Rio de Janeiro/RJ
2005
Monografia apresentado ao Curso de Pós Graduação do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Especialista em Planejamento e Uso do Solo Urbano.
Orientadora: Prof.a Dra. Tamara Cohen Egler
Doutora em Sociologia / USP.
2005
Para alguém, como eu, que vem de uma família humilde, criado num distrito de um município da Baixada Fluminense, poder hoje cursar uma Especialização na UFRJ só agradecendo a muita gente.
Especiais, a professora Tamara, minha orientadora, pelo carinho e dedicação.
A todos os professores, colegas e funcionários da Especialização do IPPUR pela fraterna convivência.
A minha Presidente Célia Ravera e a minha Diretora Madlene pela liberação para realizar o curso e ao Diretor Luis Cláudio pelo acesso a documentação e a todos os colegas do ITERJ por compartilharmos, lutarmos e convivermos o sonho da terra para plantar, terra para morar.
Aos bravos moradores da Vila Autódromo, parceiros de lutas.
A minha morena companheira, Olga, parceira de sonhos e de amores, que muito me incentivou durante o curso.
A todo um batalhão de companheiros anônimos que se reúnem pelo mundo e que são os responsáveis por eu ainda estar vivo.
A minha mãe, valente guerreira, reconhecendo que sem a sua luta inicial para garantir uma educação de qualidade essa monografia seria impossível.
Aos meus filhos Vinícius e Vitória, colírios para os meus olhos cansados de verem tanta miséria no meu trabalho.
“Alguma coisa está fora da ordem.
Fora da nova ordem mundial.
Alguma
coisa está fora da ordem.
Fora da nova ordem mundial”.
Caetano Veloso.
Essa monografia estuda a resistência às tentativas de despejo da comunidade de Vila Autódromo. Situa-se na Cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Jacarepaguá, ao lado do Autódromo Nelson Piquet, as margens da Lagoa de Jacarepaguá.
A história da resistência popular na Vila Autódromo pode ser dividida em três fases:
A primeira fase vai até 1993. Em 1972 os terrenos que compõem a área foram desapropriados para a construção do Autódromo. Nesse período, a expansão da Barra da Tijuca trouxe para a região um grande número de operários da construção civil. Em conseqüência o número de moradores da comunidade cresce.
O início da segunda fase é em 1993. Nesse ano a Prefeitura do Rio de Janeiro impetra uma ação de desapropriação, alegando dano ambiental e urbanístico. É o surgimento do “conflito ambiental”.
No mesmo ano, o Governador, Leonel Brizola, inicia uma ação de regularização fundiária para dificultar o despejo. A partir desse ponto, foi estabelecida uma luta jurídica sobre a propriedade da área e sobre as responsabilidades por danos ambientais
A última fase, inicia-se em 2005. A utilização do Autódromo nos Jogos Pan-Americanos traz o argumento de que a comunidade “polui” as imagens que irão ser veiculadas pelo mundo afora.
Quanto à relevância do tema hoje no Núcleo de Terras da Defensoria Pública existem oito processos de retiradas de comunidades com justificativa ambiental.
As áreas são as seguintes: Na Barra da Tijuca: Calmete, Coroado, Dois Corações, Ilha da Coroa e Vila Autódromo. No restante da cidade: Colônia de Pescadores da Ilha do Fundão, Mato Alto e Sacopã.
Os Jogos Pan-Americanos ameaçam desalojar quatro comunidades. Na Barra: Vila Recreio I, Vila Recreio II e Vila Autódromo e uma no Engenho de Dentro.
Entender a resistência da Vila
Autódromo ajuda quem está se iniciando na luta pela terra.
Figura 1 |
Ortofoto da Barra da
Tijuca - Autódromo circundado. |
Página 15 |
Figura 2 |
Folheto distribuído na Av.
em frente a comunidade. A mesma não aparece na propaganda. |
Página 23 |
Figura 3 |
O Autódromo e a Vila
Autódromo – comunidade circundada. |
Página 32 |
Figura 4 |
Gráfico - Participação
percentual por padrão de construção. |
Página 36 |
Figura5 |
Manifestação dos moradores
na sede da Prefeitura. |
Página 52 |
Figura 6 |
Visita dos vereadores a
comunidade. |
Página 53 |
AP 4 |
Área de Planejamento 4 – compreende Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, Vargem Grande, Vargem Pequena e Vila Camorim. |
CIEPs |
Centros Integrado de Educação Popular |
COB |
Comitê Olímpico Brasileiro |
COI |
Comitê Olímpico Internacional |
D.O |
Diário Oficial. |
ECO-92 |
Conferência Mundial sobre o Ecossistema realizada no Rio de Janeiro em 1992 pela ONU. |
FAFERJ |
Federação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro. |
FAMERJ |
Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro. |
IBGE |
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística |
ITERJ |
Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro. |
PA |
Plano de Arruamento. |
PAL |
Plano de Arruamento e Loteamento. |
PEU |
Projeto de Estruturação Urbana |
RGI |
Registo Geral de Imóveis |
RIOTUR |
Empresa Municipal de Turismo |
SEAF |
Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do Estado do Rio de Janeiro. |
SEPE |
Superintendência Executiva de Projetos Especiais do Estado da Guanabara |
TURISRIO |
Empresa Estadual de Turismo. |
SERLA |
Fundação Superintendência Estadual de Rios e Lagoas. |
SUMÁRIO.............................................................................................................................. 1
INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 3
Capítulo 1............................................................................................................................. 12
A VILA AUTÓDROMO COMO EFETIVAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL DE MORADIA. 12
1.1 A Vila Autódromo e seus habitantes originais..................................................................... 12
1.2Histórico fundiário e disputa jurídica da área....................................................................... 16
1.3 Vila Autódromo; novos habitantes, novas lutas.................................................................. 17
1.4 Leonel Brizola e a garantia do direito de moradia............................................................... 20
Capítulo 2............................................................................................................................. 22
CONFLITO AMBIENTAL E ESTRATÉGIAS ARGUMENTATIVAS NA VILA AUTÓDROMO. 22
2.1O surgimento do ambientalismo.......................................................................................... 23
2.2 A difusão do ideal ambientalista no Brasil.......................................................................... 26
2.3 A posição no espaço social e a percepção diferenciada de meio ambiente. ........................ 28
2.4 Meio ambiente a disputa pela definição do conceito e sua incorporação. ........................... 29
2.5 Meio ambiente, justificativa para a remoção da Vila Autódromo........................................ 30
2.6 Ricos e responsabilidade ambiental em Jacarepaguá.......................................................... 31
2.7 Ricos e responsabilidade urbanística no Plano Piloto.......................................................... 33
2.8 Vila Autódromo como moradia de ricos............................................................................ 34
Capítulo 3............................................................................................................................. 37
GLOBALIZAÇÃO, O PAN-AMERICANO EXCLUDENTE E A EXPULSÃO DA VILA AUTÓDROMO. 37
3.1 De onde vem a magia dos Jogos Olímpicos ou Pan-Americanos........................................ 37
3.2 De como jogos de integração dos povos se tornaram de exclusão. .................................... 42
3.3 Os Jogos Pan-Americanos como prêmio de consolação.................................................... 46
3.4 Apesar dos pessimistas é possível enfrentar a Globalização................................................ 50
CONCLUSÃO...................................................................................................................... 56
REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 61
Como Gerente de Cadastro do ITERJ (Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro), durante os últimos 13 anos, tenho acompanhado desde a extinta SEAF – Secretaria Extraordinária de Assuntos Fundiários até hoje as várias estratégias utilizadas para retirar comunidades carentes da região do PEU Vargens (Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, Jacarepaguá, Vargem Grande e Vargem Pequena), em todas elas os argumentos podem ser incluídos nos grupos ambiental (poluição das lagoas) e urbanístico (não adequação das comunidades ao padrão urbanístico da área).
A razão que nos levou a escrever essa monografia é contribuir para a resistência das comunidades em risco. Para demonstrar a relevância do tema, informamos que no ano de 2005 o Núcleo de Terras da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro está defendendo cinco comunidades inteiras ameaçadas de remoção por justificativas ambientais e urbanísticas, na área do PEU Vargens, são elas: Calmete, Coroado, 2 Corações, Ilha da Coroa e a Vila Autódromo.
O objetivo é estudar a resistência oposta pelos moradores carentes da comunidade de Vila Autódromo as várias tentativas de remoção de 1993 até hoje. Para isso nossa monografia irá cobrir o período do início dos anos setenta até 2005.
A justificativa para escolha dessa comunidade deve-se ao fato de ser a mais bem sucedida na luta pela terra na região. Para dar base a essa afirmação relatamos o fato de que foi a única na região que já conseguiu ser elevada a categoria de Área de Especial Interesse Social, o que impede a remoção por justificativas urbanísticas.
Entendemos que estudar a forma como a mais bem sucedida na luta pela manutenção na terra a Vila Autódromo pode ser uma forma de contribuir na luta pela manutenção das outras.
A comunidade fica localizada na Cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Jacarepaguá e tem como confrontantes: a Av. Salvador Allende, a Av. Embaixador Abelardo Bueno, o Arroio Pavuna, a Lagoa de Jacarepaguá e o Autódromo Nelson Piquet.
No primeiro capítulo – A VILA AUTÓDROMO COMO EFETIVAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL DE MORADIA, iremos do período anterior aos anos setenta até 1995.
Até o início da década de setenta podemos caracterizar o
local como uma colônia de pescadores que trabalhavam e moravam as margens da
Lagoa é o que iremos ver em - A Vila Autódromo e seus habitantes
originais.
A partir do início da década de 70 a região teve um significativo aumento populacional, devido à expansão da cidade em direção a Barra da Tijuca. A construção do Autódromo iniciada em 1972, dos grandes condomínios residenciais na Av. das Américas e na Av. Sernambetiba trouxeram um grande número de operários da construção civil. Para evitar grandes deslocamentos e gastos com transporte muitos foram morar nas pequenas comunidades preexistentes. Entre essas estava a Vila Autódromo.
No decorrer dos anos setenta a comunidade vai crescendo em
função da própria expansão da região. A
mesma trouxe vários equipamentos urbanos importantes, tais como: o Riocentro e
o Autódromo que dá nome a localidade. Para clarear a questão da propriedade
fundiária da área em estudo temos o tópico -
Histórico fundiário e disputa jurídica da área.
No início dos anos oitenta, surgem as acusações de danos ambientais a Lagoa de Jacarepaguá provocados pelos moradores. Como solução foi apresentada a proposta de retirada das famílias residentes. Para autodefesa os moradores criaram a Associação de Moradores da Vila Autódromo. Esse ponto será tratado em - Vila Autódromo; novos habitantes, novas lutas. Ainda nessa parte iremos ver a rápida valorização dos terrenos [1] nessa região que coincide com o início das tentativas de remoção.
Em 1993, houve a primeira tentativa de remoção por parte da Prefeitura do Rio de Janeiro utilizando a justificativa de danos ambientais.
Em 1994, tínhamos dois fatos: o primeiro fato era que a área pertencia ao Estado do Rio de Janeiro, havia sido comprada para a construção do Autódromo e o segundo era que a Vila Autódromo estava no terreno remanescente. Diante dessa realidade e com o objetivo de resguardar os ocupantes, o então governador Leonel Brizola inicia uma ação de regularização fundiária, com a lavratura de 84 Termos de Concessão de Uso. Essa medida impediu o despejo.
A temática do segundo capítulo - CONFLITO AMBIENTAL E ESTRATÉGIAS ARGUMENTATIVAS NA VILA AUTÓDROMO, advém da observação de que a justificativa para a remoção foi ambiental. Em conseqüência emerge a necessidade de entender como essa noção surge, como se expande, como se implanta no Brasil e de que forma é aplicada no caso em questão.
O início e a
expansão da questão ambiental são tratados em - O surgimento do ambientalismo.
A implantação do ambientalismo em nosso país trouxe particularidades que estão relacionadas as características de nossa sociedade. Essas particularidades serão tratadas em - A difusão do ideal ambientalista no Brasil.
A partir da compreensão de que o conceito de meio ambiente é socialmente construído e de que vivemos em uma sociedade dividida em classes concluímos que a noção ambiental irá retratar essa realidade, o que é tratado em - A posição no espaço social e a percepção diferenciada de meio ambiente, ou seja, ao observarmos o caso em tela, deveremos encontrar visões e interesses antagônicos que irão expressar a composição de nossa sociedade, como veremos em - Meio ambiente a disputa pela definição do conceito e sua incorporação.
A forma como a noção ambiental é aplicada no caso concreto
irá levar em conta as diferentes visões ambientais determinadas pela posição de
classe. Estamos diante de estratégias argumentativas desenvolvidas pelos
adversários da Vila Autódromo em - Meio
ambiente, justificativa para a remoção da Vila Autódromo. As contra
argumentações dos moradores serão tratadas em - Ricos e a responsabilidade ambiental em Jacarepaguá. As acusações
ambientais no início do século XXI somaram-se as de cunho urbanísticos, que em
resumo questionam o direito de moradia por não atendimento do padrão
urbanístico estabelecido para a região. As estratégias argumentativas usadas em
defesa dos moradores são apresentadas em -
Ricos e responsabilidade urbanística no Plano Piloto. Ao final do capítulo
dois temos a análise estatística da composição social dos moradores para
mostrar a falsidade de outra acusação usada contra a comunidade - Vila Autódromo como moradia de ricos.
Na conclusão, iremos desvendar o porque da oposição do Prefeito da cidade do Rio de Janeiro a permanência da Vila Autódromo . De um lado, temos a subordinação de ocupantes de cargos eletivos importantes dessa cidade ao poder econômico, sendo esse o aspecto que iremos privilegiar nessa parte. Em outra vertente, esse mesmo político junto com outros formadores de opinião, tais como alguns meios de comunicação(principalmente o jornal O Globo) e setores do judiciário (O Ministério Público de Meio Ambiente do Fórum da Barra) geram e difundem valores e idéias que tem uma visão segregacionista da cidade. Juntado a subordinação aos financiadores da campanha por parte do Prefeito e as motivações ideológicas de parte da imprensa e de parte do judiciário teremos uma política extremamente comprometidos com a retirada da Vila Autódromo e de outras comunidades da região.
Quanto a revisão da literatura em termos de metodologia, em nossa monografia, adotamos a proposta apresentada em Bourdieu, (1998).
Nessa obra, na introdução, o autor confronta a teoria de classes marxiana dizendo que a mesma sofre de quatro vieses. O primeiro viés é privilegiar a substância. O segundo é a ilusão intelectualista que enxerga as classes como teoria e não como elas são na realidade, cita até uma frase crítica que Marx dirige a Hegel, mas que retorna como um bumerangue “confundir as coisas da lógica com a lógica das coisas”. O terceiro viés é o economicismo que reduz o campo social multidimensional a sua expressão econômica. O quarto e último viés é o objetivismo que leva a ignorar as lutas simbólicas.
Para ser coerente com essa metodologia o nosso trabalho não podia ser uma mera estória. Não podia ser uma descrição de fatos ou, dito de outra forma, a aparência do conflito na Vila Autódromo. O que essa monografia traz é uma forma de desvendar o nebuloso. Expõem à luz as intenções ou, em outras palavras, a essência. Para atingir esse fim, aplicamos os conceitos apresentados por Bourdieu. Trabalhamos com os diversos discursos apresentados, ou seja, estamos nos movendo no campo das “condições subjetiva” e não das “condições objetivas”, dessa forma, iremos contra o primeiros viés, apresentado por Bourdieu, (1998).
Como forma de evitar a visão de classe marxiana que sofre do segundo viés, a ilusão intelectualista. Bourdieu, (1998) constrói um conceito de espaço social que contém o próprio mundo social. Para isso ele tem que ser multidefinido e com múltiplas posições. Esse espaço social tem como subespaço o campo social. A posição no campo social é definida por duas coordenadas: a primeira é o volume global de capital possuído e a segunda o “portifólio” do capital, ou seja, como está distribuído o capital. As formas como o capital se apresenta são: econômico, cultural, social e simbólico.
Dessa forma, a anteposição fundamental da teoria marxiana que era entre os detentores de capital econômico e os não detentores [2] se desdobra.
Se fizéssemos uma leitura que apresentasse fortemente o terceiro viés, ou seja, fosse economicista não veríamos que o real é fruto de múltiplas determinações. Provavelmente diríamos que na Vila Autódromo temos, moradores que não possuem capital econômico. Fora da comunidade detentores de capital. Essa conclusão está errada. Nesse caso, estaríamos criando o que o autor chama de classe no papel. Em nossa análise temos que estar atentos para um fato que Bourdieu, (1998, p. 137) chama a nossa atenção “o que existe, é um espaço de relações o qual é tão real como um espaço geográfico”.
No caso em questão temos, majoritariamente, pessoas de baixa renda mas também algumas famílias com renda alta (capital econômico), elevado grau de cultura (capital cultural) ou mesmo profissões de prestígio (capital simbólico). Ou como é dito por Bourdieu, (1998, p. 138).
Falar de um
espaço social, é dizer que se não pode juntar uma pessoa qualquer com outra
pessoa qualquer, descurando as diferenças fundamentais, sobretudo econômicas e
culturais. Mas isso não excluiu nunca completamente que se possam organizar os
agentes segundo outros princípios de divisão.
Quanto ao objetivismo, ou quarto viés, lembramos que o debate travado em torno da Vila Autódromo[3] é decidido na esfera jurídica. Nessa arena formar o convencimento do juiz é condição necessária[4] para o sucesso da causa. Algumas das variáveis que irão formar o “bom juízo” sobre a causa são subjetivas, tais como: visibilidade do conflito e entendimento do mesmo pela sociedade.
Dessa forma, estamos diante do que Fuks (2001) chama de arena pública, em outras palavras, a formação da opinião pública.
Os moradores em sua luta atingiram a percepção da
necessidade de ganhar a opinião pública. Essa visão foi alcançada de forma
empírica (pelo processo de tentativa, erro e acerto). Os moradores fizeram um
trajeto que pode ser muito bem traduzido pelo processo descrito por Egler [5]
como “a percepção do mundo implica a produção do conhecimento. A imposição da
visão de mundo através da enunciação determina o lugar no mundo”.
Diante disso sabemos que, necessariamente, teremos visões de mundo diferentes. Como conseqüência o papel da Vila Autódromo é visto de formas diferenciadas e muitas vezes diametralmente opostos. A forma como as elites envolvidas no conflito[6] vêem e tratam os residentes é preconceituosa. Afim de entendermos como a partir do preconceito (individual) chegamos a estigmatização social (construção social) tomamos em Elias (2000, p. 23) uma metodologia que achamos adequada para abordar esse fenômeno.
[...] a possibilidade de um
grupo afixar em outro um rótulo de inferioridade humana e fazê-lo prevalecer
era função de uma figuração específica que os dois grupos formavam entre si. Em
outras palavras, na pesquisa fazia-se necessária uma abordagem figuracional.
Atualmente, há uma tendência a discutir o problema da estigmatização social
como se ele fosse uma simples questão de pessoas que demonstram,
individualmente, um desapreço acentuado por outras pessoas como indivíduos. Um modo conhecido de conceituar
esse tipo de observação é classificá-la como preconceito. Entretanto, isso
eqüivale a discernir apenas no plano individual algo que não pode ser entendido
sem que se perceba, ao mesmo tempo, no
nível do grupo. Na atualidade, é comum não se distinguir a estigmatização grupal
e o preconceito individual e não relacioná-los entre si.[...] Portanto perde-se
a chave do problema que costuma ser discutido em categorias como a de
“preconceito social” quando ela é exclusivamente buscada na estrutura de
personalidade dos indivíduos. Ela só pode ser encontrada ao se considerar a
figuração formada pelos dois (ou mais) grupos implicados ou, em outras
palavras, a natureza de sua interdependência.
[...] Um grupo só pode
estigmatizar outro com eficácia quando está bem instalado em posições de poder
das quais o grupo estigmatizado é excluído.
Esse fato aconteceu durante o início da resistência dos moradores. Estavam contra os ricos moradores da região, muita das vezes seus empregadores[7] e contra a Prefeitura. Mas as condições para o estigma funcionar, segundo Elias, é a coesão social por parte dos “estabelecidos” diante da não coesão dos “outsiders”. Na medida em que os moradores fundaram a Associação de Moradores, buscaram apoios nos órgãos estaduais, estabeleceram vínculos com jornalistas e ONGs simpatizantes da causa estabeleceram uma identidade como posseiros na luta pela terra. A partir desse ponto cada vez mais o estigma deixa de ter o efeito inicial. Esse processo é o que Elias (2000) descreve mais adiante.
[...] Nessa situação o estigma
social imposto pelo grupo mais poderoso ao menos poderoso costuma penetrar na
auto-imagem deste último e, com isso, enfraquecê-lo e desarmá-lo.
Consequentemente a capacidade de estigmatizar diminui ou até se inverte, quando
um grupo deixa de estar em condições de manter seu monopólio das principais
fontes de poder existentes numa sociedade e de excluir da participação nessas
fontes outros grupos interdependentes – os antigos outsiders.
Seguindo a nomenclatura apresentada por Elias à formação da identidade dos “estabelecidos”, ou seja, os ricos não residentes, é dada pelo que é nômico, ou seja a melhores características de membros dessa comunidade são propagadas como se fossem do conjunto. No caso em questão, o respeito ao meio ambiente. Enquanto que nos “outsiders” é aposto tudo que é anômico, ou seja, todas as piores características de indivíduos desse grupo são apresentadas como do grupo como um todo. Vejamos de que forma esse discurso é construído.
Com relação aos moradores da comunidade tanto a parcela de ricos[8] como a dos pobres, são apresentados como os agressores do meio ambiente. São responsabilizados pela poluição do lagoa e pelas construções nas margens, ou seja o que é anômico, esquecendo a poluição feita por shoppings e grandes condomínios pelos “estabelecidos” [9]
Com relação a questão urbanística, no caso dos pobres são responsabilizados por tornar a região feia, devido ao grande adensamento e baixo padrão construtivo numa região edilícia.
Quanto aos ricos residentes na Vila Autódromo são chamados de oportunistas pegando carona na mobilização dos pobres na luta pela terra. Os ricos apesar das casas de alto padrão construtivo ao se misturaram com os pobres ficam “contaminados” em conseqüência apesar de ricos são “impuros”. Em resumo, independente da renda os que moram na Vila Autódromo são os “outsiders”.
Como o nosso intento é tornar claro o que antes era obscuro no capítulo 2 – CONFLITO AMBIENTAL E ESTRATÉGIAS ARGUMENTATIVAS NA VILA AUTÓDROMO nos tópicos Ricos e a responsabilidade ambiental em Jacarepaguá e Ricos e responsabilidade urbanística no Plano Piloto iremos mostrar que isso não passa de uma estratégia argumentativa. Claramente temos o esquema mostrado por ELIAS de colocar o que é nômico nos “estabelecidos” e o que é “anômico” nos outsiders.
Os moradores originais da Vila Autódromo eram pescadores.
Habitavam as margens da lagoa pela facilidade de guardarem seus barcos. A
comunidade se autodenominava de Via Cinco. Por ser o nome da estrada que ficava mais perto. Nesse período
não havia nenhuma preocupação quanto à propriedade da terra pois vinham morando
a gerações no local sem nunca terem sido incomodados. Essa fase vai até o
início da década de setenta.
Desse período trazemos o relato de um dos moradores.
[Quando eu vim para Jacarepaguá em 1970] era muita febre, muito mosquito, muito
pernilongo. A gente pegava febre amarela, pegava malária. Ninguém queria vir
para Jacarepaguá. Todo só mundo falava em Leblon, Copacabana, esses bairros
importantes, [Hoje] a elite todinha que esculhambava Jacarepaguá e Barra
naquela época, (...) está brigando para poder viver na Barra da Tijuca e no
Recreio. Quer dizer que você começa a perceber que uma coisa que (...) ninguém
queria hoje virou a menina dos olhos da cidade do Rio de Janeiro. Então, hoje,
a elite quer tomar do pobre e expulsá-lo pra lá [Santa Cruz]. Mas, esqueceu que
há trinta anos, quando era refugado, por todo mundo, quem morava aqui era o
pobre, quem desmatava, quem preparava o terreno aqui era pobre. O pobre veio
preparar o solo, eles querem tomar. (FUKS, relato do morador, p. 195)
Nesse ponto, para que o leitor possa se situar, achamos importante situar as Lagoas da Barra e de Jacarepaguá dentro da cidade do Rio de Janeiro, pois a Vila Autódromo está na beira de uma delas.
A partir desse ponto desvendamos como a terra de ninguém se tornou terra de fidalgos[10].
Para alcançar esse intento é necessário ressaltar que a valorização da terra, a concentração e os conflitos fundiários advindos dessa configuração são fenômenos sociais.
Quanto à concentração citamos Fridman (1994, p.15). Em 1994, de um total de 15 km2 da região da Barra da Tijuca, que engloba os bairros do Recreio dos Bandeirantes, do Joá e parte de Jacarepaguá 12,36 km2, ou seja, 82,4% do total, pertencem a cinco donos, vide tabela abaixo.
Tabela 1: concentração da propriedade na região.
Proprietário |
Razão Social |
Extensão (km2) |
Tjong Aiong Oei [11] |
Emp. Saneadora Territorial e Agrícola S.A |
7,0 |
- |
Carvalho Hosken |
3,0 |
Irmãos Ramos |
- |
1,0 |
- |
Drault Ernani |
0,8 |
- |
Emp. de Desenv. e Engenharia |
0,56 |
Diversas emp. de construção civil |
- |
2,5 |
Total |
- |
14,86 |
Fenômenos sociais surgem, se expandem e se consolidam no decorrer do tempo. Diante dessa constatação, é importante vermos como no transcurso do tempo uma terra que ninguém queria. Passado alguns anos, se tornou alvo de ações judiciais de retirada dos moradores originais. Não só na comunidade em questão, mas em toda a região. Para clarear esse processo de abandono histórico das terras na região, citamos Fridman (1993, p. 12).
A área loteada de 1938 a
1988 – 255,43 km2 - metade
estava consolidada até 1942. Este parcelamento em grande escala se deu nas
zonas suburbanas justificando o uso da expressão “expansão de fronteira”, isto
é, utilização de novas terras de uma forma moderna, capitalista. Até 1937 a
maior concentração de área loteada estava em Irajá, subúrbio da zona norte,
seguida por Campo Grande, na zona Oeste. Houve dois loteamentos de vulto na
região da Lagoa, na zona sul, na época de sua ocupação pelas classes mais
ricas.
O código de
Obras de 1937 definiu uma zona industrial nos subúrbios cuja conseqüência
imediata foi o loteamento dos terrenos das fábricas localizadas na zona sul e o
crescimento populacional e industrial nos subúrbios na década de 40. Ainda
assim, a região com maiores áreas loteadas se situava na zona oeste, em Campo
Grande e Jacarepaguá.
Essa tendência
até os anos sessenta quando a área loteada em Campo Grande mais que
quadruplicou. O parcelamento da Zona Oeste que se manteve até o final dos anos
oitenta deve-se a disponibilidade de terras livres assim como o zoneamento da
cidade onde foi prevista a nova área industrial. Até 1962, 90% da área loteada
no município do Rio de Janeiro, de 1937 a 1988, estava assentada.
Se
estabelecermos uma distribuição espacial dos loteamentos realizados durante 50
anos na cidade, verificamos que
praticamente a totalidade das áreas parceladas se localizavam nas
regiões da Penha, Irajá, Jacarepaguá, Bangu, Campo Grande e Santa Cruz, isto é,
subúrbios ao norte e ao oeste da cidade, onde predominavam os usos agrícolas ou
habitacionais popular.
Cabe assinalar o caso da Barra da Tijuca, Joá São Conrado, Recreio dos Bandeirantes, atualmente bairros residenciais das classes médias e altas, que foram ocupados a partir do início dos anos setenta com grandes campanhas de marketing. Esta região agrícola, que vinha convivendo a partir dos anos trinta com residências de fim de semana, teve pelo menos 4 km2 de sua área loteada nos anos cinqüenta.
Mais adiante a autora, continua a descrição a partir dos anos cinqüenta. Nessa parte mais centrada na Barra da Tijuca.
No corte espacial apresentada por Fridman, essa região corresponde aos bairros da Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, Joá e parte de Jacarepaguá. Ao nosso ver, ela está
se referindo a parte de Jacarepaguá que é contígua a Barra da Tijuca, ou seja, a baixada de Jacarepaguá exatamente a região da lagoas, conforme região em destaque no mapa abaixo.
Na figura na próxima página temos em destaque a região da
Barra da Tijuca e as lagoas da região. A autora trata toda essa região como
Barra da Tijuca, portanto em sua descrição está tratando do conjunto.
Figura 1.
Ortofoto da Barra da Tijuca - Autódromo circundado.
Nessa parte iremos nos apoiar na sinopse jurídica/fundiária da área fornecida pelo ITERJ. A identificação do imóvel é de uma área composta por cinco imóveis[12], que totalizam 997.871,00 m2.
Em 1972[13], os lotes foram expropriados para a construção do Autódromo pelo Estado da Guanabara.
Com a fusão foram incorporados ao patrimônio do Estado do Rio de Janeiro.
Em 1976, a empresa municipal RIOTUR ocupou a área suscitando polêmica quanto à titularidade do domínio. A argumentação era de que o município tinha realizado, praticamente, todas as benfeitorias e instalações do complexo esportivo no intuito de incorporar ao seu patrimônio os imóveis e as instalações compreendidas pelo Autódromo.
Entre 1984 e 1986 a Justiça se manifestou favoravelmente a propriedade para o Estado do Rio de Janeiro[14].
Em 1993 temos a primeira tentativa de remoção da Vila Autódromo através de uma Ação Civil Pública[15]
Em 1994 parte dos imóveis ocupados pelas famílias de baixa
renda da Vila Autódromo foram regularizados pela Secretaria de Estado de
Assuntos Fundiários – SEAF, através de 84 Termos de Concessão de Uso, com
direito real resolúvel, pelo prazo de 40 anos, renovados por 99 anos[16].
Essa ação será discutida em - Leonel
Brizola e a garantia do direito de moradia.
Em 1995 o governador solicita a prefeitura que declare a área de Especial Interesse Social[17]. Fato que só foi ocorrer em 2005 diante da pressão da população. Como vermos em - Apesar dos pessimistas é possível enfrentar a Globalização.
Em 1998, houve a transferencia pela Prefeitura do Autódromo Nelson Piquet para a iniciativa privada[18].
Em 2003 foi apresentado um projeto[19] pelo Vereador Wagner Siqueira que autoriza a Prefeitura a ceder o Autódromo Nelson Piquet bem como de seu entorno[20], a iniciativa privada, ou melhor dizendo a construção civil, com a justificativa de obter ajuda da iniciativa privada para realizar as obras necessárias para adaptar o equipamento esportivo para eventos esportivos olímpicos e jogos Pan-Americanos.
Em 2004, motivado pela mobilização da comunidade iniciou-se uma ação de inconstitucionalidade contra o Projeto de Lei[21] .
A partir da década de 70, a comunidade recebeu uma leva de novos moradores, devido à expansão da cidade em direção a Barra da Tijuca. A construção dos grandes condomínios residenciais na Av. das Américas e na Av. Sernambetiba e do próprio Autódromo, mudaram a face da região. A própria comunidade mudou de nome a antiga Via Cinco passou a se autodenominar Vila Autódromo. Vieram um grande número de operários da construção civil. Para evitar grandes deslocamentos e gastos com transporte muitos foram morar nas pequenas comunidades preexistentes. Entre essas estava a Vila Autódromo, conforme podemos observar no relato de um morador.
A Lagoa era
abandonada. Isso aqui era uma área nativa (...) quem convivia bem aqui eram os
mosquitos, a taboa, os jacarés e os peixinhos da lagoa. Esses é que estavam
dentro do habitat deles. A necessidade veio provocando isso. Então como é que
tem origem essas coisa. O pessoal que veio trabalhar no Autódromo (...) na
maioria morava na Baixada Fluminense, (...) que chegavam aqui e encontravam
essa dificuldade de condução. O cara chegava para trabalhar e não podia voltar
para casa. (...) O indivíduo começou a ficar muito afastado da família, ele aí
fez o primeiro barraco (...) e já trouxe a mulher e os filhos para perto dele.
Mesmo porque isso, economicamente, era melhor para ele, ele já podia Ter um
lugar para almoçar e jantar. ( Relato do morador).
Esse período coincide com a consolidação da Barra da Tijuca como área nobre. O areal sem valor passa a ser o centro da disputa pela propriedade da terra na Cidade do Rio de Janeiro. A dinâmica do mercado imobiliário irá voltar às atenções para as comunidades carentes da região.
Como hipótese para a inflexão no interesse pela região lembramos os maciços investimentos feitos em infra-estrutura, principalmente, viária, no período. O fator adicional no início da perseguição a comunidade é localizar-se em uma terra em valorização crescente agravada pela escassez de sua disponibilidade como já ficou comprovado em - A VILA AUTÓDROMO E SEUS HABITANTES ORIGINAIS.
Em 1993[22] a Prefeitura inicia uma ação de reintegração de posse utilizando o argumento de dano ambiental. Começa o conflito pela manutenção da posse. Aquele lugar tranqüilo passa a ter um conflito fundiário. Utilizando um conceito de Santos (1994, p. 73) tivemos uma mudança no espaço social.
Cabe esclarecer o que é o espaço social e qual a sua natureza. Para isso teremos que entender as três determinações do espaço: A primeira, é que o espaço tem formas construídas e aparentes. A segunda, é que o espaço tem formas sociais e relacionais. Por último, o espaço tem formas de relações simbólicas. Em nosso caso estamos interessados na dimensão social do espaço, ou seja, nas suas formas sociais e relacionais. As relações sociais são de natureza comunicativas, unificam os homens numa totalidade, ou seja, para além do ser individual existe um ser coletivo sendo esse quem nos interessa. O ser coletivo é formado pelos objetos, os fluxos e as ações. Onde os objetos são produtos da técnica, estão no campo da tecno esfera. As ações e os fluxos são produtos da psico esfera e formam o cotidiano e a política. O cotidiano são ações individuais produtos da psico esfera. A política são ações coletivas.
Em resumo, Milton Santos diz que o espaço social é um “retrato
da diversidade das classes sociais, das diferenças de renda e dos modelos
culturais.”
A mudança no espaço social da Barra da Tijuca traz uma
mudança na percepção dos moradores (mudança na psico esfera). Descobriram que
tinham sido “rebaixados” a categoria de invasores. Em contrapartida, aprenderam que o direito fundamental a
moradia consagrado na Constituição, no caso dos pobres, só sai dos livros para
o mundo real pela luta.
A Associação de Moradores da Vila Autódromo foi organizada e nos confrontos com a polícia: os oficiais (ações de reintegração de posse) e os clandestinos (ações feitas na calada da noite, para intimidar os moradores) se auto-identificaram como posseiros[23].
Na ação de reintegração de posse da área interposta a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro era o polo ativo, ou seja, o autor da ação.
Formavam o polo passivo 198 famílias, ou seja, eram os alvos da ação. Como aliados tiveram o Governo do Estado do Rio de Janeiro, representado pela SEAF (Secretaria Estadual de Assuntos Fundiários). No próximo tópico, iremos entender porque o Estado do Rio de Janeiro foi aliados dos moradores.
Quando da impetração da Ação de Reintegração de Posse da Vila Autódromo por parte da Prefeitura em 1994 o então governador Leonel Brizola inicia uma ação de regularização fundiária, com a lavratura de 84 Termos de Concessão de Uso, com direito real resolúvel, pelo prazo de 40 anos, renováveis por 99 anos[24].
Essa medida impediu o despejo. Retirou os moradores da frente da ação. Como a área era do Estado havia sido comprada para a construção do Autódromo e a Vila Autódromo estava no terreno remanescente o mesmo podia resguardar os ocupantes. Apesar de toda a ciranda jurídica sobre a propriedade da área já apontada na seção - histórico fundiário e disputa jurídica da área.
Cabe esclarecer que sem essa medida nem posseiros os moradores eram pois o instituto da posse não é cabível em terras públicas.
Foi dado Termo de Concessão de Uso devido ao fato de que em área pública a lei não permite entrega de Título de Propriedade. Dessa forma, foi assegurado o direito de morar, fruir e usufruir a área a 142 famílias[25] .
Para entendermos a atenção dada pelo Governo de Brizola para o problema da Vila Autódromo é necessário analisar como esse governo tratava as questões sociais e quais soluções foram tentadas.
A Política de direitos humanos implantada por Leonel de Moura Brizola em seus dois governos no Estado do Rio de Janeiro (1982-1986) e (1991-1995)[26] ficou conhecida pela sua face mais visível, a política de segurança pública. No entanto, temos também: a política educacional e a habitacional.
No caso da política educacional tivemos a construção dos CIEPs (Centro Integrado de Educação Popular). Uma escola em turno único, com atendimento médico e odontológico.
No caso da política habitacional tivemos a regularização dos posseiros através do Programa “Cada Família um Lote” mais as inúmeras desapropriações feitas no período[27] , para efetivação do direito de moradia.
Esse conjunto de iniciativas foram políticas de respeito e extensão da cidadania aos pobres portanto eram de fato políticas de direitos humanos. Tinham como finalidade o que o sociólogo Darcy Ribeiro dizia ser “passar esse país a limpo para que nele pudesse florescer a mas linda civilização do planeta”.
A toda essa visão social Leonel Brizola ou “o velho caudilho”, como era chamado pelos que com ele lutaram ombro a ombro, juntava o componente nacionalista. Expresso pela proposta de auditoria da dívida externa, por ele chamada de perdas internacionais.
O conjunto desses
pensamentos e ações, entrou para história como o “socialismo moreno” ou como
dizia o sociólogo e economista Teotônio dos Santos “O caminho brasileiro para o
Socialismo”.
Capítulo 2
Com a vitória
dos moradores, através da regularização da posse, parecia que tudo seria
diferente. Finalmente teriam paz. Ledo engano, os que se opunham a permanência
da Vila Autódromo passaram a utilizar novos argumentos como justificativa para
a remoção da comunidade. Surgia a questão ambiental. Nesse ponto, iniciava a
segunda fase da resistência popular na Vila Autódromo.
Na segunda fase, temos no polo ativo: O Ministério Público[28] na figura da Equipe de Proteção ao Meio Ambiente e ao Patrimônio Comunitário da Procuradoria de Justiça do Rio de Janeiro e a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.
No polo passivo, estavam os moradores e o Governo do Estado do Rio de Janeiro. O governo estadual era representado pelo ITERJ [29] - Instituto de Terras e Cartografia do EEstado do Rio de Janeiro e pela SERLA[30] – Fundação Superintendência Estadual de Rios e Lagoas.
O discurso utilizado era de caráter ambiental, alegava que uma parte da comunidade teria aterrado a margem da lagoa e construído na mesma, ou seja, construção em área não edificante. Os beneficiados seriam os ricos moradores vizinhos da comunidade os donos de terrenos em volta e os construtores naquela localização. Todos esses teriam vantagens com a retirada das famílias. Como ilustração na próxima página temos um dos panfletos usados pelos empreendimentos vizinhos a Vila para vender apartamentos de luxo onde a mesma não aparece na foto.
É importante chamar a atenção para o fato de o ambientalismo, poder ser usado para
perseguir os desfavorecidos.
Figura
2.
Folheto distribuído na Av. em frente
a comunidade. A mesma não aparece na propaganda.
Esse fato pode causar surpresa para a grande maioria pois o senso comum é percebermos o ambientalismo como uma noção que pode ser descrita pela gíria usada pelos jovens “é do bem” que melhor do que qualquer outra retrata o senso comum.
O fato de
associarmos meio ambiente com causas justas é historicamente construído.
Portanto faz-se mister analisar o desenvolvimento da questão ambiental.
De acordo com Diegues (2000, p. 19) o nascimento da consciência ecológica se dá através da noção de valorização da vida selvagem/natural, conhecidos nos EUA pela expressão “wilderness” [31]. Desse movimento decorre a criação do primeiro parque nacional do mundo, na América do Norte, o Yellowstone [32].
Esse movimento preservacionista atendia também o desejo inconsciente da busca de um paraíso perdido (campo idílico) pelos trabalhadores alienados no processo de produção taylorista e fordista, de acordo com DIEGUES (2000, p. 11). .
Para o
naturalismo da proteção da natureza do século passado, a única forma de
proteger a natureza era afastá-la do homem, através de ilhas onde esse pudesse
admirá-la e referenciá-la. Esses lugares paradisíacos serviriam também como
locais selvagens, onde o homem pudesse refazer suas energias gastas na vida
estressante das cidades e do trabalho monótono. Parece realizar-se a reprodução
do mito do paraíso perdido, lugar desejado e procurado pelo homem depois de
expulso do Éden. Esse neomito, ou mito moderno vem impregnado, no entanto, do
pensamento racional representado por conceitos como ecossistema, diversidade
biológica, etc.
A partir dos anos sessenta, uma nova etapa se inicia. Os valores ambientalistas são incorporados num contexto mais geral de insatisfação com o “status-quo” vigente, a partir da perspectiva exposta por Fuks (2001, p.16), segundo esta,
a proteção do
mundo natural, a luta pela paz e o culto à espiritualidade estão em sintonia
com o universo de “novos valores” e praticas de grupos de jovens, especialmente
nos EUA e na Europa Ocidental, o qual se manifestou a partir da década de 1960.
Daí a força da associação entre ambientalismo e utopia, fundada na oposição a
idéias, valores e práticas dominantes na sociedade urbano-industrial, que
influenciou decisivamente a trajetória deste movimento, fazendo-se presente em
algumas de suas vertentes, no perfil de parte dos militantes, e na própria
compreensão acadêmica do fenômeno.
Apesar desse início a questão ambiental hoje ultrapassa os grupos iniciais, ainda nas palavras de Fuks (2001, p.16).
pequenas
seitas – que motivadas por um projeto romântico de retorno a natureza, quer
orientadas pela preocupação específica com a conservação dos recursos naturais-
tornando-se referência básica para o enquadramento de grande parte dos debates
travados nas arenas públicas. Mais do que isso, a questão ambiental passou a
configurar valores, práticas e idéias. Como ilustração mais evidente desse
processo, emerge, diante de nossos olhos, uma nova geração que assimilou a
“educação ambiental”, não apenas devido à inclusão da disciplina nos currículos
escolares, mas também às demais fontes de (in)formação fora do âmbito da
escola. E, além disso, em outros domínios da vida social, os debates adquirem
um tom ambiental, como nos campos da economia e das relações internacionais,
por meio de conceitos como “desenvolvimento sustentável” e “mudanças ambientais
globais”.
Em resumo, da década de 60 a 80 a questão ambiental tornou-se uma preocupação global. Ao longo do tempo, se cristalizaram duas abordagens do meio ambiente como problema social.
A primeira, a predominante, enxerga a atuação nas questões ambientais como uma resposta direta à degradação do meio ambiente. “Supõem, portanto, que os fenômenos sociais vinculados a questão ambiental devem ser entendidos a luz das condições objetivas que os geraram”. (FUKS, 2001, p.16)
A segunda abordagem desloca o foco de atenção das condições objetivas para a subjetividade. Consequentemente, como pretende Fuks (2001, p.17),
O processo
social de construção do meio ambiente como problema social. De certa forma, a
questão é menos de ordem epistemológica do que metodológica. Como, por exemplo,
investigar problemas ambientais, considerando que a sua enunciação torna-se
objeto de disputa em vários fóruns? Ou seja, problemas ambientais não se
automaterializam eles só se tornam públicos à medida que são veiculados por
indivíduos ou grupos. Estes atores que participam das arenas de disputa em
torno da definição de assuntos públicos não podem ser considerados meros
narradores do estado do meio ambiente.
O meio ambiente como questão
social surge nas sociedades de afluência (EUA e Europa Ocidental), sendo visto
para os autores identificados por Fuks (2001, p. 20) como “pós-materialistas”
2.2 A difusão do
ideal ambientalista no Brasil.
A primeira vista, o ideal ambientalista no Brasil estaria nos marcos da tese “pós-materialista”, ou seja, seria uma preocupação dos estratos mais abastados de nossa sociedade. Essa percepção seria reforçada pela má-distribuição de renda no Brasil. De um lado, temos uma parcela da população inserida na sociedade de consumo, com tamanho e poder aquisitivo equivalente à Bélgica e, do outro lado, a grande maioria formada pelos excluídos da sociedade de consumo, cujo nível de vida é equivalente aos pobres da Índia. O economista Edmar Bacha, ex-presidente do IBGE, criou a expressão Belíndia para sintetizar esse paradoxo. Essa metáfora é um resumo da contradição brasileira.
Em desacordo com a tese “pós-materialista” observamos que no Brasil, as preocupações ecológicas não são exclusivas de um setor de classe média urbana e instruída. Os valores ecológicos são da sociedade, como um todo, independente da inserção no mundo do consumo [33] . Como hipótese plausível, nesse caso, lembra que o imaginário popular brasileiro tem um universo simbólico “pré-materialista” que valoriza o meio ambiente, sedimentado nas práticas e simbolismos religiosos [34].
Na medida em que os valores ecológicos têm larga aceitação em nossa sociedade, o conceito ecológico toma dimensões mais amplas. Até a versão mais radical do ambientalismo que coloca o meio ambiente frente ao conforto material, tem larga aceitação em nosso país [35] .
Esse fenômeno é resumido no conceito apresentado por Fuks (2001, p. 21) e cunhado pelo cientista social Eduardo Viola (1992) como “ambientalismo multissetorial”.
Este conceito expressa a mais recente etapa do ambientalismo, antes
constituído exclusivamente pelos grupos de defesa do meio ambiente. O conceito
de ambientalismo multissetorial indica o posicionamento ao mesmo tempo de ordem
teórica e política, em relação a visões alternativas do ambientalismo, tais
como a que considera este “movimento” como apenas mais um grupo de interesse,
ou como um dos integrantes dos chamados novos movimentos sociais. De acordo com
o autor, estas alternativas, embora substancialmente antagônicas, compartilham
uma visão restritiva do ambientalismo, perdendo de vista a dimensão histórica
do movimento, que expressa a “clivagem sóciopolítica profunda do mundo
contemporâneo” (VIOLA, 1992, p. 51), definida em termos da polaridade entre as
forças sociais predatórias e aquelas que apontam na direção de uma sociedade
sustentável.
É claro que a afirmação contida na citação acima é carregada de juízo de valor, mas mesmo relativizando o conceito de ambientalismo multissetorial temos de reconhecer a sua força explicativa de porque o ambientalismo deixou de ser monopólio de um grupo restrito para tornar-se de domínio público. Dessa forma, a difusão do ambientalismo é um dos seus aspectos que mais chama a atenção. Para exemplificar, lembramos que se perguntássemos a uma pessoa na década de cinqüenta sobre qual a idéia que uma usina nuclear lhe evocava, provavelmente, ela diria progresso. Passado meio século, hoje, a mesma pergunta teria como resposta, mais provável, poluição.
Na medida em que a valorização do meio ambiente se difunde na sociedade, o que é o meio ambiente torna-se mais difuso, englobando áreas das mais diversas: da economia e relações internacionais ao urbanismo, dessa forma o que entendemos por ambientalismo passará por aquilo que Acserald (1997, p.1912) chama de “esquemas dominantes de percepção” , ou seja:
Os sujeitos políticos que
exercem a hegemonia sobre o território tenderão a impor sobre os demais a sua
própria concepção sobre o meio ambiente. Mas, a evidenciação da interação dos
diferentes sujeitos colocará a possibilidade do conflito entre os distintos
modos de apropriação de meio ambiente e afastará os riscos de que se tome por
exclusiva a perspectiva dos atores sociais hegemônicos.
2.3 A posição no espaço social e a percepção diferenciada de meio
ambiente.
O meio ambiente é um
campo difuso, na medida em que a articulação entre o geral e o específico é
penosa. Quanto ao geral a grande maioria, conforme foi visto no item
anterior, em diferentes gradações, tem
preocupações ecológicas. No entanto, quando recolocamos a questão em termos de
um espaço e tempo determinados, ou seja, o específico, torna-se necessário um
discernimento do que se entende por defesa do meio ambiente.
Nesse momento
analítico, trataremos das várias abordagens que o tema ambiental suscita e
porque dessa particularidade. Em seguida, iremos definir espaço social e como
as diferentes visões de meio
ambiente estão relacionadas às diferenças de posição no espaço social.
Para compreendermos as diferenças de posição no espaço social temos que analisar como é construído esse conceito. Estamos trabalhando com o livro “ O Poder Simbólico” Bourdieu (1998) no qual a visão de classe constrói um conceito de espaço social que contém o próprio mundo social sendo esse multidefinido e com múltiplas posições. O espaço social tem como subespaço o campo social, sendo que a posição no campo é definida por duas coordenadas: a primeira é o volume global de capital possuído e a segunda o “portifólio” do capital, ou seja, a distribuição entre capital econômico, cultural, social e simbólico.
Em nossa monografia iremos mostrar os diversos discursos apresentados sobre o meio ambiente no conflito da Vila Autódromo, ou seja, o particular. Também estamos diante de várias visões ou, melhor dizendo, versões do mesmo fenômeno. Dessa forma, estamos nos movendo no campo das “condições subjetivas”, tal como na metodologia proposta por Bordieu, na introdução da obra supracitada.
A distribuição dos moradores no campo social ajuda a compreender a Vila Autódromo. “O que existe, é um espaço de relações o qual é tão real como um espaço geográfico”. (BOURDIEU, 1998, p. 137). [36]
Temos majoritariamente pessoas de baixa renda mas temos também algumas famílias com renda alta (capital econômico), elevado grau de cultura (capital cultural) ou mesmo profissões de prestígio (capital simbólico).
Para exemplificar o
que estamos falando trazemos Silva (2002). Nessa tese a autora apresenta a
educação ambiental com estratégia de criação de um campo de entendimento da
questão ambiental (estratégia discursiva). Nesse caso, temos dois agentes com
visões absolutamente divergentes, de um lado, a usina hidroelétrica e de outro
a população ribeirinha. Esse debate transpõe a questão ecológica “stritu-sensu”
sendo um debate de visões diferentes de desenvolvimento.
A perspectiva
ecológica da usina é, no cerne, ter a maior capacidade de geração de energia
possível, não importando muito as grandes transformações sócio-culturais e
ecológicas no Sudeste Paraense e no Baixo Tocantins, áreas situadas a montante
e a jusante da barragem enquanto que a perspectiva ecológica dos ribeirinhos
era a de manutenção dos peixes do rio, visto ser daí que retiravam alimentação
e sustento. Nas palavras de Silva (2002, p. 16).
Essas transformações tiveram grandes implicações sobre as
condições de existência dos grupos sociais locais, uma vez que foram
comprometidos muitos processos sócio-culturais associados às especificidades
território e dos recursos naturais, em diversos casos apropriados de forma
comunal. Em lugar da anterior articulação dinâmica não-conflituosa entre os
distintos “ambientes” dos agentes sociais locais, emergiu então uma articulação
tensa entre os distintos ambientes, notadamente entre aqueles associados às
práticas desenvolvidas anteriormente à construção da barragem e o “ambiente”
apropriado, significado e utilizado segundo os propósitos do Setor Elétrico.
Identificou-se, neste contexto, a configuração de situação aparentemente
paradoxal, onde o agente tido como responsável pelas múltiplas crises sócio-ecológicas,
que na percepção dos atingidos decorreram de uma mesma ação desestabilização
sócio-cultural, passou a enunciar a necessidade de que fossem educadas as
vítimas da sua ação num processo de inversão de responsabilidades que a “oferta
de educação” tentou legitimar.
A construção de uma
questão ecológica tomando apenas a parte que interessa a Usina e a tentativa de
através da “educação ambiental” convencer os ribeirinhos da visão de meio
ambiente de interesse da Usina Hidrelétrica é uma estratégia de utilização do
discurso ecológico. Esse é o primeiro ponto de aproximação entre essa tese e a
nossa monografia.
O segundo, é a
resistência oposta pelos moradores e a conseqüente construção de uma identidade
e discurso ecológico próprio, tal como ocorreu na Vila Autódromo. Dessa forma,
temos duas realidades distantes: Tucuruí e Vila Autódromo que se aproximam. Em
outras palavras, a formação, apropriação e disputa por hegemonia de visões
opostas da questão ecológica são os frutos de uma reflexão coletiva que se dá
no IPPUR, fonte da qual essa monografia é caudatária.
A partir desse ponto, veremos as estratégias argumentativas desenvolvidas pelos adversários da Vila Autódromo e as contra argumentações dos moradores. São apresentadas em ordem cronológica. A forma de exposição será de primeiro mostrar as estratégias argumentativas dos adversários e, em seguida, a dos moradores. Essa ordem decorre do fato de que, ao longo dos anos, a Vila Autódromo e seus aliados agiram em reação as iniciativas dos adversários, ou seja, são estratégias defensivas.
O que desse ponto em diante irá nortear essa monografia é a dicotomia entre ricos e pobres. Essa sim é que determina a lógica de inclusão ou exclusão. Quando isso não for explícito iremos detalhar.
Diante dessa constatação, nessa seção, estaremos tratando das acusações promovidas pelos setores de alta renda e seus associados. Cabe a indagação quem são os ricos? São os moradores dos condomínios de classes A e B. Quanto aos associados estamos falando da Prefeitura e do setor de construção civil.
Quando nos referimos aos moradores dos condomínios estamos usando a terminologia adotada pelos institutos de pesquisas e pelas construtoras.
Temos dois motivos como justificativas para a adoção da metodologia de segmentação dos institutos de pesquisas: Um de ordem objetiva ou de precisão metodológica o outro de ordem subjetiva ou ideológica.
O motivo de ordem objetiva, é o fato de que na compra de um imóvel de alto preço a condição necessária na análise do crédito é a condição de solvência, ou seja, o nível de renda.
O motivo subjetivo, é que a estratificação da classe média em: baixa, média e alta, faz, como por milagre, desaparecer os extremos da pirâmide social. No topo, não existem mais os ricos, absorvidos pela classe média alta. Na base, não existem mais os pobres, dissolvidos ideologicamente na classe média baixa.
É recorrente na fala dos moradores pobres da região estudada a afirmação de que as mais graves agressões ao meio ambiente são feitas pelos “ricos”.Lembramos a prática corrente dos grandes condomínios da região de desligarem as Estações de Tratamento de Esgoto, como forma de reduzir os gastos com energia elétrica. Essa prática criminosa é também usada pelos grandes shoppings da região.
Cabe a pergunta qual terá maior impacto ambiental às 198 almas que residem na Vila Autódromo ou condomínios do porte do Novo Leblon e Barramares ou um shopping como o Barrashopping?
Figura 3.
O Autódromo e a Vila Autódromo – comunidade circundada.
2.7 Ricos e
responsabilidade urbanística no Plano Piloto.
Pesa contra as localidades pobres da região, incluída a Vila Autódromo, a acusação de danos urbanísticos. Esse argumento tem duas origens: o padrão construtivo das casas e o adensamento. A primeira, está ligada ao fato de que as casas têm um padrão construtivo modesto o que, segundo os adversários, contribui para a “favelização” da região. Na segunda, as casas não correspondem ao padrão imposto pela legislação[37] para a área[38].
A defesa seria a argumentação recorrente na fala dos moradores pobres da região estudada de que os grandes empreendimentos imobiliários também burlam a legislação urbanística da área. Apesar disso, ninguém propõe a retirada dos mesmos.
Diante dessa contra-argumentação, nessa parte, iremos investigar a afirmação dos moradores. Veremos as várias maneiras que os empreendedores imobiliários usaram para alterar a região. Estamos tratando da parte da cidade conhecida como a área do Plano Piloto. Foi uma criação de Lúcio Costa e previa uma forma de ocupação da região compreendida por: Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e Baixada de Jacarepaguá. O que tratamos como alterações são as mudança no Plano Piloto não previstas por Lúcio Costa.
Quero evidenciar que os setores mais abonados da Barra descaracterizam o plano original e, como dizem os moradores da Vila Autódromo, nem por isso, ninguém propõem a retirada dos mesmos da região.
As várias burlas ao Plano Piloto[39] são:
· A partir da segunda metade da década de 70 – condomínios fechados gerando ruas fechadas em total desrespeito ao direito constitucional de ir e vir dos cidadãos.
· Nos anos 80 – O incremento da construção de apart-hotéis, com 15 andares, ou seja, índices construtivos bem maiores do que o gabarito máximo, que era de cinco andares.
· Na década de 90 – Ocupação da faixa litorânea na Av. Sernambetiba que originalmente deveria ser conservada e passa a ser ocupada por apart-hotéis[40]. No final desse período temos a lei nº 41 de 1999 que permitia a construção de imóveis com área de 30m2 e apenas uma vaga para cada dois apartamentos. A lei foi revogada mas só o seu sancionamento já demonstra a intenção. Na área das Vargens (Vargem Grande e Vargem Pequena) o recurso era construir no terreno e passar de imposto territorial para imposto predial, a fim de burlar o fisco municipal recolhendo a menor.
Para poder mostrar a falsidade desse argumento precisamos mostrar o perfil dos moradores. Com essa finalidade usamos duas fontes: o cadastro sócio-econômico do ITERJ e o relatório de padrão construtivo confeccionado pelos arquitetos do mesmo Instituto.
São 198 lotes no
total. Quanto à distribuição espacial 56 , estão dentro da faixa marginal de
proteção da Lagoa de Jacarepaguá[41].
O que eqüivale, aproximadamente, a 28%.
Quanto ao tipo
de ocupação dos imóveis temos:
Em uso exclusivo
existem quatro oficinas[42]
, um lote da Liga Independente de Motociclismo do Estado do Rio de Janeiro[43]
, uma escola de pilotagem[44]
, a sede da Associação de Moradores, a rádio comunitária, uma igreja, uma
serralheria e um bar, três lotes são ocupados por casas alugadas, menos de 2%.
No caso de uso
misto[45]
temos quatro lotes.
Sem utilização
temos: três lotes vazios e uma casa fechada.
Quanto ao padrão
de renda obtivemos os dados por via indireta. Utilizamos o padrão construtivo
das casas para alcançarmos a renda das famílias[46]
.
O baixo padrão
construtivo que representa a baixa renda está presente em 98 residências. É
amplamente preponderante, respondendo por, aproximadamente, 53% da amostra.
Temos 39 casas
de padrão médio, aproximadamente, 21%.
São 21 casas de
padrão médio/alto[47],
aproximadamente 11% do total.
Classificamos 28
residências como padrão alto, apenas 14% do total.
Serão chamados dessa parte em diante de “ricos”[48].
Essa “alcunha” é utilizada pelas autoridades da Prefeitura e em várias matérias
de jornais.
A utilização da
expressão ricos, nesse caso, é pejorativa. Tem o objetivo de descaracterizar a
Vila Autódromo como uma solução para os que não tem outro lugar para morar. O
objetivo é jogar a opinião pública contra a causa. Utiliza o argumento de que
na comunidade é formada de mansões e uns poucos pobres que são utilizados como
biombo. Para refutar essa afirmação invocamos a aritmética os “ricos” compõem
apenas 14% do conjunto.
Figura 4.
Para melhor visualização apresentamos o gráfico.
No meio de toda essa discussão em 1994 surgem os Jogos Pan-Americanos. Na primeira seção, iremos mostrar como se constrói historicamente a “necessidade” de uma cidade com tantas carências como o Rio de Janeiro realizar primeiro os Jogos Olímpicos e quando não obteve sucesso os Pan-Americanos.
No segundo ítem, iremos tratar de como os Jogos Pan-Americanos se transformariam em mais uma justificativa para a remoção.
Encerrando essa parte, temos como os moradores da Vila Autódromo reagiram. Apesar de todo o pessimismo que envolvia enfrentar uma avalanche midiática como os Jogos obtiveram sucesso na manutenção de sua comunidade.
Os moradores da Vila Autódromo como cariocas que de fato o são, pois como diria Carlos Drumond de Andrade “ser carioca é um estado de espírito” se encheram de júbilo com a escolha de nossa cidade para sediar um evento de tal magnitude[49] .
Por mais que pareça “natural” o parágrafo anterior para tornar aparente o que está oculto opomos duas interrogações. Porque uma cidade com graves problemas de habitação, educação, saúde e segurança gastaria 2 bilhões[50] com os Jogos? Porque apesar do evidente gasto de recursos que fazem falta em outras áreas o apoio à realização do evento é massivo?
Cabe lembrar que entender o porque do massivo apoio ao Jogos é analisar a formação de consenso.
Para responder a essa questão é necessário analisar o efeito provocado por grandes símbolos na psique dos habitantes de uma cidade moderna para compreendermos o apoio dos cidadãos a sediar os Jogos Olímpicos e em escala menor dos Jogos Pan-Americanos[51] .
Os Jogos são um símbolo de capacidade de realização, da organização e exaltação da beleza da cidade sede e da comprovação da excelência da técnica do país organizador. Dessa forma, se enquadram na necessidade da construção de símbolos que a cidade moderna enseja. Para provar tal afirmação citamos Lessa (2004, p.12-13).
A cidade moderna é aberta. Nela se desenvolve a
necessidade de substituir a muralha pela noção de paisagem urbana
individualizada, com uma coleção de signos e sentidos que permitem a criação da
idéia de pertinência ao lugar. O citadino não é mais o morador ou vizinho
intramuros que era portador do privilégio antigo, mas sua auto-estima, como
cidadão, deve ter uma referência ordenadora e valorizadora de um “ser no
lugar”. A paisagem urbana da cidade moderna é uma coleção de ícones e signos apropriados da cidade antiga ou
construídos como demonstração de progresso e vanguardismo. Ele tem que
organizar com marca própria o espetáculo de suas ruas e construir um percurso
com passagens únicas e singulares. Precisa da pausa da praça, que se articula
com o movimento do boulevard.
Dessa forma estamos além do simples cimento. A contribuição social para a cidade moderna é incorporado alguns parágrafos depois por Lessa (2004, p.13).
[...] Na cidade, o povão com seu cotidiano, seus
costumes, rituais, festas e espetáculos, produz a cultura popular; simultaneamente,
com a alta cultura, nela praticada, a cidade se qualifica para as trocas
culturais com o exterior. Hoje, possui imenso peso a indústria cultural
produtora da efêmera cultura de massas. O repertório destas diversas formas
culturais e de suas respectivas interações é a dimensão forte da perfilização
da cidade. A identidade da cidade combina a paisagem com a apropriação do
espetáculo das ruas e do repertório de produção cultural.
No entanto mesmo na presença de arquitetura e cultura os habitantes da cidade moderna carecem de um sentido de pertencimento. Esse sentimento não é mais natural como era no feudo ou no burgo. Ele tem que ser construído. Da mesma forma pensa Lessa (2004, p.13)
Não importa com que material, cimento ou gente, é
necessário em qualquer cidade uma imagem ordenadora e exaltadora da
auto-estima. O Rio de Janeiro explicitou e viu empalidecer uma das mais
complexas imagens ordenadoras de metrópole moderna.
Para explicar porque são gastas parcelas importantes do orçamento para atender o anseio inconsciente de criação de elementos unificadores dos habitantes é necessário entender os políticos como maximizadores de apoio popular. Além disso, temos o anseio dos detentores do poder político de deixarem uma marca no espaço que os imortalize, juntando detentores de poder político com arquitetos e urbanistas. Nas palavras de Lessa ( 2004, p.13)
[...] Na cidade moderna surge à onipotência do urbanista. Desde os
tratados renascentistas sobre arquitetura, das Leis das Índias de 1573, o planejamento
urbano tem tido preeminência entre as técnicas de constituição e preservação da
ordem social. Além de obviamente servirem à exaltação do príncipe e,
posteriormente, do Estado. Porém, a arrogância do urbanismo atinge seu ápice
com a Carta de Atenas. A arrogância do modernismo é concebida como poder
técnico do desenho urbano de negar o passado mediante referência a um novo
futuro. Obviamente, a construção da nova sociedade a partir do redesenho
urbano, exige o matrimônio do gênio com o príncipe. No caso brasileiro,
Brasília e Barra da Tijuca. [ ...] A componente autoritária e idealista é a
mesma, porém a primeira é a modernização conservadora, enquanto a Segunda é
reformista radical. O interessante é que ambas desconhecem o povo. No primeiro
caso, nascem às favelas, no segundo caso, as cidades satélites.
O dado moderno é que a marca deixa de ser um obelisco, um parque ou museu e passa a ser um evento. Um evento de tais dimensões que tem impactos na morfologia da cidade. Esse é o caso dos Jogos Olímpicos e em menor escala dos Pan-americanos.
Antes de avançarmos para entender como os Jogos Olímpicos ou os Jogos Pan-americanos servem para plataforma de lançamento da cidade na rede global. Faz-se mister qualificar o que esse espaço qualificado como rede global. Para tanto iremos usar Egler (2005, p.1).
As políticas urbanas globais estão na ordem do dia, e a sua importância
está expressa na competição entre cidades dos mais diversos países do mundo
pelas candidaturas para sediar as Olimpíadas, nos projetos de renovação das
zonas portuárias, nas políticas de preservação do Patrimônio Imobiliário.
[...] estamos diante de um processo de transição que forma um novo
espaço que, por sua vez, se transmuda e se sobrepõe às formas anteriores do
espaço presente. Sua nova configuração resulta de fragmentos de cidades, em
diferentes localizações do mapa do mundo, conectadas por fluxos informacionais
de suporte tecnológico. Isso quer dizer que esse suporte conecta formas
espaciais, materiais e fluxos comunicacionais. Sua representação pode ser lida
na conexão de espaços locais – fragmentos urbanos – e processos comunicacionais
– fluxos digitais – que se articulam e originam um novo espaço que denominamos
global, ligando o local com fluxos globais e constituindo uma nova totalidade
aescalar.
Para compreender o significado desse espaço tem que se levar em conta o descolamento do local que as redes de informáticas possibilitaram, tal como diz Egler mais adiante.
[...} é portanto um novo espaço que se sobrepõem ao anterior e que pode ser percebido através de uma metáfora de rede, em que nas suas conexões vamos encontrar fragmentos de espaços locais que formam uma nova totalidade espacial. A sua complexidade pode ser lida pela vinculação dos fluxos do ciberespaço informacional aos fragmentos de cidades que lhe são conectados.
Afim de garantir que o leitor possa visualizar mentalmente o que foi dito retornamos a Egler (op.cit.)
Para tornar visível o invisível o nosso ponto de partida está inscrito
no advento de novas tecnologias de comunicação que possibilitam a formação de
novos fluxos tecnológicos. Estes, por sua vez, possuem uma forma com múltiplas
faces e possibilitam a criação de um espaço imaterial, fluido, cuja arquitetura
constitui uma rede infinita e cujas conexões configuram centros em que se
sobrepõem fragmentos urbanos. É a forma
espacial da sociedade global (grifo do autor).
A partir desse ponto podemos entender: o Teleporto do Rio de Janeiro, a fracassada instalação do Museu Guggenheim os pólos gastronômicos de Santa Teresa e Barra de Guaratiba[52] e os Jogos Pan-Americanos como estratégias de inserção na rede global.
Para reforçar o argumento de utilização dos jogos para inserção privilegiada na globalização chamamos a atenção para afirmação de Silva (Comitê Social do Pan, 2005)
Desfrutando de bilhões de espectadores, tais cidades se transformam,
momentaneamente, no admirado centro das atenções em escala planetária. Em certo
sentido, os Jogos Olímpicos correspondem na atualidade ao papel similar cumprido
por algumas das grandes exposições universais da segunda metade do século XIX
ao início do século seguinte, ao por em relevo as utopias do progresso sem
fronteiras e da solidariedade e harmonia entre os povos. Também podemos
comparar o imenso impacto destes eventos na dinamização e reestruturação das
cidades.
Dessa forma entendemos o porque milhões de pessoas espalhadas pelo globo irão ficar fascinadas diante das TVs por horas a fio, acompanhando esportes e absorvendo imagens da cidade sede e, em conseqüência, sonhando em conhecê-la de perto. O que, no cálculo dos organizadores, pode a curto prazo, ampliar a importância turística da cidade, tornando-se um pólo turístico mundial e localização de empresas, em resumo, um nó na rede global.
Diante disso se justifica os Jogos hoje terem custos tão elevados, dois bilhões[53].
A partir desse ponto, utilizando o método histórico mostramos como surgem, como ganham importância e se desenvolvem na parte de ocupação do espaço os Jogos.
A forma como surgem os Jogos Olímpicos é tratada por Silva ( 2005)
Na
Grécia antiga, onde os jogos começaram no ano de 776 aC., eles também eram
realizados de quatro em quatro anos, em Olímpia, área sagrada para os homens,
por que dedicada a Zeus, o deus supremo. Por esse motivo, as mulheres não eram
autorizadas a participar, nem mesmo a assistir ao espetáculo. Havia, no
entanto, outros festivais femininos, nos quais os homens eram banidos.
Por
iniciativa do francês Pierre de Fredy, o Barão de Cubertin, em 1896, foram
retomados os jogos olímpicos e se inaugura uma nova era. Atenas sediou a
primeira edição dos tempos modernos. Há diferenças significativas: agora, de
quatro em quatro anos, uma cidade se transforma em Olimpo, espaço sagrado, não
mais só para quem fala grego, e nem somente para homens, como foi na
antigüidade. A festa é universal e, por mais paradoxal que pareça, a competição
é o álibi para reunir diferentes povos sob a bandeira olímpica.
O desenvolvimento moderno dos Jogos e a forma como
afetam o espaço são tratadas por Mascarenhas, (2005).
As
primeiras décadas de J.O. deixaram poucos vestígios na paisagem urbana. A falta
de apoio oficial, a pouca difusão do olimpismo, o reduzido número de
participantes, uma série de fatores enfim somaram para um grau ainda incipiente
de organização e porte dos J.O., caracterizados pelo improviso e precariedade
das instalações físicas [...] somente em 1932 pode-se iniciar a falar, embora
timidamente, em "urbanismo olímpico", quando a cidade de Los Angeles
utilizou os jogos como oportunidade de reerguimento da economia local, muito
abalada pela crise de 1929. Em 1936, Berlin seguiu o exemplo e consolidou a
nova tradição de edificação de vilas olímpicas dotadas de alguns equipamentos
específicos para os atletas.
Após
a Segunda Grande Guerra Mundial, o olimpismo adquiriu forças inéditas, atraindo
maior interesse e apoio governamentais, bem como verificando crescente adesão
de atletas de diversos países. E assim, em 1952, Helsinque inaugura a era dos
grandes projetos habitacionais populares a partir dos J.O.. Nos jogos
seguintes, Melbourne não apenas seguiu o modelo como incorporou o uso de vasta
infra-estrutura esportiva universitária. Em Roma (1960), a novidade foi à
criação de uma vila olímpicas com modernas e bem equipadas edificações dentro
de um explícito projeto de expansão urbana, incluindo a implantação de
infra-estrutura geral e de acesso. Devemos considerar o novo contexto
sócio-econômico, para entender a afirmação de um "urbanismo olímpico"
multiplicador de equipamentos públicos de lazer e esporte: a consolidação do
Estado de Bem-estar Social na Europa Ocidental não apenas garantiu maior
capacidade de consumo como também oportunizou a difusão da prática esportiva,
dentro da política social "esporte para todos". Desde então, cada
olimpíada vem deixando (ou propiciando) marcas indeléveis na paisagem das
cidades, tornando-se uma efetiva possibilidade de executar o planejamento
urbano.
Nos
anos 70, nota-se um aprimoramento desta conjugação entre J.O. e planejamento
urbano. Entre urbanistas, crescia naquele momento a preocupação para com a
indesejável obsolescência das áreas centrais, em favor de novos sub-centros e
subúrbios de perfil econômico elevado, processo acionado sobretudo pela difusão
do uso do automóvel. Nos J.O. de Munique (1972) e Montreal (1976) nota-se,
segundo Muñoz (1996), uma clara política de instalação ou aproveitamento de
equipamentos esportivos junto à área central, valorizando-a. Podemos afirmar
que neste momento os J.O. propiciaram a oportunidade de concretização de novas
idéias urbanísticas, que ainda hoje se situam no centro do debate sobre a
renovação das cidades.
Moscou (1980) demarca o ápice da política de construção de
habitações populares a partir de uma vila olímpica: nada menos que dezoito
blocos de apartamentos pré-fabricados com 16 andares cada um. O imenso
investimento soviético se explica não apenas pela conformidade de tal
iniciativa com o modelo funcional e homogêneo de urbanismo socialista, mas
sobretudo por ser aquela ocasião para a já decadente URSS uma das últimas
chances de exibir ao mundo seu poderio (atlético, financeiro e organizativo).
Como de um contexto socialista ou social-democrata, chegamos a Jogos capazes de expulsar comunidades inteiras é o desdobramento histórico que iremos tratar no ítem abaixo.
Seul (1988) e Barcelona (1992) constituem claros exemplos do uso dos Jogos Olímpicos como poderosa alavanca para o desenvolvimento urbano. Ambas as cidades investiram vultosas quantias e implementaram projetos urbanísticos de elevada envergadura, redefinindo centralidades e constituindo verdadeiros marcos na evolução urbana. Ademais, conseguiram projetar mundialmente a imagem destas cidades, proporcionando efeitos multiplicadores a curto e médio prazo: grande aumento do afluxo de turistas, dos investimentos etc.
Tanto os Jogos de
Seul como, principalmente, os de Barcelona foram marcados no contexto político
pela onda de neoliberalismo. O ideário receitava a redução do papel do Estado.
A conseqüência foi à redução das políticas sociais. Como os Jogos estão dentro
dessa conjuntura iremos ver como se reflete na forma de ocupação do espaço,
para isso continuamos com Mascarenhas (op. cit.).
[...] Seul e Barcelona promoveram não apenas uma
eficiente política de renovação de sua área central. Suas vilas olímpicas
também constituem uma novidade em termos de geração de novas moradias: trata-se
de uso residencial para classes médias, e não mais destinadas ao uso popular,
marca tradicional das vilas olímpicas até então. Mais uma vez, podemos observar
a incidência de novas forças macro-estruturais, desta vez típicas do período
neoliberal que se instaura sobretudo com a derrocada do bloco soviético em
1990: o declínio das políticas sociais, em favor dos princípios do mercado. A
bela vila Olímpica de Barcelona, muito bem equipada e provida de amenidades
naturais como a posição litorânea, representa esta mudança evidente na política
urbana, de novo crescentemente envolvida com interesses privados. E a cidade
procura afirmar ao mundo sua capacidade empresarial.
Dentro do contexto neoliberal no caso do planejamento urbano temos:
Competitividade,
“empresariamento” (urbano), planejamento estratégico (por projetos),
intervenções pontuais, entre outros enunciados, passam a compor o rol das
iniciativas a serem adotadas pelos administradores das cidades vinculados aos
mais diversos matizes político-ideológicos. Tal enunciado tem sido apresentado
como solução modelar “milagrosa” voltada à instauração de um consenso que, por
sua vez, conduz a uma cidadania fabricada que acaba dando suporte às
iniciativas a ela vinculadas. (BARROS E PICINATTO, 2005).
A partir daqui o desejo de singularidade dos habitantes, através de marcas que diferenciem a cidade passa a ser colocado a serviço dos grandes capitais.
A justificativa para os elevados investimentos passa
a ser a inserção da cidade dentro de um mundo formado de redes articuladas por
cidades e não mais articulados no espaço nacional, ou melhor, como disse Egler
(2005), está por cima do espaço nacional. Seria a submissão ao processo de
globalização e conseqüente fragilização do Estado Nacional. Sendo visto como
irreversível e com um ritmo no qual a dinâmica interna da sociedade seria
incapaz de intervir. A dimensão monumental para criar admiração e espanto se
impõe, como podemos ver no trecho abaixo:
“Se os jogos não existissem, os teríamos inventado”, costumava dizer o
ex-Prefeito de Barcelona, Pasqual Maragall para referir-se às Olimpíadas de 92
como uma ótima “desculpa” para o ambicioso projeto de renovação urbana nos anos
80 e 90. A cidade investiu vultosas
quantias e implementou projetos urbanísticos de grande envergadura, redefinindo centralidades e constituindo
verdadeiros marcos na evolução urbana.
O fundamento das práticas de intervenção espacial passava do
minimalismo ao “colossalismo”: dos pequenos projetos da chamada “acupuntura
urbana” às grandes “operações urbanísticas”. (SÁNCHEZ, 2003, p.234).
A Vila Olímpica de Barcelona foi uma das obras que tinha como objetivo o “reordenamento da fachada marítima”. (BARROS E PICINATTO, 2005). Eram nas palavras do mesmo autor.
[...] mega-operações imobiliárias legitimadas sob a imagem da
“recuperação do diálogo da cidade com o mar”.
As vilas olímpicas de Barcelona constituem uma inflexão em termos da
destinação de novas moradias, agora visando a atração de segmentos das classes
médias e altas, e não mais ao uso popular, marca tradicional das vilas
olímpicas até então.
A Vila Olímpica feita para abrigar os atletas do Pan e vendida para as classes médias e altas na cidade do Rio de Janeiro segue o exemplo de Barcelona 92. A Vila Pan-americana é projetada em parceria com a iniciativa privada na Barra da Tijuca, em um conjunto de vinte e cinco prédios residenciais com gabaritos de dez pavimentos, com tipologias distintas, num total de dois mil e quarenta apartamentos para abrigar os oito mil atletas esperados.
Exatamente como em Barcelona usou capital público e privado. A coincidência é surpreendente, para tanto citamos o trecho abaixo que fala de Barcelona, porém se o recortarmos do contexto e apresentá-lo a qualquer pessoa certamente dirá tratar-se dos Jogos em nossa cidade. Vejamos:
O Governo Municipal,
mediante o “olimpismo”, atraiu capitais públicos e privados para empreender a
reconstrução da Cidade a prazo fixo. Esta pressão para uma violenta política de
“fazer cidade” forçosamente inscreveu o processo na chave do aproveitamento
máximo de mercado, na mais pura ótica do capitalismo (imobiliário) em suas
articulações atualizadas com os demais mercados: de consumo, de serviços, do
turismo, da cultura e das localizações das empresas transnacionais. (BARROS E PICINATTO, op. cit.)
A lógica envolvida nesse contexto é no caso carioca a criação e no caso de Barcelona renovação do espaço urbano. Podemos apontar a semelhança com o esquema de renovação para atender as necessidades de criação de novas áreas de acumulação de capitais, já apontadas por Egler, (2005) em relação ao Porto Madero, na Argentina, ou ainda como dizem Barros e Picinatto (2005) “ lógica do capitalismo atual, de corte seletivo e excludente, as cidades se renovam constantemente na busca dos investimentos do circuito mundial de valorização”.
O modelo Barcelona de gestão do espaço urbano fez escola, cabe lembrar que em 1992 os principais urbanistas catalãos (Castells e Borgia) foram contratados pelo Prefeito César Maia para elaborarem o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro. Quanto às críticas a forma de elaboração e conteúdo desse trabalho vide Vainer (2000).
As
coincidências entre Rio e Barcelona devem ser ressaltadas para mostrar a
continuidade do urbanismo de corte neoliberal, as mais importantes são: Durante
a realização dos Jogos Olímpicos, o Rio sediava a Eco-92 no complexo do
Riocentro quando Barcelona realizava um grande evento como o Fórum 2004, o Rio
de Janeiro começava os preparativos para a realização dos Jogos Pan-americanos
em 2007.
De tudo que foi
dito acima queremos chamar a atenção para o fato de que cada evento olímpico
guarda suas especificidades, refletindo ao mesmo tempo o contexto histórico e a
espacialidade concreta. Cabe então analisar os Jogos Pan-Americanos no Rio de
Janeiro.
3.3 Os Jogos Pan-Americanos como prêmio de
consolação.
A cidade do Rio de Janeiro em 1996 foi candidata à sede dos Jogos Olímpicos de 2004, mas não conseguiu ter sua candidatura aprovada.
O projeto olímpico da
cidade do Rio de Janeiro tinha um projeto muito diferente do em curso para os
Jogos Pan-Americanos. Grande parte dessa diferença devia-se a influência que
Betinho[54] exerceu naquele
projeto.
Para os Jogos Olímpicos no Rio foi proposto o aproveitamento dos espaços vazios da Ilha do Fundão que ganhariam uma importante concentração de equipamentos esportivos recreativos com a possibilidade da posterior utilização do espaço pelas carentes comunidades circunvizinhas.
A Ilha do Fundão é de grande acessibilidade por ser o encontro de duas das principais vias da cidade as linhas Vermelha e Amarela, fator importante em eventos de massa.
O projeto propunha também a utilização da área portuária da cidade, região degradada como alojamento da imprensa internacional.
Propunha ainda a realização de um antigo sonho de cariocas e niteroienses a despoluição da Baía de Guanabara e também da Lagoa Rodrigo de Freitas.
Entretanto, apesar de suas belezas naturais e do relativo êxito na realização do evento ECO-92, a candidatura carioca não logrou sucesso. Na análise das causas do insucesso citamos Mascarenhas (2005)
[...] Trata-se de uma grande cidade com graves
problemas sociais e ambientais, típicos do subdesenvolvimento. Um cenário que,
como vimos, historicamente não tem convencido o Comitê Olímpico Internacional
como local adequado à realização de J.O.. Permanecendo os atuais critérios de
seleção das sedes, e a acirrada competição entre cidades de todo o mundo,
dificilmente o Rio de Janeiro terá sua oportunidade, sobretudo com o
agravamento da gestão da segurança pública.
Aproveitando a experiência anterior a cidade apresentou a sua candidatura para sediar os Jogos Pan-Americanos de 2007 que acontecerão de 13 a 29 de julho de 2007.
O Pan, como é popularmente chamado, é uma versão continental dos Jogos Olímpicos. Teve sua primeira edição em 1951, em Buenos Aires e, desde então, reúne atletas das Américas sempre um ano antes das Olimpíadas. São Paulo já sediou esse evento em 1963. No caso do Rio, há uma aposta de seus organizadores o COB de que será uma vitrine importante para o apoio à candidatura da cidade à sede das Olimpíadas de 2016.
O Rio ganhou uma disputa com outras cidades latino-americanas e teve na cidade de São Paulo sua principal adversária. A prefeitura do Rio soube vender bem a imagem da cidade moderna, hospitaleira, bem equipada, naturalmente linda e em condições de alavancar os recursos necessários para fazer frente aos investimentos prioritários.
Talvez como um prêmio de consolação, dado pelo COI, conquistou o direito de sediar os Jogos Pan-Americanos de 2007. A diferença entre as duas propostas a dos Jogos Olímpicos e do Pan-americano seria o urbanismo “mercadófilo”, ou seja, a gestão da cidade orientada para a consecução de grandes lucros por partes do setor imobiliário. Nesse caso se insere a escolha privilegiada da Barra da Tijuca para a instalação dos equipamentos esportivos dos Jogos.
Podemos fazer nossas as palavras de Macarenhas (2005), “[...] Em suma, a cidade que emergirá deste evento consolidará um modelo excludente e segregador”.
Expomos agora a forma agressiva como os interesses imobiliários estão se apropriando dos jogos em detrimento da sociedade carioca. Para essa finalidade apontamos em Mascarenhas (2005), as sucessivas mudanças na legislação de uso do solo para atender a realização de lucros.
[...]
Durante os estudos para viabilização do projeto foi negociada a flexibilização
das normas vigentes de ocupação do solo. Assim, sobressaem, no atual período,
indicações das pressões de grupos privados associados, com encaminhamento de
diversos projetos de lei que propõem mudanças na legislação urbana no que se
refere à otimização da ocupação do solo e ao seu aproveitamento intensivo nos
empreendimentos imobiliários. Um exemplo disso, são as sucessivas propostas de
revisão dos parâmetros urbanísticos das edificações projetadas para a Vila
Pan-americana de forma a atender aos anseios dos especuladores imobiliários
(CREA/UFF, 2004), que culminaram com a edição das Leis Complementares números
59, 60 e 61 pelo Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, alterando os parâmetros
edilícios da área destinada à implantação do empreendimento. Desta forma, a prefeitura
do Rio suprimiu a metragem mínima das edificações da cidade, que é de 60m²,
permitindo que o menor apartamento ficasse com apenas 37m² (42 m² com a
varanda). Além disso, permitiu que o gabarito subisse de três para dez andares.
Segundo Alfredo Sirkis “contrapartidas
valem a pena quando se trata de obra de interesse público”. (O GLOBO,
03/04/2005).
Outra
questão que pode ser ressaltada em relação à Vila Pan-Americana é a destinação
da população carente que reside na área de projeto. Segundo o Relatório de
Impacto Ambiental, o aumento de ocupações subnormais na área se dá pela
ausência de uma ocupação nobre! Neste sentido, para os autores de tal
relatório, o projeto da Vila Pan-americana constitui um importante veículo de
valorização imobiliária e desenvolvimento urbano.
Percebe-se
claramente, que está em curso uma opção urbanística que privilegia a
apropriação dessa área pelos interesses de mercado, o que se traduz muito mais
num processo de modernização/reestruturação (seletiva e excludente) do que propriamente
de desenvolvimento urbano mais inclusivo.
Não só os Jogos foram seqüestrados pela iniciativa privada como ainda deixarão uma forte marca nas contas públicas. Segundo dados do Fórum Popular do Orçamento Público do Rio de Janeiro o volume de recursos aplicados no estádio olímpico João Havelange (R$ 166 milhões) é maior do que o aplicado na saúde (R$ 132,6 milhões) e em educação (R$ 69 milhões em 2004 e R$ 76 milhões em 2005).
Além disso tudo, os Jogos se tornaram uma ameaça para as populações carentes que moram no entorno das instalações ao invés de serem elementos de dignificação da existência humana. Essas são questões que o Comitê Social do Pan do qual faz parte Associação de Moradores da Vila Autódromo e o autor vem levantando. Segundo Silva, ( 2005) .
[...] O impacto das obras de implantação do estádio
João Havelange, o Engenhão, na zona norte da cidade, não foi discutido com a
população e hoje é motivo de tensão para moradores e moradoras que sentem
insegurança, comum nos processos de deslocamentos forçados. A comunidade de
Vila Autódromo também se sente ameaçada com o que vai acontecer com sua área.
Em que medida estão sendo discutidas com a população as alterações na malha
viária que acontecerão na área de Jacarepaguá, Recreio e Barra da Tijuca? Será
que essas alterações vão melhorar a cidade para todas as pessoas ou trará
benefício para uma elite? Quem pagará os gastos públicos que estão sendo
feitos? Como monitorar os investimentos e suas finalidades?
No caso das instalações dos Jogos Pan-Americanos na Barra da Tijuca fica evidente que atendem interesses dos proprietários de terra da região. Como forma de ilustrar o que estamos dizendo no mesmo texto.
[...]John Bale (1989, p.156) estima que no Reino Unido (onde tais
campos de "monocultura" ocupam preciosos 80 mil hectares de terra) a
presença de campos de golf valorizam em média as propriedades mais próximas em
aproximadamente 10%. O geógrafo norte-americano Bob Adams (apud Bale, 1989:157)
acredita que em muitos casos campos de golf são criados mais por finalidades de
valorização fundiária que propriamente para a prática esportiva.
Em síntese, os esportes apresentam um conteúdo de relação homem - natureza e uma grande capacidade de transformação do meio e valorização do metro quadrado do qual um setor quer se apropriar aproveitando a enorme força simbólica que tem os Jogos.
No caso do Rio de Janeiro, temos três fatores complementar ao processo de transformação histórica por que passaram os Jogos Olímpicos acima descrito: o contexto da globalização, em que estamos vivendo, o fato de sermos um país subdesenvolvido e a crise por perda de significados do Rio de Janeiro que se iniciou a partir da mudança da capital para Brasília. Nesse contexto, os Jogos Pan-Americanos tem uma dupla importância: primeiro como uma tentativa de mostrar a viabilidade do Rio de Janeiro como ponto na rede global e segundo para aumentar a auto-estima tanto dos brasileiros pela diferenciação frente ao conjunto de nações subdesenvolvidas, quanto dos cariocas por voltarem a ser, mesmo que momentaneamente, o centro da nação. Para a forma como esses anseios se articulam para que um evento de integração se torne de exclusão são apresentados por Santos (1994, p.74)
As metrópoles criadas para comandar as grandes transformações mundiais
trazidas pelo imperialismo exercem uma lógica internacional comandada (até
certo ponto) pelas respectivas lógica nacionais. Crescidas numa era de relativo
esplendor, o planejamento, a construção e o uso dessas aglomerações era
conseqüência dessa lógica e (a cidade) dela retirava seiva, vigor, beleza,
capacidade renovadora das coisas e das práticas. Nos países subdesenvolvidos,
surgem como espaços derivados. Quanto mais os países se modernizam e crescem,
mais as grandes cidades associam lógicas externas e lógicas internas
subordinadas. Por isso, são cidades críticas desde o seu nascimento, sobretudo
porque se tornam cidades sem cidadãos. Nessas aglomerações pós- iluministas, a
lei do novo é também a da conformidade e do conformismo. As estruturas mentais
forjadas permitem a abolição da idéia (e da realidade) de espaço público e de
homem público. Numa sociedade de homens privados, a lei da concorrência
legitima a lei da jungle e a cidade
retrata tais egoísmos funcionais: em suas formas primárias e secundárias, em
seus arranjos particulares e em sua arrumação global. A rua, onde o
estacionamento expulsa o jardim, torna-se a arena desse conflito e não mais o
lugar do encontro e da festa.
Como foi dito no item anterior os interesses imobiliários em torno dos Jogos com a utilização do Autódromo para a realização de algumas atividades voltou-se para tentar retirar os moradores. Nesse item iremos mostra de que forma se deu o ataque e como os moradores organizaram a resistência.
Os moradores não imaginavam que os Jogos se transformariam em mais uma justificativa para a remoção. No entanto, outra vez, a Vila Autódromo em dezembro de 2004 estaria tendo que usar sua organização, com passeatas e ocupação do plenário da Câmara dos Vereadores. Estavam, novamente, enfrentando o desprezo e o descaso de algumas autoridades públicas. Mais uma vez teriam que perder um dia de trabalho, em conseqüência, ter descontado dos seus minguados salários um dia de trabalho mais um dia da folga remunerada. Mas como diz o Hino Nacional “[...] verás que um filho teu não foge a luta.” Lá estiveram e tiveram um triunfo. Daqui em diante iremos descrever como foi construída essa vitória. . Até o final desse item iremos discorrer como foi construída essa conquista. A forma de apresentação é descritiva.
No dia 4 de janeiro de 2005 uma luta que se iniciou em 1995 com um ofício do Governador Brizola dirigido a Prefeitura requerendo que a área fosse declarada de Especial Interesse Social finalmente conseguiu êxito. Foi sancionada a Lei Municipal que consegui a decretação da Vila Autódromo como Área de Especial Interesse Social.
A importância dessa Lei é que ela garante que os padrões urbanísticos aplicados para a região não podem ser aplicados à localidade em questão.
A luta teve início em 2004 na tentativa de derrubar a Lei[55] de autoria do Vereador Wagner Siqueira, hoje secretário de Administração do Governo César Maia, que permitia a Cessão de Uso do Autódromo a terceiros (leia-se iniciativa privada) para acolhida de eventos esportivos olímpicos e jogos Pan-Americanos. Na redação constava “o Autódromo e seu entorno” (grifo do autor). Estava clara a intenção de dispor a área para o setor imobiliário. A partir dessa Lei existia a brecha legal para remover a comunidade.
A estratégia da bancada governista foi colocar o assunto em votação em sessão extraordinária, ao final do ano legislativo e do mandato dos vereadores. Contava com o esvaziamento do plenário e o desinteresse dos que não tinham conseguido se reeleger. Apesar do clima natalino a Vila Autódromo veio a Cinelândia e ocupou as galerias da Câmara.
Para mostrar como vários vereadores não tinham percebido a intenção cito o diálogo que o autor travou com o Vereador Jorge Babu do PT – “ votei a favor por achar importante não atrapalhar as obras do Pan mas não tinha prestado atenção nesse detalhe”.
O assunto passou em primeira votação. A estratégia da oposição foi pedir a recontagem dos votos, encaminhada pelo Vereador Rubens Andrade. Esperávamos o esvaziamento da sessão por parte da bancada governista.
Inicia-se nova rodada de debates. Nessa rodada as “estrelas” foram os vereadores que conheciam a Vila Autódromo, na bancada oposicionista citamos o Vereador Mario Del Rei ex-funcionário da SEAF, que conhecia toda a luta da comunidade e o Vereador Eliomar Coelho que de longa data defende os ocupantes de toda a região. Na bancada governista, o Vereador Nadinho do Rio das Pedras se opôs de forma contundente pois sua comunidade também tinha sofrido tentativas de despejo, que só não se efetivaram pela intervenção do então Governador Brizola.
Realizada nova votação a proposta governista novamente venceu. Cabe a ressalva que vários vereadores mudaram seus votos dentre eles o Vereador Babu. A vitória da base governista foi um Cavalo de Tróia. Os jornais (em especial os jornalistas aliados) noticiaram e denunciaram a Lei. Diante do clamor o Prefeito recuou e não a sancionou.
No início do ano legislativo de 2005 o assunto volta à pauta. Uma dupla estratégia foi definida, por um lado, convencer os vereadores, tarefa deixada a cargo dos aliados e de outro lado à mobilização dos moradores feita pela diretoria da Associação de Moradores.
Figura5.
Manifestação dos moradores na sede da Prefeitura.
A
equipe do ITERJ fez duas reuniões de esclarecimento com o recém-eleito Vereador
Brizola Neto, por entendermos que o mesmo poderia ter um papel central no
convencimento dos vereadores, visto ser ele neto do recém falecido Leonel
Brizola[56].
O ITERJ, através do Vereador Brizola Neto fez a proposta de uma visita dos vereadores a comunidade. Foi encaminhada a Mesa Diretora da Câmara e aprovada.
A Mesa Diretora é composta majoritariamente de governistas. O ITERJ foi avisado da visita em data que foi trocada e antecipada impossibilitando o acompanhamento da comitiva. Apesar da manobra no local os vereadores que tinham votado com o Prefeito diante de enfurecidos eleitores puderam constatar ser uma comunidade carente e perseguida. A grande mobilização dos moradores fez com que a visita fosse um sucesso[57].
Figura
6.
Visita dos vereadores a comunidade.
Enquanto isso, a equipe do vereador Eliomar Coelho tentava convencer preferencialmente os novos vereadores.
O resultado dessa mobilização foi à decretação da Vila Autódromo como Área de Especial Interesse Social.
Hoje a luta é para que os Jogos Pan-Americanos se traduzam em melhoria para os Moradores da Vila Autódromo. Tendo em vista o argumento de que a Vila envergonha os cariocas. Porque não urbaniza-la ?
Por último, com relação aos moradores dentro da faixa marginal de proteção da Lagoa a SEMADUR – Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano está estudando um “termo de ajustamento de conduta ambiental[58]” como solução para o aterramento da Lagoa de Jacarepaguá, na parte da Vila Autódromo.
CONCLUSÃO
Na primeira parte, apresentamos o período em que a comunidade se desenvolvia sem maiores incômodos.
Na segunda parte da monografia, a partir de 1993, vimos à utilização do discurso ambiental como justificativa para expulsão dos pobres.
Na terceira parte a utilização dos Jogos Pan-Americanos, com o mesmo propósito.
Ao fim desse percurso o julgamos insuficiente. Cabe a ciência ir além dos estreitos marcos da crítica. Cabe também ir além dos leigos a quem resta a simples indignação. O papel do intelectual é estar no campo da solidariedade ativa, ou seja, ser um daqueles que arregaçam as mangas. Dessa forma, tornando atual o que Marx (1978, p.53) disse na décima primeira tese contra Feuerbach de que “os filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente caberia transformá-lo”. Nessa mesma direção apresentamos a contribuição de Bourdieu, (2002, p.4).
A meu ver, o movimento social europeu só terá hipótese de ser eficaz se reunir três componentes:
sindicatos, movimento social e investigadores – na condição, evidentemente, de
os integrar, em vez de se limitar à sua justaposição[...] Os movimentos sociais
deram corpo aos objetivos políticos que os sindicatos e os partidos tinham abandonado,
esquecido ou recusado. Por outro lado, os movimentos sociais trouxeram métodos
de actuação que os sindicatos, uma vez mais, foram, a pouco e pouco,
abandonando, esquecendo ou recusando. Contribuíram particularmente com métodos
de ação pessoal: as actividades dos movimentos sociais recorrem à eficácia
simbólica, uma eficácia simbólica que depende, em certa medida, do empenhamento
pessoal daqueles que se manifestam; um empenhamento pessoal que é também um
empenhamento corporal. Torna-se
necessário correr riscos. Não se trata de desfilar de braço dado, como é
tradicionalmente feito pelos sindicalistas no 1º de Maio. É preciso desenvolver
acções, ocupações de locais, etc. Isto exige simultaneamente imaginação e
coragem.
É claro que a importação de idéias tem que se feita com cuidado, mas tudo o que foi dito por BOURDIEU, no trecho acima, quanto à articulação com sindicatos, movimentos sociais e investigadores, a resistência da Vila Autódromo e seus aliados vem realizando.
Constituíram através das mobilizações articulações com setores pensantes da sociedade carioca, alguns pesquisadores e alguns jornalistas . Ainda dentro do setor detentor de capital cultural e simbólico existe uma articulação com parcelas da burocracia tais como: o ITERJ e a Defensoria Pública, depositária de uma parte do saber jurídico e com algumas ONGs.
No caso das ONGs chamamos atenção para o Movimento Brasileiro em Defesa da Vida, cuja presidente Sônia Pereira, ganhou o prêmio Global 500, da ONU e o “mulher do ano” da revista Claudia, (2005, abril), por conta de seu trabalho contra a remoção de comunidades na AP4 (Barra da Tijuca, Cidade de Deus e Jacarepaguá) e de educação ambiental na Região e na Vila Autódromo.
Quanto aos movimentos sociais, além da tradicional articulação com a FAFERJ e FAMERJ, uma nova articulação está se consolidando por conta dos Jogos Pan-Americanos. Três comunidades na Barra da Tijuca, uma em Jacarepaguá (Vila Autódromo) e uma no Engenho de Dentro estão sendo ameaçadas de expulsão. Em função disso, elas estão fazendo parte do Fórum Social do Pan [59]. Estão costurando alianças espalhadas pela cidade e forjando uma nova identidade a de “atingidos pelos Jogos Pan-Americanos”[60].
Com relação ao movimento sindical essa aproximação ainda não foi iniciada.
Hoje, o que está faltando é uma articulação com a Universidade, nesse caso, o nosso trabalho está cumprindo um pequeno, mas importante papel.
Desde de 1992 tivemos como adversário da Vila Autódromo as sucessivas gestões do poder público municipal[61]. O atual modelo de gestão da cidade e, mais precisamente, a política de utilização do espaço urbano na AP4, foi implantada na primeira gestão de César Maia. Tendo cumprido o primeiro mandato de 1990 a 1994, César Maia conseguiu eleger o seu sucessor (Luis Paulo Conde). A mesma política continuou de 1995 e 1999 e nos dois mandatos posteriores de César de 2000 a 2004 e no atual iniciado em 2005.
Diante desse fato, cabe entender o porque da visão de uma cidade com uma parte proibida para moradia dos pobres. Como base objetiva da análise observamos as doações apresentadas na prestação de contas da última campanha do Prefeito César Maia[62].
Planilha com os doadores para a campanha de 1994 do Prefeito César Maia.
Nome |
Data |
setor |
Valor |
BOVESPA |
24/09/04 |
banco |
50.000,00 |
CBLC-COMP.BRASILEIRA DE LIQUIDAÇÃO E CUSTÓDIA |
24/09/04 |
banco |
50.000,00 |
BANCO
ITAÚ S.A |
28/09/04 |
banco |
100.000,00 |
BANCO
ITAÚ S.A |
13/10/04 |
banco |
100.000,00 |
BMF-BOLSA
DE MERCADORIAS E FUTUROS |
21/09/04 |
banco |
100.000,00 |
RONALDO
CEZAR COELHO |
16/07/04 |
banco |
100.000,00 |
UNIBANCO
S/A – UNIÃO DE BANCOS BRASILEIROS |
27/08/04 |
banco |
100.000,00 |
|
|
banco Total |
600.000,00 |
EIDER
RIBEIRO DANTAS FILHO |
16/07/04 |
const.civil |
30.000,00 |
GEOMECÂNICA
S.A |
06/09/04 |
const.civil |
30.000,00 |
AMBIENTAL
ENGENHARIA E CONSULTORIA LTDA |
06/09/04 |
const.civil |
33.300,00 |
AMBIENTAL
ENGENHARIA E CONSULTORIA LTDA |
05/08/04 |
const.civil |
33.400,00 |
EXPAND
DE INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA |
15/07/04 |
const.civil |
50.000,00 |
EXPAND
DE INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA |
17/08/04 |
const.civil |
50.000,00 |
EXPAND
DE INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. |
16/09/04 |
const.civil |
50.000,00 |
BRASCAN
IMOBILIÁRIA INCORPORAÇÕES S/A |
19/08/04 |
const.civil |
100.000,00 |
CARVALHO
HOSKEN S.A ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES |
01/09/04 |
const.civil |
100.000,00 |
|
|
const.civil Total |
476.700,00 |
ARACRUZ
CELULOSE S.A |
22/09/04 |
indústria |
8.816,82 |
UNIPAR-UNIÃO
DE INDÚSTRIAS PETROQUÍMICAS |
04/08/04 |
indústria |
60.000,00 |
COMPANHIA
BRASILEIRA DE PETRÓLEO IPIRANGA |
26/07/04 |
indústria |
150.000,00 |
KLABIN
S/A |
06/09/04 |
indústria |
150.000,00 |
|
|
indústria Total |
368.816,82 |
PERT
ENGENHARIA LTDA |
10/08/04 |
informática |
20.000,00 |
ESI DO
BRASIL S C LTDA |
10/08/04 |
informática |
39.000,00 |
ESI DO
BRASIL SC LTDA |
10/08/04 |
informática |
41.000,00 |
|
|
informática Total |
100.000,00 |
VEGA
ENGENHARIA AMBIENTAL S.A |
21/09/04 |
lixo |
200.000,00 |
|
|
lixo Total |
200.000,00 |
PFL-PARTIDO
DA FRENTE LIBERAL |
29/09/04 |
partido |
97.500,00 |
PFL-PARTIDO
DA FRENTE LIBERAL |
01/10/04 |
partido |
98.000,00 |
PFL-PARTIDO
DA FRENTE LIBERAL |
29/09/04 |
partido |
99.000,00 |
PFL-PARTIDO
DA FRENTE LIBERAL |
29/09/04 |
partido |
199.000,00 |
PFL -
PARTIDO DA FRENTE LIBERAL |
23/09/04 |
partido |
250.000,00 |
|
|
partido Total |
743.500,00 |
GUSTAVO
COIMBRA COELHO CINTRA |
27/07/04 |
pessoal |
2.500,00 |
ADEMIR
TREICHEL |
27/07/04 |
pessoal |
3.000,00 |
FRANCISCO
DE ALMEIDA E SILVA |
03/08/04 |
pessoal |
7.000,00 |
AIRTON
RENATO DE ALMEIDA FILHO |
03/08/04 |
pessoal |
10.000,00 |
FERNANDO
POLICARPO DE OLIVEIRA |
02/08/04 |
pessoal |
10.000,00 |
GUILHERME
FORTES FERREIRA |
23/07/04 |
pessoal |
10.000,00 |
NELSON
POLICARPO DE OLIVEIRA |
02/08/04 |
pessoal |
10.000,00 |
SOLANGE
AMARAL |
21/07/04 |
pessoal |
10.000,00 |
LUIZ
FELIPE DI GIORGIO MAUAD |
11/08/04 |
pessoal |
20.000,00 |
CLAUDIO
HENRIQUE FERNANDES NEVES |
14/09/04 |
pessoal |
25.000,00 |
JOSÉ
ALFREDO FERNANDES NEVES |
14/09/04 |
pessoal |
25.000,00 |
PAULO
ELISIO DE SOUZA |
21/07/04 |
pessoal |
30.000,00 |
|
|
pessoal Total |
162.500,00 |
CIA
BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO |
20/08/04 |
não
identificados |
40.000,00 |
CIA
BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO |
13/08/04 |
não
identificados |
45.000,00 |
DIAGNÓSTICOS
DA AMÉRICA |
03/09/04 |
não
identificados |
50.000,00 |
|
|
|
|
|
|
Total Global |
2.786.516,82 |
Salta aos olhos a importância do setor da construção civil. É o terceiro maior doador. A construção civil com 476 mil reais só perde para o partido do Prefeito com 743 mil reais e para os bancos com 600 mil reais.
Para nossa análise iremos descartar o partido como doador, devido a sua própria natureza[63]. Nesse novo recorte a construção civil passa a ocupar a segunda posição.
Dentro do subgrupo da construção a soma das contribuições feitas pela Brascan (100 mil reais) e Carvalho Hosken (100 mil reais) corresponde a 46% do subtotal.
As duas têm importantes negócios na Barra da Tijuca. A primeira é proprietária de vários prédios na região. O mais significativo é o Barrashoping, o maior shopping da cidade. A segunda detém 4 km2 . A área do Plano Piloto é de 15 km2 . A Carvalho Hosken tem 27 %.
Após a análise dos dados a aparente conduta do Prefeito de paladino da seriedade na organização do espaço urbano se revela como despachante de um capitalismo excludente.
Por último, tratamos da espetacularização da cidade através dos Jogos Pan-Americanos. Vimos esse processo como ponta de lança da tentativa de inserção do Rio de Janeiro na rede de cidades globais.
Vimos também os moradores da Vila Autódromo e seus aliados se opondo com sucesso ao processo de globalização.
Para concluir apresentamos a principal lição da Vila Autódromo. Os principais opositores do processo de globalização terão de ser os deserdados. Ou como diria Egler (2005).
Os modos de existência particular que resultam de novas experiências sociais de unificação em torno de objetos em comum. É na vida cotidiana que se realiza a ação social, que na dimensão do cotidiano que inclui novas formas de conexão humana resulta numa oposição entre o local e o global
Ao contrário da classe média os deserdados não sofrem da miragem de encontrar abrigo nos oásis dos nós da rede global enquanto o resto do país e do planeta serão o deserto. Esse clareza de visão decorre da condição precária de escolaridade e empregabilidade. As ilusões das imagens do mundo global, como diria Santos (1994).
São miragens, não podem, por muito tempo, estar em
fase com esse imaginário perverso e acabam descobrindo as fabulações. A
lentidão dos corpos contrastaria com a celeridade dos espíritos.
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[1] A região da Barra da Tijuca, Baixada de Jacarepaguá, Recreio dos Bandeirantes e Vargem Pequena é a de maior valorização na cidade no período de 1979-1990 (FRIDMAN,1994, p.15 )
[2] Marx chamava os não detentores de capital econômico de proletários.
[3] As ações de despejo, em síntese, a retirada ou não da comunidade.
[4] É condição necessária mas não suficiente. Temos visto casos em que mesmo com a comunidade tendo decisões judiciais que resguardam o seu direito a moradia continuam sofrendo ataques por parte da Prefeitura. É o caso, por exemplo, do Morro da Saudade, em Botafogo.
[5] Notas de aula da cadeira Estado, Sociedade e processos espaciais ministrada no Curso de Especialização em Planejamento e Uso do Solo Urbano, 2º bimestre de 2005.
[6] As elites no caso são: os grandes incorporadores (capital econômico), o Ministério Público(capital cultural e simbólico), a Prefeitura do Rio de Janeiro (capital simbólico) mais os abastados moradores da região (capital econômico).
[7] Uma parcela importante da comunidade, principalmente, as mulheres trabalham de empregada doméstica nos condomínios da região. Voltamos a relação de interdependência entre estabelecidos e outsiders.
[8] A comunidade tem uma parcela de seus moradores que podemos chamar de ricos que são 14% do total , iremos tratar com detalhes no item – Vila Autódromo como moradia de ricos.
[9] Que veremos em - Ricos e a responsabilidade ambiental em Jacarepaguá Ricos e responsabilidade urbanística no Plano Piloto
[10] A etimologia da palavra fidalgo advém de filho d’alguém. Que em nossa sociedade com cidadãos de primeira, uma minoria, e de segunda classe, a grande maioria, deu origem a famosa expressão - sabe com quem você está falando. Muito bem analisada na obra de Roberto da Mata.
[11] notoriamente conhecido como “ chinês da Barra”.
[12] Lote 01 do PA 27.975 – com 467.765,00 m2, adquirido da Empresa Caledônia Empreendimentos Industriais e Comerciais S/A.
Lote 01 do PA 29.656 – com 162.087,50 m2, adquirido de Permuta com a Caixa Habitacional da Polícia Militar do Rio de Janeiro .
Lote 02 do PA 29.656 – com 304.958,50 m2, adquirido através da Empresa Caledônia Empreendimentos Industriais e Comerciais S/A .
Área originária do PAL 27.795 – com 49.100,00 m2, adquirido através de Doação e Obrigações da Empresa Saneadora Territorial e Agrícola S/A.
Área originária do PAL 29.656 – com 13.960,00 m2, doado pela Empresa Saneadora Territorial e Agrícola S/A.
[13] pelo Decreto nº 3.686, publicado no D.O do antigo Estado da Guanabara de 15 de agosto de 1972
[14] Os terrenos que compõem o Autódromo foram registradas em nome do Estado do Rio de Janeiro. (matrículas 40.415, 47.121, 145.468 e 145.469 do Cartório do 9º Ofício de RGI da Capital).
[15] (Processo nº 93.001.078414-7) em curso no Juízo da 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital.
[16] Fonte: Processo Administrativo (PA) E-28/1057/93.
[17] Processo Administrativo E-16/000.327/95, originário do Ofício do então Governador do Estado do Rio de Janeiro, encaminhado a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro,
[18] Contrato nº 11/98 para a empresa PPE Empreendimentos e Participações LTDA.
[19] Projeto de Lei Municipal nº 1853/2003
[20] O entorno é a própria Vila Autódromo.
[21] essa argüição foi endossada pela Governadora do Estado Rosinha Mateus em 17/01/04.
[22] Vide nessa monografia o item - histórico fundiário e disputa jurídica da área.
[23] Posseiro ou possuidor é aquele que ocupa, por necessidade de morar, terras públicas ou particulares abandonadas, isto é, sem uso, sem função social, nelas morando permanentemente com sua família. (MANUAL DO POSSEIRO, p.3).
[24] Vide nessa monografia o item - histórico fundiário e disputa jurídica da área.
[25] Houveram outras entregas que se somaram a primeira leva de 84 famílias até atingir as 142 que estavam fora da faixa marginal de proteção da Lagoa de Jacarepaguá.
[26] para maior aprofundamento ver na bibliografia Holanda (2005).
[27] O Estado entrega 20 mil títulos de propriedade em 1995. Fonte: Jornal O Dia 24/11/93, p.2.
[28] O ingresso do Ministério Público era por conta da utilização de argumentações ambientais.
[29] O ITERJ, sucedeu a extinta SEAF. Foi criado, entre outras atribuições, para intermediar os conflitos fundiários no Estado do Rio de Janeiro.
[30] O ingresso da SERLA, órgão responsável pela fiscalização e manutenção de rios e lagoas, foi devido a utilização dos argumentos ambientais
[31] Mundo selvagem – Movimento pela criação de áreas para preservação das espécies nativas.
[32] Imortalizado por Hannah Barbera com o personagem urso Zé Colmeia, que
passa a fazer parte do inconsciente coletivo das gerações a partir dos anos 60,
ajudando a divulgar pelo mundo o preservacionismo.
[33] O programa de pesquisas desenvolvido entre 1991 e 1994, “ O que o brasileiro pensa de Ecologia” Crespo e Leitão, 1993 no núcleo de pesquisa do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/CNPQ). Este programa de pesquisa possibilitou uma coleta de informações, feitas pelo IBOPE em 1992, sendo a primeira pesquisa de opinião pública, de âmbito nacional, a respeito da temática ambiental. Na amostra , 71% dos entrevistados revelaram ter muito ou algum interesse pelo meio ambiente.
[34] Nas religiões afro-brasileiras o orixá Oxossi representando as matas, Iemanjá representado o mar e Iansã as águas dos rios, enfim, todas as manifestações da natureza são divinas .
[35] 67% consideram a preservação da natureza mais importante do que o conforto trazido pelo progresso; e 72% concordaram, total ou parcialmente, com a idéia de ter menos emprego, se isso significar menos poluição.
[36] Dentro da Vila Autódromo temos moradores de baixa renda, comerciantes pequenos e médios, professores e militares da PM, inclusive um de alta patente – major e funcionários públicos de vários orgão estaduais e do poder judiciário. Dessa forma o espaço de relações sociais, como diria Bourdieu tem múltiplas determinações, ou seja, é de uma riqueza bem maior do que a início se poderia supor.
[37] Vide Lei Complementar nº 16, de 4 de junho de 1992. Conhecida como Plano Diretor. Anexo III, 26, p. 109. Anexo II, p.99
[38] Como exemplo de alegação, temos a determinação contida no PLANO DIRETOR, (1992, p.99) sobre o Índice de Aproveitamento do Terreno que nessa região é de 1, ou seja, a área construída não pode ultrapassar a metragem do terreno. Impedindo a construção em dois andares quando o terreno já estiver ocupado.
[39] O Plano Piloto é que dava as diretrizes para a ocupação da região.
[40] Foi feita uma série de reportagens no Jornal O Globo sobre o tema, vide MAGALHÃES 2005.
[41] Esses não foram contemplados com Termos de Concessão de Uso com direito real resolúvel.
[42] São duas oficinas de carro de competição e duas de karts. A localização privilegiada, em frente ao Autódromo, levou a que esses mecânicos se instalassem na comunidade. Sendo que um deles mora na mesma.
[43] Doado a essa entidade pela Governadora Benedita da Silva.
[44] Única escola de pilotagem do Estado do Rio de Janeiro.
[45] Uso misto é quando o imóvel serve a mais de uma finalidade, casa e comércio ( 2 casos), casa e pensão (1 ocorrência), casa e oficina (1 caso)
[46] Esclarecimento sobre a metodologia
adotada: o cadastro do ITERJ tem um campo para renda familiar. No entanto, a
regularização fundiária só é feita no caso de pessoas de baixa renda. Em conseqüência, quem está fora do padrão tende a
reduzir a renda.
[47] Foram identificados em relatório elaborado pelos arquitetos do ITERJ.
[48] Foram considerados “ricos” os moradores que possuem imóveis com alto padrão de construção. Foram identificados em relatório elaborado pelos arquitetos do ITERJ.
[49] Vide cópia do Jornal da Associação
de Moradores em anexo ( Nº do anexo)
[50] Valor que o Prefeito disse em entrevista, vide bibliografia, ter acautelado para gastar com os Jogos.
[51] Os Jogos Pan-Americanos e os Jogos de Inverno são usados pelo Comitê Olímpico como um prêmio de consolação para os países que não conseguiram sediar as Olimpíadas. Servem como uma espécie de vestibular para mostra a capacidade de uma cidade de realizar os Jogos Olímpicos. Que são o alvo maior.
[52] em implantação.
[53] Valor declarado pelo Prefeito como reservado para os gastos com os Pan.
[54] O falecido sociólogo Hebert de Souza, criador do IBASE e personagem do samba tema da anistia “O2 bêbado e o equilibrista” – quem sonha com a volta do irmão do Henfil... (o irmão do Henfil era o Betinho)
[55] Lei Municipal nº 3.758/04
[56] Quem havia defendido a comunidade na primeira tentativa de expulsão.
[57] Vide matérias de jornal a respeito na bibliografia.
[58] Termo de ajustamento de conduta ambiental é um contrato realizado entre a parte cedente a SEMADUR e a cessionária o morador. Reza que a parte cessionária se compromete a replantar, sob orientação da cedente, e não mais aterrar a lagoa. A punição em caso de descumprimento é de ter o contrato rescindido, ou seja, perder a casa.
[59] organização crítica da forma como os Jogos tem sido organizados tendo inclusive já realizado um seminário.
[60] Sendo essa uma articulação internacional que envolve uma entidade similar em São Domingos, última sede dos Jogos Pan-Americanos.
[61] Prefeitos: César Maia 1990-1994, Conde 1995- 1999, César Maia 2000-2004 e 2005 em diante.
[62] disponível no sitio do TSE (www.tse.gov.br).
[63] O partido político é um agrupamento que se reúne para alcançar o poder político. Para tanto é necessário vencer eleições. Dado que a cidade do Rio de Janeiro é a segunda maior do país. Fica evidente o empenho do partido para vencer essa eleição.