As Sentinelas do Sonho


      Entre as coisas maravilhosas de que a nossa vida está cheia, sonhar é certamente uma das mais fascinantes. Que são, afinal, essas visões fugitivas, aparentemente sem sentido, que nos atravessam o espírito enquanto dormimos? Serão apenas restos de pensamentos esquecidos, ou terão algum propósito, alguma utilidade? 

      Em primeiro lugar, é preciso acabar com essa crença leiga de que os sonhos possam ter relação com o futuro; são produto exclusivo de acontecimentos passados e presente. Apesar de sua aparência confusa, obedecem a determinados padrões, havendo tipos diversos de sonhos, comuns a todos nós. Sonhar é uma função normal do espírito, com fim e utilidade reais. Os sonhos são as sentinelas do sono. 

       Este conceito causará, talvez, certa surpresa aos leigos, que encaram os sonhos como agentes perturbadores do sono. A teoria das "sentinelas" apresentada há mais de 40 anos pelo dr. Sigmund Freud, não teve aceitação pronta e imediata. Entretanto, a maioria dos médicos de hoje crê que esse conceito é muito sensato e razoável. 

       Dormir é, para o corpo humano sadio, tão importante quanto comer e beber. Durante o sono, nossas células trabalham, armazenando as energias que vamos utilizar no dia seguinte. Tal processo seria impossível se o nosso consciente (prático, impaciente, cheio de esperanças e preocupações) não estivesse também adormecido. 

       No entanto, o consciente é apenas uma parte do nosso espírito. O resto é o subconsciente, repositório dos acontecimentos "esquecidos" da nossa vida toda. Essas lembranças, vagas e ocultas, terão tanto poder para estimular reações quanto as preocupações do dia que acaba de passar; assim, se viessem à tona do nosso espírito, haveriam de nos interromper o sono freqüentemente. Para evitar isso, a natureza fornece-nos um meio excelente de defesa: o mecanismo dos sonhos, cuja função é fantasiar para nós o vasto material que jaz no subconsciente, apresentando-o de maneira que nos perturbe o sono o menos possível. Quando acordados, nos lembramos daquilo que sonhamos, muitas vezes só nos vem à memória uma série fantástica de imagens sem sentido. 

       Os psicólogos reconhecem três espécies de impulsos perturbadores do sono, que podem produzir sonhos: primeiro, os estímulos que vêm de fora até os nossos sentidos adormecidos - um ruído, cheiro ou luz no quarto, ou qualquer coisa que nos toque o corpo; segundo, os "restos do dia", isto é, pensamentos ou preocupações recentes que continuam no nosso espírito mesmo depois de estarmos dormindo; e terceiro, aquelas experiências e desejos esquecidos que são filtrados do subconsciente. 

       Os sonhos causados por estímlos exteriores mostram com clareza que têm realmente essa função de protetores do sono: a qualquer pessoa pode acontecer "sonhar que está satisfazendo a sede", coisa tão comum entre os viajantes do deserto. Quem passou bastante tempo sem beber água, e comeu alguma coisa salgada antes de ir para a cama, há de sentir tanta sede durante o sono, que o repouso estará ameaçado. Daí, sonhar que está bebendo muita água, sofregamente... É como se o sonho, eterno vigilante, dissesse: "Ora, que sede qual nada! Que história é essa de sentir sede, quando há tanta água?" Depois disso, o sedento continuará dormindo pacificamente, a menos que a sede se torne tão intensa que a ação do sonho resulte inútil. 

       É muito comum a gente sonhar com o despertador; nesses casos, o sonho disfarça engenhosamente a campainha de alarme, tecendo com ela um história qualquer..."Despertador? Não! Você está é na igreja, com os sinos tangendo; ou então num escritório, onde um telefone estridente reclama que o atendam". Dado o estímulo, o sonho cria o cenário, fornece atores e adereços para o palco, tudo isso extraído da experiência de toda a vida de quem está dormindo. 

       Na maioria dos casos, a gente acaba acordando mesmo; mas, é forçoso admitir, o sonho fez o que pôde... 

       Aliás, algumas pessoas continuam em pleno sono, sonhando que já estão no escritório, trabalhando ativamente. 

       O Dr. Alfred Maury, cientista francês, registrou vários exemplos de sonhos artificialmente provocados. Durante algumas noites seguidas, um dos seus assistentes aplicava-lhe vários estímulos sensoriais enquanto ele dormia. Ao acordar, antes de saber quais tinham sido esses estímulos, o Dr. Maury descrevia seus sonhos. Assim, ficou registrado que um som metálico, produzido junto ao seu ouvido, fizera com que ele sonhasse com toques de campainhas. A fumaça dum fósforo produziu a imagem de um incêndio; e uma luz de cor, oscilando diante dos seus olhos, fê-lo sonhar com relâmpagos. Entretanto, em nenhuma dessas noites o Dr. Maury foi acordado pelos estímulos; continuou calmamente nos braços de Morfeu, protegido pelas fiéis sentinelas que são os sonhos. 

       Aqueles sonhos decorrentes de preocupações cotidianas que ficam pesando no espírito têm origem, em geral, aos acontecimentos da véspera, que, por qualquer razão, nos deixaram insatisfeitos. Suponhamos que uma menina ia com os pais a um parque, para um passeio de barco no lago e que, na hora de ir para casa, queria continuar passando. O que sucede é que, sendo contrariada no seu desejo, a garotinha acaba completando o passeio durante a noite, em sonhos... Assim, se não fosse a presteza com que o sonho veio trazer uma solução ao problema, aquele desejo insatisfeito teria impedido que a menina dormisse. 

       Da mesma forma, imaginemos um homem, normalmente ativo, mas obrigado a ficar de cama, no hospital, por algum tempo; protesta, resmunda que quer sair, andar ao sol, ver-se livre. Á noite, via-se ainda preso dessa obsessão de levantar-se e dar uma volta na rua; mas adormeceu, e dormindo sonhou com um passeio lento, delicioso, ao longo de um rio com margens belíssimas. 

       Vamos agora a um escritório: aí, o novo chefe de seção, todo cheio de si, chamou a atenção do contador, com exigências descabidas em relaçõa à escrituração. O funcionário, irritado, dirigiu-se para casa sem conseguir esquecer o incidente. Foi dormir, e sonhou que estava outra vez no escritório. Desta feita, porém, o chefe tinha o corpo de um menino de 10 anos, vestido de marinheiro, e pedalando um velocípede. O sonho parecia dizer: "Está vendo? Esse sujeito é um palhaço! Pra que é que você se há de preocupar com o que ele diz? Durma, que é melhor!" 

       Quando o impulso perturbador do sono provém do subconsciente, os sonhos vão buscar assunto nos cantos recônditos do nosso espírito. Lembra-se daquela noite em que sonhou que estava voando? Aquela visão que teve, de um vôo calmo sobre a multidão, por cima de casas e colinas, de um vôo feliz e despreocupado como o das aves, foi a expressão do desejo, que todos nós temos, de sermos capazes de vencer, sem dificuldade, todos os obstáculos que se nos apresentem. 

       Até mesmo os pesadelos têm as vezes, segundo afirmam os médicos, essa faculdade protetora do sono. Quase todos já fomos vítimas do "pesadelo do exame": vemo-nos de novo, em sonho, no ginásio ou na faculdade; é dia de exame e chegada a nossa vez; trata-se de matéria que estudamos bem, e que devíamos saber, mas, no momento de responder, não nos lembramos de nada... Um sonho desses é provocado pela ansiedade que nos causa algum problema dificil da vida; é o meio de que se serve o espírito para nos mostar que, a uma situação igualmente embaraçosa, no passado, tínhamos dado solução satisfatória. "Se daquela vez você se saiu bem, desta será a mesma coisa, nem se preocupe", parece segredar-nos o sonho. 

       A sensação de queda, quando estamos dormindo, pode provir de um estímulo psíquico ou físico. Muitos psicólogos acreditam que isso pode ter origem no medo, que porventura tenhamos, de descert de nível social. Por outro lado, pode suceder apenas que, com o movimento do corpo na cama, haja uma mudança de posição e consequente desequilíbrio da cabeça, provocando essa impressão de queda. 

       Alguma vez você já sonhou que estava nu, ou seminu, em algum lugar públco? Que situação desconcertante! Entretanto, nenhum dos outros personagens do sonho está reparando... Alguns cientistas dizem que quando temos esse sonho é porque jogamos a roupa de cama no chão com algum pontapé inconsciente. Outros o atribuem ao desejo, enraizado em quase todos os homens, de se libertarem das convenções. 

       Quanto aos sonhos chamados "proféticos", que tanto impressionam certas pessoas, os cientistas consideram-nos meras coincidências. Entretanto, alguns podem ser expllicado como sendo um truque engenhoso do nosso subconsciente. Um médico que, em certa época da vida, fazia coleção de ovos de pássaros, sonhou que, ao passar por uma estrda conhecida, descobriu a um canto, os ovos com que ele sonhara! Mostrando bom-senso, o médico não se espantou, nem saiu contando o sonho como sendo qualquer coisa sobrenatural. Diz ele: "Eu sempre passava por aquela estrada, preocupado, e não me lembrava de ter visto aquele ninho; mas evidentemente o meu inconsciente vira e registrara a existência dos ovos, ali naquele canto" 

       O Dr. Maury é de opinião que os sonhos mais intricados podem durar apenas alguns segundos. Outros pesquisadores dizem que isso varia muito de indivíduo para indivíduo. O Dr. Playfair, psiquiatra, declara: "As pessoas cuja imaginação é viva e rápida terão sonhos de curta duração; e os que pensam com método e vagar têm sonhos mais longos". 

       Os psicólogos são unânimes em afirmar que não temos domínio mental algum sobre os sonhos. Quem duvidar disso, faça o seguinte: 1) tente gravar no espírito tudo aquilo com que quiser sonhar; 2) tome a resolução de acordar se os sonhos forem diferentes dos que desejara. Terá no fim uma dupla decepção... 

       Não somos de modo algum responsáveis pelos nossos sonhos. As pessoas de coração puro aborrecem-se por terem frequentes sonhos de natureza sexual ou "pecaminosa"; entretanto, não devemos esquecer que até Santo Agostinho dava graças a Deus por não ser responsável pelo que fazia em sonhos. Todo ser humano está sujeito a paixões e impulsos que precisam ser dominados; se os afastamos da vida consciente, eles nos reaparecem no mundo dos sonhos. Os especialistas costumam referir-se ao que disse Platão: "O homem virtuoso contenta-se em sonhar com aquilo que o pecador faz". 

       Muitas vezes, sendo o elemento perturbador do sono mais forte que o mecanismo do sonho, surgem pesadelos assustadores, violentos, que nos fazem acordar, com suores frios e palpitações. Os médicos evitam entrar em generalizações quanto à causa desse fenômeno. Pode resultar de perturbações digestivas, conflitos emocionais, ou mesmo de má posição na cama; quem dorme de costas, com toda a roupa da cama sobe o peito, está sujeito a pesadelos. 

       "O que importa não é o sonho, ou a impressão deixada pelo sonho: o que importa é saber se dormimos razoavelmente a noite. Se foi esse o caso, então o sonho terá tido o seu efeito, e não há motivo para preocupações" 

       Durma bem e tenha bons sonhos. Durma bem, e tenha sonhos úteis.&


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