Terapia Manual no Brasil
Por Angela Santos
TERAPIAS MANUAIS OU TERAPIAS CORPORAIS?
Desde o início dos anos 80 vimos firmarem-se no Brasil abordagens terapêuticas
freqüentemente denominadas "terapias corporais": Rolfing, RPG, Feldenkrais,
Eutonia, Ginásticas Holística, Osteopatia,Coordenação Motora, Cadeias GDS, Halliwick
...
Entre nós, a expressão "terapia manual" surgiu com Marcel Bienfait. Ele diz
não ter sido o primeiro a utilizá-la, mas adotou-a porque define bem seu trabalho
pessoal, constituído de manobras derivadas da Osteopatia para a normalização das
relações entre as superfícies articulares e"posturas" derivadas do trabalho
de F. Mezières para o tratamento da musculatura estática.
Isto reunido forma um amplo campo de ação, no qual o terapeuta conta sobretudo com suas
mãos como instrumento de trabalho. No entanto, todas as outras abordagens aqui citadas
têm esta mesma característica e por isso poderiam ser também denominadas terapias
manuais, por que não?
Além desta razão existe mais uma: a psicoterapia tem abordagens corporais, daí a
expressão "terapia corporal" dar margem a dúvidas: trata-se de uma terapia
corporal psico ou fisioterápica?
Terapia Manual deixa claro: o fisioterapeuta utiliza suas mãos como principal instrumento
para cuidar do paciente.
Terapia Manual e identificação do profissional fisioterapeuta
Quando me formei no início dos anos 70, o Fisioterapeuta trabalhava em serviços
hospitalares ou clínicas em geral conveniadas ou ligadas a consultórios de
reumatologistas ou ortopedistas. os únicos que tinham uma possibilidade de trabalho
autônomo em clínicas multidisciplinares, porém próprias, eram os que dedicavam-se ao
trabalho com pacientes neurológicos.
O método Bobath; introduzido entre nós através de Ely Koegler em 1962 e posteriormente
através de Sonia Gusman, autorizada a formar profissionais no país desde o início dos
anos 70; deu ao fisioterapeuta uma pioneira abordagem em Terapia Manual e, vejam, uma
primeira chance de se impor como profissional autônomo.
Na década de 70, uns poucos profissionais estabeleceram-se como autônomos em clínicas
que privilegiavam a massagem e alguns trabalhos destinados à reeducação postural como
Klapp e atendimentos pré e pós parto. Tratavam-se portanto, de pioneiros
"terapeutas manuais" em ortopedia e obstetrícia.
Com a chegada da Reeducação Postural Global em 84,
foi dado ao fisioterapeuta um novo método de trabalho que exigiu dele
suas mãos apenas, que viabilizou o trabalho em consultório fisioterápico, e vejam,
novamente uma terapia manual facilitando a afirmação do fisioterapeuta como profissional
autônomo.
Desde então cresceu enormemente a procura pelo curso
de fisioterapia. No ano 2000 foi o mais procurado curso superior em São Paulo. Gostaria
de ver realizada uma pesquisa entre estudantes que ingressaram no curso de fisioterapia
nestes, digamos, cinco últimos anos, para saber porque fizeram tal opção. Minha
impressão pessoal é que identificaram as terapias manuais por nós praticadas e já
consagradas em nosso meio com Fisioterapia. Isto é, tais terapias acabaram por definir a
profissão, dando-lhe consistência, amplitude, limites mais alargados do campo de ação
possível, que ultrapassa em muito o velho conjunto hidro-mecano-eletro-massagem.
Campo de trabalho a ser ainda ampliado
Nem todos os métodos inicialmente citados são fisioterápicos.
Ida Rolf era formada em bioquímica e fisiologia e chegou a seus conceitos de integração
estrutural ao pesquisar soluções para um problema de saúde na família. A formação
para a prática de seu trabalho de massagem profunda fascial é destinada a pessoas
advindas do grande público.
L. Ehrenfried, que desenvolveu a Ginástica Holística na França era médica e hoje a
Associação de alunos de Mme Ehrenfried em Paris reúne, além de fisioterapeutas,
profissionais da dança, biólogos, psicólogos, músicos, etc.
M. Feldelkrais era físico e a formação que derivou de seu trabalho hoje, não é
exclusiva da fisioterapia.
Eutonia de G. Alexander destina-se a profissionais do movimento de forma geral.
O método Halliwick de natação para deficientes físicos, desenvolvido pelo querido e
saudoso James McMillan, engenheiro, é também praticado por professores de educação
física.
Não sendo corporativista, não creio que todos estes métodos devam ser praticados apenas
por fisioterapeutas. Se originalmente foram desenvolvidos por profissionais fora de nossa
área, deve haver campo de ação para cada método dentro das áreas de atuação para as
quais seus criadores os destinou. Mas, cabe a nós irmos procurar nos formar dentro destes
métodos, como muitos já o fizeram e, de posse do conhecimento de patologia, que é parte
integrante de nossa formação, aplicá-los nos casos devidos e formarmos uma escola de
aplicação de cada um destes métodos em fisioterapia.
Aos outros profissionais deveria caber o cliente não portador de patologia. A esta
prática poder-se-ia dar outro nome. Por exemplo, "trabalho corporal". O
fisioterapeuta realizaria a "terapia manual" isto é, além das terapias manuais
que nos são exclusivas, aplicaria também todos estes outros métodos adequadamente
adaptados ao portador de patologia. Os demais profissionais realizariam o "trabalho
corporal", esses métodos aplicados aos indivíduos saudáveis, com o grande objetivo
da prevenção.
Campo de trabalho a ser definido
Isto posto, parece-me que à medida em que todos os métodos forem sendo absorvidos pelo
fisioterapeuta, inclusive os que os que lhe são exclusivos, devem ser analisados,
criticados e ordenados dentro deste vasto campo de trabalho que é o seu e ele não deve
deixar de ser fisioterapeuta para tornar-se Rolfista, RPGista, cadeista, etc.
O primeiro profissional a dar uma grande contribuição para esta visão foi, permitam-me
citá-lo novamente, Marcel Bienfait.
Em primeiro lugar, ao propor um nome para definir seu trabalho, que é um conjunto de
procedimentos, ele os integra e não cai na cômoda tentação de portar um novo nome que
o liga a uma "tribo" profissional que restringe sua ação a um único e
sectário método.
Em segundo lugar, no primeiro livro que dele se publicou no Brasil - A Fisiologia da
Terapia Manual - faz o inédito exercício de classificar os músculos em estáticos e
dinâmicos. A partir do conhecimento desta anatomia e fisiologia duplas do sistema
músculo-esquelético, podemos entender, dentro de cada método
de terapia manual, os procedimentos que podem ter ação sobre um músculo estático e
aqueles que podem agir sobre um músculo dinâmico. Considero este um livro fundamental.
Escrito há quase vinte anos, foi revisto pelo autor e reeditado pela Summus.
Falando aqui dos métodos que conheço, para a reeducação da musculatura estática:
Mezières (e RPG) contribuem com as "posturas", a Osteopatia com as pompages, a
Ginástica Holística e a Eutonia com vários procedimentos de estimulação cutânea que
podem alterar o tônus da musculatura estática e com movimentos que podem inspirar o
desenvolvimento de novas "posturas" em torção, oblíquas, inéditas em
Mezières ou RPG.
Massagem de Zona Reflexa, mobilizando o subcutâneo, também pode alterar a qualidade do
tônus da musculatura estática. Todos estes procedimentos podendo agir sobre o músculo
estático, diminuindo seu tônus ou alongando-o, constituem uma "fisioterapia
estática", mais uma vez me apoderando de um termo
de M. Bienfait.
Para a realização do movimento ideal, econômico, cuidadoso, seja em uma sala de
ginástica ou na vida cotidiana é fundamental saber quais os músculos de vocação
dinâmica e quais os estáticos que os controlam. O trabalho de M. Bienfait nos abre uma
via para este entendimento e de posse dele facilmente
poderemos identificar, dentro de cada método, os movimentos a serem utilizados para a
constituição de uma "ginástica" ideal, integral, correta. Novamente
referindo-me ao que conheço, dentro dos movimentos propostos pela Ginástica Holística,
encontramos um vastíssimo leque de possibilidades para a construção de uma aula ideal,
primeiro relaxando, depois realinhando e finalmente tonificando. Acredito que dentro dos
métodos nos quais não me formei devam existir propostas que se encaixem dentro desta
filosofia de trabalho. Conhecer a anatomia e fisiologia da musculatura dinâmica pode
orientar na pesquisa e sistematização dos procedimentos que aí possam encaixar-se.
Estaremos esta forma procurando dentro da fisioterapia uma
"Ginástica" a ser aplicada em indivíduos que, portadores de problemas
ortopédicos ou posturais, já se beneficiaram de uma fisioterapia estática e precisam
manter o resultado ou nos que, saudáveis, querem manter assim. Aí está um novo campo de
trabalho a ser considerado, o trabalho em grupo, preventivo.
Coloco o termo "Ginástica" entre aspas porque este campo de trabalho para o
fisioterapeuta deve ter outra denominação. "Movimento" é mais abrangente e
estimulante. Afinal, o fisioterapeuta ainda está por afirmar-se como profissional que
lida, entende e trabalha com movimento normal.
Concluindo,
O fato de estarmos em uma cidade, em um país onde todos estes métodos convivem, deve
estimular-nos a estudar, ver, ouvir, pesquisar, comparar tudo com um rigoroso estudo da
fisiologia e anatomia, não nos satisfazendo com as afirmações rígidas e sectárias dos
defensores ou formadores de cada um dos
métodos. Cada um pode ter uma contribuição a dar para um todo mais abrangente, que
ainda está por ser estabelecido. E este deve ser o nosso trabalho: contribuirmos para a
constituição da Fisioterapia Estática ou do "Movimento" integral, ideal,
inteligente; dois novos campos dentro da Fisioterapia.
A síntese não empobrecerá nenhuma destas terapias.
Não existem verdades absolutas, existem idéias válidas, que contribuem para um todo,
que não chegaremos, talvez, a jamais entender totalmente.