NÃO TENHO PAIS

Quando me mudei para a localidade de Richmond Hill, a primeira pessoa que conheci foi Richard.

Era um rapaz tão solícito que ainda me recordo quando veio gentilmente ajudar-me a descer com a mudança do caminhão. Sempre alegre, morava em uma das maiores casas daquele boulevard.

Ajudava-me sempre a limpar a neve do Driveway e sempre me oferecia carona no seu Mustang.

Era um belo rapaz ! Tinha seu próprio comércio e nunca se esquecia de mim com suas maravilhosas "cestas" durante o Natal.

Eu me admirava dele... Pensava nos seus pais... Como deveriam ter sido bons pais ! Eu realmente me admirava da educação que haviam lhe dado !

Um dia a minha curiosidade levou-me a perguntar-lhe sobre seus pais e sua família, visto que ele morava sozinho e apesar de conversarmos sobre muitas coisas, ele sempre mudava de assunto quando se tocava em questões de família.

Nesse dia, eu estava determinado a saber qual era o "Segredo de Richard". Quando foi o momento oportuno e notei que ele não podia esquivar-se, perguntei-lhe abertamente sobre seus pais, ao que ele simplesmente respondeu:

- Não tenho Pai e nem Mãe. Eles estão mortos!

Engoli em seco e jurei pra mim mesmo nunca mais voltar a ser indiscreto.

Alguns dias depois Richard viajou e pediu-me que tomasse conta de sua casa, o que aceitei com imensa satisfação visto que poderia retribuir um pouco dos favores que ele sempre me fizera.

Um dia, enquanto eu molhava as plantas de seu living room, o telefone tocou com insistência... e apesar dele ter me recomendado que não atendesse os seus telefonemas e sim que deixasse cair na secretaria eletrônica... novamente... movido pela curiosidade, resolvi atender.

Talvez eu realmente jamais deveria ter atendido àquele telefonema... era do asilo em que seus pais se encontravam, avisando que seu pai havia falecido, logo depois de sua mãe que também havia falecido um mês antes dele.

Engoli em seco, conversei um pouco com a assistente social e ela me disse que Richard não havia aparecido lá sequer para os funerais da mãe.

Como o asilo ficava na cidade vizinha e Richard iria ficar seis meses na Europa, resolvi me dirigir até lá e prestar-lhes meus tributos, pelo menos em retribuição por todos os favores que seu filho havia me prestado desde que me mudei para Richmond Hill.

Chegando lá conheci Tia Bessie, uma das primas do falecido e ela me contou toda a história. Disse-me que Richard era filho único, seus pais o haviam criado com todo o amor do mundo.

Eis aqui o relato de Tia Bessie:
- Vês como Richard é robusto? Pois ele foi amamentado até os dois anos de idade... sua mãe abandonou um emprego promissor apenas para cuidar dele. Vês a sua boa educação? Foi aluno da Universidade de Harvard e seu pai se sacrificou a vida inteira como carpinteiro para garantir-lhe sempre as melhores escolas. Vês como Richard se veste? Seus pais vestiam roupas rústicas para que ele pudesse usar as melhores grifes na Universidade. Vês o carro que ele tem? Seu pai nunca pode ter um daqueles, mas jurava que seu filho sempre teria o melhor.

Parecia-me tudo um pesadelo, a minha admiração por aquele rapaz ia sendo totalmente demolida na medida que Tia Bessie prosseguia com seu relato:

- Pois bem - prosseguiu ela - quando Richard, atingiu a idade da razão, começou a sentir vergonha da origem de seus pais, quase não os visitava e ao se unir com pessoas da alta classe, vendo que não tinha meios para se equiparar com elas, buscando ser aceito, uniu-se com alguns médicos e advogados inescrupulosos, forjaram um atestado de insanidade mental e internaram seus pais nesse asilo. Apesar de tudo, seus pais nunca duvidaram da bondade do filho e todos os dias, principalmente em datas como o Natal, esperavam pacientemente que Richard os viesse visitar.

Voltei daquele funeral com um imenso aperto no coração, as lágrimas e a neve do pára-brisa embotavam-me a visão. Escrevi a Richard dizendo-lhe que havia conseguido uma outra pessoa pra tomar conta de sua casa e antes mesmo que ele voltasse da Europa, mudei-me de Richmond Hill, pois não poderia voltar novamente a encará-lo.

Alguns anos depois fui convidado para fazer uma palestra sobre ateísmo. Comecei a ler tudo sobre Nietzche, Marx, Hegel, Kant ... mas nada saia do papel. Não sei porque, talvez pela Providencia Divina, por um momento me lembrei de Richard e foi como se o Senhor começasse a me ditar o discurso:

"Lembra-te como ficaste escandalizado com as ações de Richard? Pois Eu sou o vosso Deus, que assim como o Pelicano, rasgo o meu peito e vos nutro com a minha Carne e o meu Sangue... estou dia e noite no Tabernáculo, esperando, suspirando pela tua visita e tu nunca tens tempo. Fiquei nu sobre a cruz, para revestir-lhes da minha divindade..."

Tomei um susto, mas depois me recompus. Comecei então a meditar sobre meu comportamento e devagar pus-me a escrever minha palestra.

Da Revista "The Catholic Digest" Traduzido por Gercione Lima
Enviado por Meire Michelin

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