizações da classe trabalhadora dos diversos países da Europa Ocidental e Central em congressos que se reuniriam, periodicamente, nas principais cidades européias. Seu primeiro estatuto, redigido por Marx, procurou criar a base para a aproximação entre os movimentos operários existentes, como os sindicalistas ingleses, os proudhonistas(l) na França, os lassalianos(2) na Alemanha, etc. Participando ativamente da I Internacional, Marx conseguiu assegurar a difusão e a predominância de suas idéias.

Foi na I Internacional que se desenvolveu uma importante divergência do marxismo: o ANARQUISMO, defendido pelo revolucionário russo Miguel Bakunin (1814/1876). 0 Anarquismo pregava a passagem imediata para uma sociedade sem qualquer tipo de Estado, através da ação de uma elite revolucionária apoiada pela massa dos trabalhadores.

Bakunin, não acreditava, como Marx, na necessidade de um partido dos trabalhadores nem do estabelecimento da ditadura do proletariado na transição para o Comunismo. Suas idéias tiveram mais influência na Itália, na Espanha e na Rússia, países menos desenvolvidos e com uma classe operária reduzida, pois permitiam imaginar uma revolução num prazo mais curto do que o exigido pela teoria de Marx.

A Associação Internacional dos Trabalhadores funcionou até 1876 quando foi extinta. Para isso, muito contribuíram os acontecimentos de 1870/711 na França. Em 1870, estourou a Guerra Franco-Prussiana, na qual a França foi rapidamente derrotada pelos exércitos alemães, sob a chefia do chanceler Bismarck. 0 imperador francês Napoleão III foi deposto e proclamou-se a república. Em setembro, formou-se um Governo Provisório, chefiado por Thiers, que entrou em acordo com os al mães, comprometendo-se a pagar uma alta indenização e a entregar a A1sácia-Lorena, região rica em ferro e outros minerais.

Entretanto, com Paris sitiada pelo exército inimigo, a população iniciou uma revolta que se transformaria numa verdadeira guerra civill. Com o apoio da Guarda Nacional,, em março de 1871, os operários tomaram a Prefeitura e organizaram a "Comuna de Paris", chefiada por jacobinos e socialistas da AIT. Foram realizadas eleições pelo voto universal e estabeleceu-se um amplo programa de reformas sociais. Em maio, os exércitos de Thiers atacaram Paris e iniciaram uma dura repressão: 20 000 membros da Comuna foram executados, 15 000 foram presos e milhares de participantes foram deportados.

Sobre a sangrenta repressão dessa revolta, Marx escreveu um de seus textos mais famosos, "A Guerra Civil em França", onde analisou Comuna como a efetivação do Estado proletário.

A derrota foi fatal para a AIT, que foi responsabilizada pela organização da Comuna, passando a ser duramente perseguida, na França e nos demais países europeus, bem como o movimento operário em geral. Dividida internamente pelas disputas entre marxistas e anarquistas, I Internacional se desintegrou. 0 Conselho Geral da Associação foi transferido para Nova York, até ser extinto em 1876.

Os doze anos de funcionamento da I Internacional serviram para descartar as concepções utópicas do socialismo. A revolução socialista passou a ser vista como algo possível, a partir do próprio proletariado organizado. As idéias de bakunin tiveram menos difusão que as de Marx, mas foram úteis no sentido de lembrar que o socialismo implica liberdade.

 

A SOCIAL-DEMOCRACIA E A II INTERNACIONAL

Na segunda metade do século XIX, a industrialização avançou enormemente na Europa Ocidental. Desenvolveram-se as indústrias de bens de capital, produzindo em larga escala equipamentos, máquinas, navios, produtos químicos, etc, empregando uma grande massa de trabalhadores. Os aperfeiçoamentos tecnológicos trouxeram (como Marx havia previsto) uma concentração do capital, com o predomínio de poucas grandes empresas e bancos.

O progresso econômico levou os países capitalistas a uma competição internacional, acentuando-se a rivalidade entre eles na luta por mercados e áreas de investimento fora da Europa. Isso deu origem, a partir de 1870, à corrida imperialista que resultou na partilha da Ásia, África e América entre as potências imperialistas.

0 aumento da riqueza e o acentuado crescimento das organizações socialistas permitiram que a classe operária européia alcançasse melhores condições de vida, com elevação dos salários e do consumo e obtivesse maiores direitos políticos, como a extensão do direito de voto a praticamente todos os homens.

Essa situação modificou o movimento operário, dividindo-o em diversas tendências conflitantes dentro do socialismo. Ao lado do grupo de marxistas radicais que insistia na via revolucionária para o socialismo, surgiu um outro grupo de marxistas que defendia uma posição mais moderada, afirmando que se poderia caminhar para o socialismo pela via parlamentar, utilizando-se das instituições democráticas para derrotar o capitalismo.

Essa corrente de marxistas moderados, que se posicionou também contra as greves gerais e as revoluções violentas tornou-se conhecida como a social-democracia, ganhando apoio entre os trabalhadores e a classe média. Na Alemanha, deu origem ao Partido Social Democrata Alemão, criado em 1875, unindo as diversas correntes do movimento operário alemão. Apesar das divergências internas e da forte repressão do governo do 12 ministro Bismarck, o PSDA conheceu um enorme avanço no campo eleitoral, chegando a obter mais de 500 000 votos nas eleições 1 de 1877 e 1 427 000 votos nas de 1890, tornando-se o partido mais forte do país. 0 principal teórico da social-democracia foi o filósofo marxista tcheco Karl Kautsky (1854/1938).

Na Inglaterra, onde o movimento operário existia mais ligado aos sindicatos, os socialistas agruparam-se numa organização denominada "sociedade Fabiana", que discordava radicalmente de Marx em relação a natureza e ao papel do Estado. Eles acreditavam ser possível, numa democracia parlamentar baseada no sufrágio universal, chegar à igualdade social e talvez até a supressão da propriedade privada.

Na década de 90, ganhou corpo na Alemanha uma corrente política liderada por EDUARD BERNSTEIN (1850/1932), que propunha uma revisão minuciosa dos pontos básicos do marxismo. Ele afirmou que o.avanço do capitalismo não estava levando a um aprofundamento das diferenças entre as classes; que o sistema capitalista não iria entrar nas crises sucessivas que o destruiriam e abririam caminho ao socialismo; e que a democracia burguesa permitiria que os partidos operários conseguissem todas as reformas necessárias para assegurar o bem-estar dos trabalhadores sem necessidade de uma ditadura do proletariado. Suas idéias tiveram muita aceitação na França, dando origem ao Partido dos Trabalhadores Socialistas Francesas.

0 contato entre os movimentos operários dos diversos países europeus amadureceu a idéia da criação da II Associação Internacional de Trabalhadores, que se concretizou no Congresso de Bruxelas, em 1891. As questões das conquistas políticas e econ6omicas do proletariado e de como se posicionar frente ao imperialismo marcaram o funcionamento dessa Internacional. Bastante diferente da primeira, ela viu-se dividida em três grupos: a direita o grupo revisionista de Bernstein, no centro os marxistas moderados (sociais-democratas) de Kautsky e à esquerda os marxistas revolucionários liderados por Lênin e por Rosa de Luxemburgo. Aparentemente dominada por estes, na prática os grupos social-democratas e revisionista apresentavam-se cada vez mais influentes.

No início de século XX, agravaram-se as rivalidades entre os países industrializados europeus devido à competição imperialista e nacionalista, colocando-se cada vez mais real a possibilidade de uma guerra. A orientação dos dirigentes da AIT, nos Congressos realizados a partir de 1907, era para que os trabalhadores tentassem ao máximo, jun to aos governos de seus países, evitar a deflagração do conflito. Caso isso não fosse possível, deveriam aproveitar o momento para precipitar a queda do capitalismo.

Entretanto, quando em 1914 teve início a Primeira Guerra Mundial, os principais partidos filiados à II Internacional apoiaram seus respectivos governos e, em nome do nacionalismo, foram à luta, provocando o colapso da Associação. A única exceção ocorreu entre os parti dos operários russo, sérvio e húngaro, que permaneceram contra a guerra.

Na Rússia, as derrotas sucessivas de seus exércitos frente aos alemães agravaram os problemas internos e aumentaram a oposição ao governo ditatorial do Czar Nicolau II, finalmente deposto pela Revolução de 1917. 0 Partido Bolchevique, liderado por Lênin, derrubou o Estado burguês, estabeleceu a ''ditadura do proletariado", e iniciou as mudanças em direção ao Comunismo. Com a vitória da Revolução, o Partido Bolchevique passou a se chamar Partido Comunista.

 

A III INTERNACIONAL OU COMINTERN E A INTERNACIONAL SOCIALISTA

A Revolução Russa de 1917 atuou como ponto definitivo de ruptura entre os principais grupos do movimento operário: os marxistas revolucionários (comunistas) de um lado e os sociais-democratas de outro. Em 1919, os comunistas, sob o comando de Lênin, fundaram,, em Moscou, a Internacional Comunista ou Comintern, aceitando apenas a filiação de partidos que apoiavam a ditadura do proletariado.

Por intermédio da Internacional Comunista, as concepções marxistas-leninistas se espalharam por todo mundo, definindo o COMUNISMO em oposição à SOCIAL DEMOCRACIA. Essa separação foi considerada pelos sociais democratas como a divisão entre o socialismo autoritário e o socialismo democrático. A III Internacional foi extinta em 1943, para não dificultar a convivência da URSS com as potências aliadas na Segunda Guerra Mundial.

Na década de 1970, surgiu. na Europa Ocidental o movimento denominado EUROCOMUNISMO. Alguns partidos comunistas, como o Partido Comunista Italiano, o Partido Comunista Espanhol e o Partido Comunista Francês, passaram a dar ênfase a democracia e as instituições representativas, abandonando o uso dos termos "ditadura do proletariado" e criticando o excesso de centralismo e de burocratização do Partido Comunista Soviético.

Por sua vez, os sociais-democratas se reuniram numa nova associação e lançaram, no ano de 1923, em Hamburgo, a Internacional Trabalhista e Socialista, que funcionou até 1940. Em 1951, fundou-se em Londres a Internacional Socialista congregando os principais partidos socialistas e sociais-democratas de diversos países do mundo, que funciona até hoje. A partir de 1945, o sentido da expressão "social-democracia" modificou-se. Alguns partidos sociais-democratas da classe operária que se diziam marxistas, transformaram-se em "partidos populares", visando apenas a realização de reformas parciais dentro do Capitalismo, a exemplo do Partido Social Democrata alemão.

Vale notar que, desde fins do século XIX, talvez devido ao destaque dado ao valor da democracia como sistema político, os partidos sociais-democratas foram a mais bem sucedida forma de organização poli tica dos trabalhadores ao passo que os partidos comunistas apenas conseguiam conquistar o apoio de uma minoria da classe operária. Atualmente a tendência das sociedades capitalistas desenvolvidas de intensificas a preeminência da política social-democrata, pelos menos enquanto o Capitalismo conseguir evitar as crises e as guerras desastrosas.

SÍ N T E S E:
A introdução da máquina deteriorou as condições de trabalho e de vida dos operários, mal pagos e mal alimentados. As primeiras reações do operário foram contra ela, responsabilizada pela sua miséria. 0 quadro de pobreza e de revolta desenvolveu o pensamento socialista, que propunha o fim da desigualdade social através de uma nova organização da sociedade. Os primeiros pensadores socialistas acreditavam que a burguesia deveria ser convencida da irracionalidade da exploração do homem, apelando para a razão. Essa postura socialista foi condenada por Marx e por Engels que demonstraram através do materialismo dialético e histórico, que a exploração era a essência do sistema capitalista e que somente a organização dos operários em sindicatos e partidos seria capaz de derrotar o capitalismo.

Notas.
(1) Seguidores de Pierre Joseph Proudhon (1809/1865), pensador e político francês. Defendeu o "mutualismo operário", sistema de troca eqüitativa entre produtores autônomos e era contra a greve como instrumento de pressão. Considerado como um dos precursores do anarquismo, por ter o ideal de uma sociedade organizada sem governo.

(2) Na Alemanha, o movimento socialista era fortemente influenciado pelas idéias de Ferdinand Lassale (1825/1864), que misturavam socialismo e nacionalismo.Ele instituiu como ponto básico de seu pro grama, o sufrágio universal, como primeiro passo para se obter, pela via parlamentar, melhores condições econômicas para a classe trabalhadora. Colaborou com a burguesia alemã, com o objetivo de alcançar a unificação do país, sob a liderança da Prússia.

Autores: Olga Maria A. Fonseca Coulon e Fábio Costa Pedro
Apostila: Dos Estados Nacionais à Primeira Guerra Mundial, 1995, CP1-UFMG

 

Volta                                           O Marxismo                                                   Início da página.