Dez razões para se opor a todos os Jogos Olímpicos

 

Publicado em Freedom, Vol 57, N°15, 3 de Agosto de 1996, p. 7 , com pequenas modificações e omissões de referências. Uma versão resumida foi publicada em Green Left, em 22 de maio de 1996, p. 13.

 

Autor: Brian Martin

 

 

       Existem diversas razões para se opor à realização de Jogos Olímpicos, não somente aos de 1996 em Atlanta e o de 2000 em Sidney, mas todos eles. Um resumido esboço de dez razões é apresentado neste artigo. Os pontos apresentados resumem idéias analisadas de forma profunda e detalhada em diversos estudos. Infelizmente, análises críticas acerca das Olimpíadas não recebem atenção alguma se comparadas à extensa promoção governamental e comercial dos Jogos.

       As críticas não se dirigem aos dedicados e talentosos atletas, nem mesmo aos seus técnicos e patrocinadores. Não digo também que não há valor algum nos Jogos Olímpicos. No entanto, meu argumento é que existem tantos problemas intrínsecos a ele que seria melhor a abolição de todos eles juntos.

 

1. Nacionalismo

 

Os Jogos são uma arena para disputas políticas. Os Jogos de 1936 realizados em Berlim foram utilizados pelo regime Nazista para reforçar seu prestígio. O governo do Estados Unidos da América liderou um boicote aos Jogos de Moscou em 1980 como forma de protesto contra a invasão soviética ao Afeganistão. O governo soviético liderou um boicote aos Jogos de Los Angeles em 1984 em grande parte como forma de revanche ao boicote liderado pelo governo americano nos Jogos anteriores.

A retórica usualmente utilizada é a de que esportes e política não se misturam, contudo o que se percebe é que as Olimpíadas foram utilizadas como arma política desde sua primeira edição. Decisões políticas são tomadas desde a decisão de onde serão realizados os Jogos até a escolha dos países que participarão do mesmo. Os boicotes aos Jogos são formas de exercer pressão política. Exatamente pelo fato de que os esportes são vistos de forma neutra pela sociedade, é que essas estratégias são tão efetivas para os propósitos políticos.

Os governantes na busca de prestígio pelas vitórias olímpicas organizam o treinamento de atletas de elite. Nas Olimpíadas, as competições entre atletas são transformadas em competição entre Estados. Os atletas não podem participar caso seus países não participem. As vitórias individuais e dos times são encaradas como vitórias nacionais, simbolizadas por bandeiras e hinos, que são ecoam pelo mundo todo. A cobertura pela mídia dos países é freqüentemente imparcial e tende a exaltar seus próprios atletas, refletindo e reforçando o sentimento de nacionalismo.

O Comitê Olímpico Internacional (IOC), uma organização altamente não democrática, é composta por representantes dos países membros. Este Comitê é um veículo de luta política internacional. Sediar os Jogos é visto como uma oportunidade de promover o prestígio nacional. Estados de visões políticas opostas – liberal democrático, comunista, fascista, militar – abraçaram a idéia dos Jogos, demonstrando a falta de princípios éticos do evento. O Comitê Olímpico Internacional tem buscado a participação de todas as nações, sem aplicações de testes e critérios oficiais.

 

2. Comercialismo

 

Interesses de corporações penetram nas Olimpíadas através de patrocínios dos próprios Jogos e por uso e patrocínio de atletas para propósitos comerciais. A mídia nutre a idéia de que os Jogos são um grande espetáculo, promovendo profissionalização e comercialização.

Atletas com visibilidade podem se beneficiar com a assinatura de contratos lucrativos. O sucesso no esporte se torna um meio de venda de produtos. A sonhada medalha de ouro se torna um meio utilizado por atletas e patrocinadores para aumentarem seus lucros. Comercialismo e Nacionalismo transformam os Jogos Olímpicos cada vez mais em uma atividade destinada apenas a atletas de alto rendimento e profissionais com dedicação integral.

As Olimpíadas se tornaram um grande balcão de negócios, principalmente através da televisão. Os meios de comunicação de massa usam esporte para vender programas a anunciantes. Os Jogos e sua imagem de evento esportivo de maior importância, são um sonho para os anunciantes de atingir uma audiência global para seus produtos.

Através de grandes receitas provenientes das emissoras de TV, o Comitê Olímpico Internacional se tornou o maior beneficiário das atividades comerciais, operando como uma corporação transnacional. Suas decisões são tomadas em grande parte baseadas nos fluxos de capitais.

 

3. Competição

 

Os Jogos são exclusivamente competitivos. Isto significa que no final das contas, a maioria dos competidores é composta por perdedores.  O foco está em poucos vencedores, ao passo que existem muitos outros que batalham durante anos sem obter a vitória, algumas vezes por falta de sorte, outras por conluio por parte das corporações esportivas. De qualquer forma, a natureza da competição em um nível internacional significa que somente uma pequenina fração dos competidores poderá sair dos Jogos como vencedores.

Competições com altos prêmios – medalhas olímpicas – significam que o objetivo se torna a vitória a todo custo. A pressão pela obtenção das vitórias serve de incentivo ao uso de drogas ilícitas, manutenção de segredos durante os treinamentos, tentativas de manipulação psicológica dos oponentes, e treinamento e disputa de competições enquanto se está lesionado.

A ênfase na competição e na vitória significa que formas de atividades físicas mais participativas e cooperativas são marginalizadas. A prática de esportes pode ser satisfatória e benéfica, ambas fisicamente e mentalmente, para qualquer pessoa da sociedade. Isto somente acontecerá, caso o objetivo principal seja a participação, e não apenas a vitória nas competições. Os Jogos Olímpicos são competições de elite, entre atletas e Estados. A obsessão pelo sucesso olímpico subestima o objetivo do esporte cooperativo e participativo.

 

4. Dominação masculina

 

       Desde o começo das Olimpíadas a quantidade de atletas, técnicos e árbitros do sexo masculino sempre foi muito maior do que a quantidade de mulheres. As atletas recebem menos apoio em termos financeiros e existem menos esportes olímpicos, em que elas podem competir. Muitos comitês olímpicos nacionais não possuem nenhum membro do sexo feminino e não enviam nenhuma mulher aos Jogos.

       As competições incluídas nos Jogos Olímpicos são aquelas que conferem vantagens aos homens, uma vez que enfatizam a força e velocidade. Por exemplo, a maioria dos esportes ligados à corrida e natação são vencidos em questão de segundos ou minutos. As mulheres competem de forma igualitária, senão superior aos homens no tocante aos esportes de resistência, tais como as competições de longa duração da natação. No entanto, nas Olimpíadas são realizadas apenas provas de curta duração. Da mesma forma, competições que privilegiam a precisão e a habilidade, em detrimento da força dariam às mulheres maiores chances de vitória. Seria possível selecionar ou determinar competições que ofereçam condições igualitárias de vitória para homens e mulheres, contudo isto nunca foi considerado. Ao invés disto, as mulheres são forçadas a se adaptar às competições destinadas aos homens. Isto ajuda a manter a ênfase na competição, em detrimento da cooperação.

A dominação masculina no movimento Olímpico reflete e reforça a predominância de homens nos jogos esportivos que recebem maior atenção na maioria dos países do mundo. 

 

5. Racismo

 

Os Jogos foram criados pelas elites européias e construídos com base nos esportes ocidentais. Através da publicidade mundial nas Olimpíadas e a competição pela glória nacional, cada vez mais esses esportes têm sido adotados em países em que não possuem popularidade alguma.

Muitos países não-ocidentais têm histórias longas de jogos esportivos indígenas e jogos que não se ajustam ao modelo ocidental. Estas tradições foram submersas. O Comitê Olímpico Internacional é dominado por perspectivas ocidentais de esportes e aparentam não tomar conhecimento dos estilos e tradições não-ocidentais. Isto sem mencionar o racismo que pode ocorrer entre os times, e inclusive dentro de um mesmo time.

 

6. Violência

 

Muitos jogos esportivos, tais como boxe, arco-e-flecha e dardo, são modelados em habilidades para a guerra. Alguns esportes envolvem violência, incluindo esportes de aparente “não-contato”, como o basquete. A competição intensa e o partidarismo, combinados aos esportes, freqüentemente geram agressividade entre os espectadores. Em algumas ocasiões, eventos esportivos foram os gatilhos para o início guerras. Em geral, esportes competitivos refletem, mais do que reduzem, a violência no resto da sociedade.

       As Olimpíadas foram criadas para fomentar a paz e a harmonia. Ao invés disto, têm se tornado uma arena para a continuação da violência entre indivíduos em competições, e entre Estados na luta por poder e status. A decisão de Atenas ser a sede dos Jogos Olímpicos de 1896 estimulou o nacionalismo grego, acarretando uma guerra contra a Turquia em 1897. O movimento Olímpico é incapaz de tornar seu objetivo principal, a paz, em uma realidade.

 

7. Celebridade

 

       Os Jogos fomentam uma cultura de celebridades, em que as estrelas são postas em evidência, em detrimento dos participantes não pertencentes à elite. Os espectadores se identificam com heróis Olímpicos, atribuindo a eles virtudes morais como coragem e integridade. Ademais, a combinação de competições para especialistas, somados a um prêmio pela vitória significa que os atletas olímpicos não desempenham papéis de modelos adequados. Eles podem desenvolver certas habilidades e forças, em detrimento de uma vida saudável, competir, em detrimento de outros compromissos ou valorizar mais o sucesso pessoal do que uma competição justa ou a ajuda ao próximo. Isto não é culpa dos atletas, mas um sintoma de uma competição entre elites, em que um vitorioso é idolatrado pela mídia e se torna um símbolo de sucesso nacional.

 

8. Intensificação Tecnológica

 

       As competições de nível olímpico são uma luta entre aplicações de ciências e tecnologias avançadas em equipamentos, treinamentos, psicologias, e drogas (legais e ilegais). No ciclismo, por exemplo, a vitória tende a ser conquistada tanto pela bicicleta com a melhor troca de marchas, quanto pelo melhor ciclista. Os corpos humanos são tratados como máquinas, objetivando o maior sucesso nas competições.

O papel crescente dos meios de intervenções científicas e tecnológicas sofisticadas significa que os indivíduos e países, sem as instalações mais avançadas são prejudicados, ocasionando uma outra dimensão de racismo, construída nos Jogos Olímpicos. Passos poderiam ser dados para superar isto, por exemplo, pela determinação de equipamentos padronizados para os competidores. Porém, isto iria contra os interesses dos governantes com tecnologias superiores.

 

9. Espectadores

 

Assistir a competições esportivas, como as Olimpíadas, por exemplo, serve para integrar os espectadores, (especialmente os homens) em um sistema dominante de valoração da rivalidade para o alcance do sucesso. Debaixo do disfarce de desfrute de entretenimento e apoio ao atleta preferido, são inculcadas nos espectadores dos esportes, as suposições de que vida é uma competição, que as regras são justas, que a maioria das recompensas vai para os vencedores, e que os perdedores devem apenas se culpar pelas derrotas. Essas idéias são convenientes para manter os trabalhadores em um estágio permanente de inércia. Devido às semelhanças entre a competição nos esportes competitivos e a competição nos negócios, que metáforas esportivas (“marcar gol” “campo de jogo”) são tão utilizadas fora do terreno esportivo.

 

10. Repressão governamental

 

Os países sedes dos Jogos olímpicos são locais de liberdades civis reduzidas.  Devido à vasta audiência e ao grande valor simbólico das Olimpíadas, diversos grupos tentam fazer sucesso através de atentados aos Jogos, havendo necessidade de leis especiais e políticas especiais para prevenir este tipo de ato. Terroristas utilizaram as Olimpíadas de Munich em 1972 como palco. À medida que a ameaça se torna maior, aumenta o controle sobre as manifestações de discórdia.

 

Estratégias para mudança

 

A) Reforma dos Jogos olímpicos

 

Foram apresentadas diversas idéias para eliminar alguns dos problemas relativos aos Jogos. Uma delas é a indicação de Atenas como sede permanente das Olimpíadas. Isto acabaria com as políticas em torno da escolha do país sede dos Jogos, em que dar presentes especiais a sócios do Comitê Olímpico Internacional ficou rotineiro. Outra medida é a escolha de locais múltiplos para os Jogos, de forma que o fardo (financeiro e simbólico) em uma única cidade seria reduzido. A terceira estratégia é que os atletas se representem e não representem países. Eles poderiam usar uniformes comuns. Poderiam ser eliminados jogos esportivos disputados por times. Isto reduziria a identificação nacionalista. Essas e outras idéias são boas, mas são opostas aos interesses nacionais e comerciais, além de improváveis de serem introduzidas pelo Comitê Olímpico Internacional, representante dos interesses mencionados.

 

B) Uso dos Jogos como um local para luta política

 

Outra aproximação é aceitar os Jogos como eles são, mas os usar como um lugar para empreender várias campanhas. Nas Olimpíadas de 1968 na Cidade do México, corredores negros no posto de chegada deram uma saudação de poder negro, com tremendo impacto simbólico. 

Geralmente, entretanto, esta estratégia não é muito frutífera. Requer esforços enormes para se tornar um atleta Olímpico, contudo oportunidades para se fazer gestos políticos são bastante limitadas. Para não-atletas, há possibilidades de se fazer protestos, mas os Jogos não provêem um campo para uso político. Os governos e corporações possuem as maiores oportunidades de usarem os Jogos para seus próprios propósitos, seja por sucessos esportivos, boicotes ou anúncios comerciais. 

 

C) Desafiar os Jogos Olímpicos

 

Primeiro passo é ignorar os Jogos. Isto soa simples, mas pode ser bastante significante caso os parentes da pessoa ou seus amigos esperarem entusiasmo pelo espetáculo Olímpico.  

Outro passo é se opor aos Jogos ativamente, por exemplo, escrevendo cartas, folhetos circulares, organizando protestos, produzindo sátiras, boicotando patrocinadores comerciais e muitas outras técnicas. Isto possui a vantagem de ir além de crítica individual. Mas, seria difícil a obtenção de resultados a curto prazo, dadas as forças globais que promovem os Jogos.

Um terceiro passo é promover jogos alternativos. Nos anos vinte e trinta, havia os jogos de trabalhadores que evitaram muito do nacionalismo e preconceito da alta classe das Olimpíadas. O problema com esta estratégia é que qualquer jogo que se torne uma real alternativa provável às Olimpíadas será afetado pelos mesmos tipos de problemas, como comercialismo, competição e participação passiva dos espectadores. 

Uma quarta aproximação é promover jogos cooperativos (não Jogos Olímpicos do estilo tradicional, mas jogos que signifiquem realmente diversão) e alternativas para as funções psycho-social de esporte. Algumas formas de drama e jogos de papel podem realizar isto. Muito mais investigação, incluindo provas práticas, se faz necessário como alternativas funcionais do esporte competitivo. Agora, entretanto, muito mais dinheiro e esforço são dedicados à biomecânica da natação, à melhora da qualidade das raquetes de tênis e à descoberta de novas drogas para atletas, do que para elaboração de jogos cooperativos.