" UM DIA DE MERDA "
Luiz Fernando Veríssimo
Aeroporto
Santos Dumont, 15:30 . Senti um pequeno mal estar causado por uma cólica
intestinal, mas nada que uma urinada ou uma barrigada não aliviasse Mas,
atrasado para chegar ao ônibus que me levaria para o Galeão, de onde partiria o
vôo para Miami, resolvi segurar as pontas . Afinal de contas são só uns 15
minutos de busão. " Chegando lá, tenho tempo de sobra para dar aquela
mijadinha esperta, tranqüilo ." O avião só sairia as 16:30.
Entrando no
ônibus, sem sanitários . Senti a primeira contração e tomei consciência de que
minha gravidez fecal chegara ao nono mês e que faria um parto de cócoras assim
que entrasse no banheiro do aeroporto. Virei para o meu amigo que me
acompanhava e, sutil, falei: "Cara, mal posso esperar para chegar na merda
do aeroporto porque preciso largar um barro"
Nesse
momento, senti um urubu beliscando minha cueca, mas botei a força de vontade
para trabalhar e segurei a onda . O ônibus nem tinha começado a andar quando,
para meu desespero, uma voz disse pelo alto falante:
"Senhoras
e senhores, nossa viagem entre os dois aeroportos levará em torno de 1 hora,
devido à obras na pista ." Aí o urubu ficou maluco querendo sair a
qualquer custo. Fiz um esforço hercúleo para segurar o trem merda que estava
para chegar na estação ânus a qualquer momento. Suava em bicas. Meu amigo
percebeu e, como bom amigo que era, aproveitou para tirar um sarro. O alívio
provisório veio em forma de bolhas estomacais, indicando que pelo menos por
enquanto as coisas tinham se acomodado. Tentava me distrair vendo TV mas só
conseguia pensar em um banheiro, não com uma privada, mas com um vaso sanitário
tão branco e tão limpo que alguém poderia botar seu almoço nele . E o papel
higiênico então: branco e macio, com textura e perfume e, ops, senti um volume
almofadado entre meu traseiro e o assento do ônibus e percebi, consternado, que
havia cagado .
Um cocô
sólido e comprido daqueles que dão orgulho de pai ao seu autor. Daqueles que da
vontade de ligar pros amigos e parentes e convidá-los a apreciar na privada .
Tão perfeita obra, dava pra expor em uma bienal .
Mas sem
dúvida, a situação tava tensa . Olhei para o meu amigo, procurando um pouco de
solidariedade, e confessei sério : " Cara, caguei." Quando meu amigo
parou de rir, uns cinco minutos depois, aconselhou - me a relaxar, pois agora
estava tudo sob controle . " Que se dane, me limpo no aeroporto " -
pensei . "Pior que isso não fico ." Mal o ônibus entrou em movimento,
a cólica recomeçou forte . Arregalei os olhos, segurei-me na cadeira mas não
pude evitar, e sem muita cerimônia ou anunciação, veio a segunda leva de merda
. Desta vez, como uma pasta morna.
Foi merda
para tudo que e lado, borrando, esquentando e melando a bunda, cueca, barra da
camisa, pernas, panturrilha, calças, meias e pés . E mais uma cólica anunciando
mais merda, agora líquida, das que queimam o fiofó do freguês ao sair rumo a
liberdade . E depois um peido tipo bufa, que eu nem tentei segurar, afinal de
contas o que era um peidinho para quem já estava todo cagado . Já o peido
seguinte, foi do tipo que pesa . E me caguei pela quarta vez .
Lembrei de
um amigo que certa vez estava com tanta caganeira que resolveu botar modess na
cueca , mas colocou as linhas adesivas viradas para cima e quando foi tirá-lo
levou metade dos pelos do rabo junto . Mas era tarde demais para tal artifício
absorvente . Tinha menstruado tanta merda que nem uma bomba de cisterna poderia
me ajudar a limpar a sujeirada .
Finalmente
cheguei ao aeroporto e saindo apressado com passos curtinhos, supliquei ao meu
amigo que apanhasse minha mala no bagageiro do ônibus e a levasse ao sanitário
do aeroporto para que eu pudesse trocar de roupas.
Corri ao
banheiro e entrando de boxe em boxe, constatei a falta de papel higiênico em
todos os cinco . Olhei para cima e blasfemei: "Agora chega, né ?"
Entrei no último, sem papel mesmo, e tirei a roupa toda para analisar minha
situação (que conclui como sendo o fundo do poço ) e esperar pela minha
salvação, com roupas limpinhas e cheirosinhas e com ela uma lufada de dignidade
no meu dia .
Meu amigo
entrou no banheiro com pressa, tinha feito o " check-in " e ia
correndo tentar segurar o vôo . Jogou por cima do boxe o cartão de embarque e
uma maleta de mão e saiu antes de qualquer protesto de minha parte . Ele tinha
despachado a mala com roupas . Na mala de mão só tinha um pulôver de gola
"V". A temperatura em Miami era de aproximadamente 35 graus .
Desesperado
comecei a analisar quais de minhas roupas seriam, de algum modo, aproveitáveis
. Minha cueca , joguei no lixo . A camisa era história . As calças estavam
deploráveis e assim como minhas meias, mudaram de cor tingidas pela merda .
Meus sapatos estavam nota 3, numa escala de 1 a 10
Teria que
improvisar . A invenção é mãe da necessidade, então transformei uma simples
privada em uma magnifica máquina de lavar . Virei a calça do lado avesso,
segurei-a pela barra, e mergulhei a parte atingida na água..
Comecei a
dar descarga até que o grosso da merda se desprendeu . Estava pronto para
embarcar . Saí do banheiro e atravessei o aeroporto em direção ao portão de
embarque trajando sapatos sem meias, as calcas do lado avesso e molhadas da
cintura ao joelho (não exatamente limpas) e o pulôver gola "V", sem
camisa . Mas caminhava com a dignidade de um lorde.
Embarquei no
avião, onde todos os passageiros estavam esperando " O RAPAZ QUE ESTAVA NO
BANHEIRO" e atravessei todo o corredor até o meu assento, ao lado do meu
amigo que sorria . A aeromoça aproximou-se e perguntou se precisava de algo .
Eu cheguei a pensar em pedir 120 toalhinhas perfumadas para disfarçar o cheiro
de fossa transbordante e uma gilete para cortar os pulsos, mas decidi não
pedir: " Nada , obrigado . Eu só queria esquecer este dia de merda !!!
"