Pan-Americano de 2007 e seus impactos no Rio de Janeiro
Maio de 2005
Bruno Lopes[1]
Entre os primeiros ensinamentos de um curso de economia estão os significados dos termos trade-off e custo de oportunidade. O primeiro se refere às escolhas econômicas as quais o agente abre mão em detrimento de uma outra opção. São duplas de opções que não podem ser escolhidas simultaneamente, ao passo que o segundo está relacionado à possibilidade de ganho derivado de uma decisão alternativa e com o mesmo risco.
Quando nos aproximamos da temática do orçamento público,
uma das primeiras conclusões é de que o governante consciente deve atrelar suas
despesas à determinação de prioridades. Afinal, de
que vale a construção de uma nova escola se a única estrada que faz sua ligação
à cidade não possui boas condições de
tráfego, dificultando o acesso à mesma? Ou então, do que adianta a reforma de
um parque em uma comunidade se os hospitais que lá
existem não possuem materiais básicos para sua manutenção?
Na conjuntura
carioca, a pergunta a ser feita é se um evento do porte dos Jogos do
Pan-Americano, que demanda gastos elevados, seja do poder público ou do setor
privado, é uma prioridade. Seja qual for a resposta, a decisão já foi tomada por um grupo de pessoas há alguns anos e resta
à sociedade encontrar meios para intervir na sua implementação, a fim de que se
torne uma oportunidade de melhoramento da cidade em prol das prioridades reais
das populações carentes. De acordo com Barbosa Lima Sobrinho, “sem a
participação do povo, do contribuinte, do eleitor, o dinheiro público será
aplicado segundo critérios que nem sempre representam as melhores soluções para
os problemas da comunidade”.[2]
Conforme a reportagem publicada pela Folha de São Paulo, no dia primeiro de maio de 2005, o somatório da previsão de gastos do poder público referentes à realização dos Jogos deve chegar a R$ 1,4 bilhão. Destes, R$ 663 milhões cabem à Prefeitura, R$ 636 milhões ao Governo Federal e R$ 112 milhões ao Governo Estadual. É fato que a previsão dos gastos com o Pan não corresponde apenas ao exercício orçamentário de um ano dos entes supracitados. Entretanto, a comparação com as despesas já liquidadas[3] ou que estão previstas de serem executadas nas Leis Orçamentárias Anuais continua sendo válida.
Incluído no valor apresentado a ser despendido pela Prefeitura, está a construção de um Estádio Olímpico. Este, segundo dados divulgados pelo Comitê Olímpico Brasileiro custará aos cofres públicos cerca de R$ 166 milhões. Somados a este, outros R$ 70 milhões serão gastos em obras de infra-estrutura e R$14 milhões em desapropriação de imóveis no entorno do Estádio. Para se ter uma idéia da dimensão destes valores, a soma dos investimentos[4] previstos em educação para 2004 e 2005 no Município do Rio de Janeiro é de R$ 145 milhões. Vale lembrar que o Rio de janeiro tem 200 mil pessoas analfabetas com mais de 15 anos[5]. Já no tocante à saúde, a despesa com o Estádio Olímpico também é maior do que a previsão de investimentos, tanto para 2004 (R$ 143,6 milhões) quanto para 2005 (R$ 132,6 milhões).
Em relação aos programas de trabalho[6] do orçamento municipal do Rio de Janeiro, existe um específico, cujo objetivo são ações preparatórias para a realização dos Jogos em 2007. Em 2004 foram liquidados cerca de R$ 44 milhões e a previsão inicial de despesa para 2005 é cerca de R$ 81 milhões.
De
acordo com o artigo “Are new stadiums worth the cost?” (A Construção de novos
Estádios vale o custo?), de autoria de Roger Noll, publicado pelo movimento
“Bread Not Circus” (movimento canadense de coalizão, crítico em torno da
candidatura de Toronto aos Jogos Olímpicos de 2008) a construção de um novo
estabelecimento esportivo somente será benéfica para a economia local se este
for o modo mais produtivo de investir o capital e de
utilizar os trabalhadores locais. Noll afirma ainda que só valerá a pena a
realização dos Jogos se for formada uma indústria de exportação significante
para a região, no sentido de atrair visitantes para comprar produtos locais ou
se resulta na venda de direitos de transmissão e de venda de produtos de
empresas nacionais. Contudo, em geral os seus efeitos são extremamente
pequenos no tocante ao aumento da atividade econômica global e de emprego, finaliza o autor.
O
artigo chama atenção para um aspecto fundamental que é a geração local de empregos. No caso do Estádio Olímpico João
Havelange, de Engenho de Dentro, no RJ, a previsão é de que sejam criados
quatro mil empregos diretos, segundo informações obtidas na página virtual[7]
da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer.
Além do movimento social supracitado, existem outros, cujo objetivo é o de criticar a estrutura dos grandes eventos esportivos, tais como os Jogos Pan-Americanos e as Olimpíadas. Talvez os mais expressivos sejam os que se mobilizam em torno dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2010 em Vancouver – Canadá. Entre eles, estão o “Canadian Centre for Policy Alternatives” (com estudos sobre impactos econômicos e ambientais dos Jogos, análises de custos, benefícios, e geração de empregos) e o “Impact of the Olympics on Community Coalition”. Este, destaca a necessidade de um processo independente da Comissão de Candidatura dos Eventos Esportivos a fim de assegurar que assuntos propostos pela comunidade sejam considerados. O movimento elaborou um documento com vinte e três itens a serem considerados pela Comissão com o objetivo de que os Jogos beneficiem a comunidade como um todo. Dentre os itens, estão questões relacionadas à responsabilidade e transparência, segurança, transportes, desenvolvimento econômico – destacando a criação de empregos – meio ambiente, liberdade civil e habitação[8].
Em Sidney, na Austrália, sede dos Jogos Olímpicos de Verão em 2000, foi criado o movimento “Anti–Olympics Alliance”, cujo objetivo era organizar protestos e eventos para realçar o impacto negativo dos Jogos, entre eles o racismo e injustiças sociais. No entanto, as manifestações críticas em torno dos Jogos foram mitigadas com o término do evento. Na Grécia, foi organizado o movimento “Campaña anti-2004” com os propósitos de combater os Jogos em sua forma, tendo em vista seu lado comercial e excludente.
Algumas críticas apresentadas pelos movimentos sociais giram em torno das dívidas financeiras deixadas após os Jogos e dos seus impactos socioeconômicos e ambientais. Na Grécia, sede das Olimpíadas em 2004, de acordo com reportagem publicada pelo jornal El País, em 19 de novembro de 2004, calcula-se que o custo total dos Jogos tenha sido em torno de R$26,6 bilhões[9]. Segundo a reportagem, o setor público foi o responsável por todas as obras cujo custo está sendo pago pelos contribuintes desde então.
Este fato evidencia a importância do modelo de financiamento a ser seguido. No caso brasileiro, o poder público arcará com a maior parte das despesas, mas também haverá participação do setor privado. No caso da Construção da Vila Pan-Americana, a empresa Agenco terá o direito de vender os apartamentos após o término dos Jogos, apesar do financiamento para a sua construção ter sido da Caixa Econômica Federal, com verba proveniente do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Já a reforma do Complexo do Maracanã ficará a cargo do Governo do Estado, ao passo que as instalações que serão construídas na Vila Militar, em Deodoro, para as competições de tiro e hipismo custarão aos cofres do Ministério dos Esportes cerca de R$ 35,5 milhões.
No Rio
de Janeiro foi criado o Comitê Social do Pan, uma articulação do Fórum Popular
do Orçamento do RJ, juntamente com o Fórum Popular de Acompanhamento do Plano
Diretor do RJ, Federação de Associações de Moradores do Município do RJ,
Instituto Virtual dos Esportes dentre outras parcerias com
movimentos sociais e instituições acadêmicas. O Comitê pretende intervir
criticamente na realização dos Jogos, deixando claro sua posição de não ser
contra a sua realização, quanto menos sobre assuntos ligados aos esportes.
Possui duas proposições básicas: maior participação da população em torno da implementação dos Jogos na cidade, principalmente das
comunidades ao redor dos locais de competição, as quais serão afetadas
diretamente, e a garantia de que instalações urbanas a serem construídas
possam ter alguma utilidade pública após o evento, podendo ser utilizadas pelos
membros da sociedade e não apenas por instituições privadas. Entre os
questionamentos do Comitê estão os possíveis gastos públicos em repartições
privadas, possíveis impactos ambientais, geração de emprego e o cumprimento da
Agenda Social[10]. Percebe-se
que a tentativa é aproveitar as intervenções
necessárias para a realização dos Jogos e fazer com este traga
benefícios à população como um todo, e não apenas para
setores e territórios isolados.
Entre as características deste tipo de evento está o fato de que sua realização possui o poder de elevar a auto-estima da população. O sentimento nacionalista é aflorado. Não é à toa que movimentos críticos ao evento, não necessariamente contra o evento, são considerados antipatriotas, assim como aqueles que defendem uma reformulação do mesmo. Contudo, uma das questões principais ante o Pan 2007, é aquilo que está deixando de ser investido para ser alocado nos Jogos. Ademais, os elevados gastos do poder público, poderão acarretar dívidas a serem pagas no futuro, como foi o caso da Grécia. Entre as formas de pagamento desta, está o aumento dos impostos, ou então um simples aumento da dívida consolidada[11], que no caso do Município do Rio de Janeiro em fevereiro de 2005 chega a R$ 7,1 bilhões[12].
O que falta no caso do Rio é um estudo consistente no tocante aos benefícios econômicos para a cidade, provenientes dos Jogos. O ideal é que sua realização deixe um legado de infra-estrutura considerável e compatível com o montante de gastos realizados, e que gere um significativo aumento na quantidade de empregos, tanto no setor de construção (antes dos Jogos), hotelaria e serviços (durante os Jogos), quanto no mercado informal, e que esses empregos não acabem juntamente com o fim dos Jogos.
Desta forma, deve-se buscar a maximização dos benefícios oriundos da realização dos Jogos. No caso da Grécia, o maior legado foi no sistema de transportes, uma vez que foram construídos um novo aeroporto, um metrô, estradas e autopistas com o objetivo de melhorar o trânsito antes dos Jogos. O custo destas obras, entretanto, foi de R$ 29,6 bilhões[13] arcados tanto pelo setor público quanto pelo setor privado.
No caso
do Rio de Janeiro, a ampliação do sistema
metroviário, tema de competência estadual, mas que o município tinha feito
convênio assumindo a responsabilidade pelas despesas, aparentemente foi
descartada por questões ambientais explicitadas pela Federação Estadual de
Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA)[14]
e muito questionada e pressionada pelo Fórum Popular do Orçamento e o Fórum
Popular de Acompanhamento do Plano Diretor já que a Prefeitura previa a
construção de apenas um trecho da linha, não havendo compromisso nem prazos
para construção da linha inteira.
Nenhum outro plano no campo dos transportes de massa foi apresentado. As intervenções previstas afetam principalmente as localidades no entorno dos locais de competição, tais como a duplicação da Avenida Abelardo Bueno, ao lado do Autódromo; a construção de um novo viaduto e um outro que será duplicado, além de reformulado o acesso do bairro de Engenho de Dentro à Linha Amarela, um dos principais eixos viários da cidade. Haverá ainda uma ligação direta do Estádio com a Vila Pan-Americana. Possivelmente, o deslocamento de público de uma região da cidade para outra provocará transtornos durante os Jogos, visto que as obras planejadas priorizam o transporte individual.
Deve-se considerar também que os efeitos provenientes das obras de melhoria de infra-estrutura urbana e das novas instalações construídas ou reformadas para os Jogos devem beneficiar a população como um todo. Caso estas sejam financiadas com recursos públicos, que possam ser utilizadas para o proveito da sociedade. Os ganhos dos setores privados - construção, turismo, comércio - e no mercado informal também não podem ser desprezados, assim como o incentivo aos esportes, sendo necessário trazer para o debate sua faceta de desporto comunitário em contraposição a do esporte de alto rendimento.
Como
foi dito no início do presente artigo, uma das virtudes de um bom governante é
saber elencar as prioridades de sua cidade, melhor
ainda quando utiliza formas democráticas participativas para tal. Todavia, uma
vez que já foi decidido pela realização do Pan no RJ em 2007, cabe à
sociedade reivindicar pelo seu melhor aproveitamento em prol de todos.
O grande volume de investimentos deve respeitar o
planejamento urbanístico da cidade, em especial o plano diretor que estará em
processo de revisão com a participação popular até 2006. Ademais, não deve ter como intuito
somente a realização dos Jogos, os quais possuem duração de apenas duas
semanas, mas devem ser programados, principalmente tendo em vista a construção
de uma grande infra-estrutura urbana que ficará como legado a ser desfrutado
pela população carioca após o término do evento.
[1] Estudante de economia, estagiário do Pacs – Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul junto ao Fórum Popular do Orçamento do RJ e Comitê Social do Pan.
[2] Prefácio da segunda edição da cartilha “De Olho No Orçamento” produzida pelo Fórum Popular do Orçamento do Rio de Janeiro.
[3] Reconhecimento da realização da despesa, seja a compra de um equipamento ou a concretização de uma obra ou serviço.
[4] Deve-se entender este investimento como despesas com o
planejamento e a execução de obras, inclusive com a aquisição de imóveis
considerados necessários à realização destas últimas, bem como com os programas
especiais de trabalho e com a aquisição de instalações, equipamentos e material
permanente.
[5] Censo IBGE de 2000.
[6] Instrumento da ação governamental e pode ser caracterizado por projetos (ação com começo, meio e fim) e/ou atividade (ação de caráter continuado, com objetivo de manutenção dos serviços públicos prestados).
[7] Acesso em 2 de junho de 2005.
[8] Dados do movimento.
[9] Valor convertido em real a partir da cotação de 2 de junho de 2005, de R$2,96: $1 euro.
[10] Agenda promovida pelo Poder Executivo, através do decreto N° 23599 de 16 de Outubro de 2003, estabelecendo metas sociais para as comunidades com baixo IDH no município do Rio de Janeiro a serem atingidas até a realização dos Jogos em 2007.
[11] Montante total das obrigações financeiras do ente da Federação, assumidas em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados e da realização de operações de crédito, para amortização em prazzo superior a um ano.
[12] Relatório resumido da Execução Orçamentária do Município do Rio de Janeiro, publicado no Diário Oficial em 1 de abril de 2005.
[13] Valor convertido em real a partir da cotação de 1 de junho de 2005, de R$2,96: $1 euro .
[14] O estudo de impacto ambiental elaborado pela FEEMA mostra que a primeira etapa do projeto teria 90% do seu traçado escavado em rocha, e seria necessária a remoção da comunidade da Vila União, na Barra da Tijuca, e de retirada de vegetação de área de 1.500 metros quadrados próximo ao Gávea Golf Club.