Dez razões para se opor a todos os Jogos Olímpicos
Existem diversas razões para se opor à
realização de Jogos Olímpicos, não somente aos de 1996 em Atlanta e o de 2000
em Sidney, mas todos eles. Um resumido esboço de dez razões é apresentado neste
artigo. Os pontos apresentados resumem idéias analisadas de forma profunda e
detalhada em diversos estudos. Infelizmente, análises críticas acerca das
Olimpíadas não recebem atenção alguma se comparadas à extensa promoção
governamental e comercial dos Jogos.
As
críticas não se dirigem aos dedicados e talentosos atletas, nem mesmo aos seus
técnicos e patrocinadores. Não digo também que não há valor algum nos Jogos
Olímpicos. No entanto, meu argumento é que existem tantos problemas intrínsecos
a ele que seria melhor a abolição de todos eles juntos.
1.
Nacionalismo
Os Jogos são uma arena para disputas políticas. Os Jogos de 1936
realizados em Berlim foram utilizados pelo regime Nazista para reforçar seu
prestígio. O governo do Estados Unidos da América liderou um boicote aos Jogos
de Moscou em 1980 como forma de protesto contra a invasão soviética ao
Afeganistão. O governo soviético liderou um boicote aos Jogos de Los Angeles em
1984 em grande parte como forma de revanche ao boicote liderado pelo governo
americano nos Jogos anteriores.
A retórica usualmente utilizada é a de que esportes e política não se
misturam, contudo o que se percebe é que as Olimpíadas foram utilizadas como
arma política desde sua primeira edição. Decisões políticas são tomadas desde a
decisão de onde serão realizados os Jogos até a escolha dos países que
participarão do mesmo. Os boicotes aos Jogos são formas de exercer pressão
política. Exatamente pelo fato de que os esportes são vistos de forma neutra
pela sociedade, é que essas estratégias são tão efetivas para os propósitos
políticos.
Os governantes na busca de prestígio pelas vitórias olímpicas organizam
o treinamento de atletas de elite. Nas Olimpíadas, as competições entre atletas
são transformadas em competição entre Estados. Os atletas não podem participar
caso seus países não participem. As vitórias individuais e dos times são
encaradas como vitórias nacionais, simbolizadas por bandeiras e hinos, que são
ecoam pelo mundo todo. A cobertura pela mídia dos países é freqüentemente
imparcial e tende a exaltar seus próprios atletas, refletindo e reforçando o
sentimento de nacionalismo.
O Comitê Olímpico Internacional (IOC), uma organização altamente não
democrática, é composta por representantes dos países membros. Este Comitê é um
veículo de luta política internacional. Sediar os Jogos é visto como uma
oportunidade de promover o prestígio nacional. Estados de visões políticas
opostas – liberal democrático, comunista, fascista, militar – abraçaram a idéia
dos Jogos, demonstrando a falta de princípios éticos do evento. O Comitê
Olímpico Internacional tem buscado a participação de todas as nações, sem
aplicações de testes e critérios oficiais.
2.
Comercialismo
Interesses de corporações
penetram nas Olimpíadas através de patrocínios dos próprios Jogos e por uso e
patrocínio de atletas para propósitos comerciais. A mídia nutre a idéia de que
os Jogos são um grande espetáculo, promovendo profissionalização e
comercialização.
Atletas com visibilidade
podem se beneficiar com a assinatura de contratos lucrativos. O sucesso no
esporte se torna um meio de venda de produtos. A sonhada medalha de ouro se
torna um meio utilizado por atletas e patrocinadores para aumentarem seus
lucros. Comercialismo e Nacionalismo transformam os Jogos Olímpicos cada vez
mais em uma atividade destinada apenas a atletas de alto rendimento e
profissionais com dedicação integral.
As Olimpíadas se tornaram um
grande balcão de negócios, principalmente através da televisão. Os meios de
comunicação de massa usam esporte para vender programas a anunciantes. Os Jogos
e sua imagem de evento esportivo de maior importância, são um sonho para os
anunciantes de atingir uma audiência global para seus produtos.
Através de grandes receitas
provenientes das emissoras de TV, o Comitê Olímpico Internacional se tornou o
maior beneficiário das atividades comerciais, operando como uma corporação
transnacional. Suas decisões são tomadas em grande parte baseadas nos fluxos de
capitais.
3.
Competição
Os Jogos são exclusivamente
competitivos. Isto significa que no final das contas, a maioria dos
competidores é composta por perdedores.
O foco está em poucos vencedores, ao passo que existem muitos outros que
batalham durante anos sem obter a vitória, algumas vezes por falta de sorte,
outras por conluio por parte das corporações esportivas. De qualquer forma, a
natureza da competição em um nível internacional significa que somente uma
pequenina fração dos competidores poderá sair dos Jogos como vencedores.
Competições com altos
prêmios – medalhas olímpicas – significam que o objetivo se torna a vitória a
todo custo. A pressão pela obtenção das vitórias serve de incentivo ao uso de
drogas ilícitas, manutenção de segredos durante os treinamentos, tentativas de
manipulação psicológica dos oponentes, e treinamento e disputa de competições
enquanto se está lesionado.
A ênfase na competição e na
vitória significa que formas de atividades físicas mais participativas e
cooperativas são marginalizadas. A prática de esportes pode ser satisfatória e
benéfica, ambas fisicamente e mentalmente, para qualquer pessoa da sociedade.
Isto somente acontecerá, caso o objetivo principal seja a participação, e não
apenas a vitória nas competições. Os Jogos Olímpicos são competições de elite,
entre atletas e Estados. A obsessão pelo sucesso olímpico subestima o objetivo
do esporte cooperativo e participativo.
4.
Dominação masculina
Desde o
começo das Olimpíadas a quantidade de atletas, técnicos e árbitros do sexo
masculino sempre foi muito maior do que a quantidade de mulheres. As atletas
recebem menos apoio em termos financeiros e existem menos esportes olímpicos,
em que elas podem competir. Muitos comitês olímpicos nacionais não possuem
nenhum membro do sexo feminino e não enviam nenhuma mulher aos Jogos.
As
competições incluídas nos Jogos Olímpicos são aquelas que conferem vantagens
aos homens, uma vez que enfatizam a força e velocidade. Por exemplo, a maioria
dos esportes ligados à corrida e natação são vencidos em questão de segundos ou
minutos. As mulheres competem de forma igualitária, senão superior aos homens
no tocante aos esportes de resistência, tais como as competições de longa
duração da natação. No entanto, nas Olimpíadas são realizadas apenas provas de
curta duração. Da mesma forma, competições que privilegiam a precisão e a
habilidade, em detrimento da força dariam às mulheres maiores chances de
vitória. Seria possível selecionar ou determinar competições que ofereçam
condições igualitárias de vitória para homens e mulheres, contudo isto nunca
foi considerado. Ao invés disto, as mulheres são forçadas a se adaptar às
competições destinadas aos homens. Isto ajuda a manter a ênfase na competição,
em detrimento da cooperação.
A dominação masculina no
movimento Olímpico reflete e reforça a predominância de homens nos jogos esportivos
que recebem maior atenção na maioria dos países do mundo.
5.
Racismo
Os Jogos foram criados pelas
elites européias e construídos com base nos esportes ocidentais. Através da
publicidade mundial nas Olimpíadas e a competição pela glória nacional, cada
vez mais esses esportes têm sido adotados em países em que não possuem
popularidade alguma.
Muitos países não-ocidentais
têm histórias longas de jogos esportivos indígenas e jogos que não se ajustam
ao modelo ocidental. Estas tradições foram submersas. O Comitê Olímpico
Internacional é dominado por perspectivas ocidentais de esportes e aparentam
não tomar conhecimento dos estilos e tradições não-ocidentais. Isto sem
mencionar o racismo que pode ocorrer entre os times, e inclusive dentro de um
mesmo time.
6.
Violência
Muitos jogos esportivos,
tais como boxe, arco-e-flecha e dardo, são modelados em habilidades para a
guerra. Alguns esportes envolvem violência, incluindo esportes de aparente
“não-contato”, como o basquete. A competição intensa e o partidarismo,
combinados aos esportes, freqüentemente geram agressividade entre os
espectadores. Em algumas ocasiões, eventos esportivos foram os gatilhos para o
início guerras. Em geral, esportes competitivos refletem, mais do que reduzem,
a violência no resto da sociedade.
As
Olimpíadas foram criadas para fomentar a paz e a harmonia. Ao invés disto, têm
se tornado uma arena para a continuação da violência entre indivíduos em
competições, e entre Estados na luta por poder e status. A decisão de Atenas
ser a sede dos Jogos Olímpicos de 1896 estimulou o nacionalismo grego,
acarretando uma guerra contra a Turquia em 1897. O movimento Olímpico é incapaz
de tornar seu objetivo principal, a paz, em uma realidade.
7.
Celebridade
Os Jogos
fomentam uma cultura de celebridades, em que as estrelas são postas em
evidência, em detrimento dos participantes não pertencentes à elite. Os
espectadores se identificam com heróis Olímpicos, atribuindo a eles virtudes
morais como coragem e integridade. Ademais, a combinação de competições para
especialistas, somados a um prêmio pela vitória significa que os atletas
olímpicos não desempenham papéis de modelos adequados. Eles podem desenvolver
certas habilidades e forças, em detrimento de uma vida saudável, competir, em
detrimento de outros compromissos ou valorizar mais o sucesso pessoal do que
uma competição justa ou a ajuda ao próximo. Isto não é culpa dos atletas, mas
um sintoma de uma competição entre elites, em que um vitorioso é idolatrado
pela mídia e se torna um símbolo de sucesso nacional.
8.
Intensificação Tecnológica
As
competições de nível olímpico são uma luta entre aplicações de ciências e
tecnologias avançadas em equipamentos, treinamentos, psicologias, e drogas
(legais e ilegais). No ciclismo, por exemplo, a vitória tende a ser conquistada
tanto pela bicicleta com a melhor troca de marchas, quanto pelo melhor
ciclista. Os corpos humanos são tratados como máquinas, objetivando o maior
sucesso nas competições.
O papel crescente dos meios
de intervenções científicas e tecnológicas sofisticadas significa que os
indivíduos e países, sem as instalações mais avançadas são prejudicados,
ocasionando uma outra dimensão de racismo, construída nos Jogos Olímpicos.
Passos poderiam ser dados para superar isto, por exemplo, pela determinação de
equipamentos padronizados para os competidores. Porém, isto iria contra os
interesses dos governantes com tecnologias superiores.
9.
Espectadores
Assistir a competições
esportivas, como as Olimpíadas, por exemplo, serve para integrar os
espectadores, (especialmente os homens) em um sistema dominante de valoração da
rivalidade para o alcance do sucesso. Debaixo do disfarce de desfrute de
entretenimento e apoio ao atleta preferido, são inculcadas nos espectadores dos
esportes, as suposições de que vida é uma competição, que as regras são justas,
que a maioria das recompensas vai para os vencedores, e que os perdedores devem
apenas se culpar pelas derrotas. Essas idéias são convenientes para manter os
trabalhadores em um estágio permanente de inércia. Devido às semelhanças entre
a competição nos esportes competitivos e a competição nos negócios, que
metáforas esportivas (“marcar gol” “campo de jogo”) são tão utilizadas fora do
terreno esportivo.
10.
Repressão governamental
Os países sedes dos Jogos olímpicos são locais de liberdades civis
reduzidas. Devido à vasta audiência e
ao grande valor simbólico das Olimpíadas, diversos grupos tentam fazer sucesso
através de atentados aos Jogos, havendo necessidade de leis especiais e
políticas especiais para prevenir este tipo de ato. Terroristas utilizaram as
Olimpíadas de Munich em 1972 como palco. À medida que a ameaça se torna maior,
aumenta o controle sobre as manifestações de discórdia.
Foram apresentadas diversas
idéias para eliminar alguns dos problemas relativos aos Jogos. Uma delas é a
indicação de Atenas como sede permanente das Olimpíadas. Isto acabaria com as
políticas em torno da escolha do país sede dos Jogos, em que dar presentes
especiais a sócios do Comitê Olímpico Internacional ficou rotineiro. Outra
medida é a escolha de locais múltiplos para os Jogos, de forma que o fardo
(financeiro e simbólico) em uma única cidade seria reduzido. A terceira
estratégia é que os atletas se representem e não representem países. Eles
poderiam usar uniformes comuns. Poderiam ser eliminados jogos esportivos
disputados por times. Isto reduziria a identificação nacionalista. Essas e
outras idéias são boas, mas são opostas aos interesses nacionais e comerciais,
além de improváveis de serem introduzidas pelo Comitê Olímpico Internacional,
representante dos interesses mencionados.
Outra aproximação é aceitar
os Jogos como eles são, mas os usar como um lugar para empreender várias
campanhas. Nas Olimpíadas de 1968 na Cidade do México, corredores negros no
posto de chegada deram uma saudação de poder negro, com tremendo impacto
simbólico.
Geralmente, entretanto, esta
estratégia não é muito frutífera. Requer esforços enormes para se tornar um
atleta Olímpico, contudo oportunidades para se fazer gestos políticos são
bastante limitadas. Para não-atletas, há possibilidades de se fazer protestos,
mas os Jogos não provêem um campo para uso político. Os governos e corporações
possuem as maiores oportunidades de usarem os Jogos para seus próprios
propósitos, seja por sucessos esportivos, boicotes ou anúncios comerciais.
Primeiro passo é ignorar os Jogos. Isto soa simples, mas pode ser
bastante significante caso os parentes da pessoa ou seus amigos esperarem
entusiasmo pelo espetáculo Olímpico.
Outro passo é se opor aos
Jogos ativamente, por exemplo, escrevendo cartas, folhetos circulares,
organizando protestos, produzindo sátiras, boicotando patrocinadores comerciais
e muitas outras técnicas. Isto possui a vantagem de ir além de crítica
individual. Mas, seria difícil a obtenção de resultados a curto prazo, dadas as
forças globais que promovem os Jogos.
Um terceiro passo é promover jogos alternativos. Nos anos vinte e
trinta, havia os jogos de trabalhadores que evitaram muito do nacionalismo e
preconceito da alta classe das Olimpíadas. O problema com esta estratégia é que
qualquer jogo que se torne uma real alternativa provável às Olimpíadas será
afetado pelos mesmos tipos de problemas, como comercialismo, competição e
participação passiva dos espectadores.
Uma quarta aproximação é
promover jogos cooperativos (não Jogos Olímpicos do estilo tradicional, mas
jogos que signifiquem realmente diversão) e alternativas para as funções
psycho-social de esporte. Algumas formas de drama e jogos de papel podem
realizar isto. Muito mais investigação, incluindo provas práticas, se faz
necessário como alternativas funcionais do esporte competitivo. Agora,
entretanto, muito mais dinheiro e esforço são dedicados à biomecânica da
natação, à melhora da qualidade das raquetes de tênis e à descoberta de novas
drogas para atletas, do que para elaboração de jogos cooperativos.