Poemas de Paulo Leminski
1.
eu ontem tive a impressão
que deus quis falar comigo
não lhe dei ouvidos
quem sou eu pra falar com deus?
ele que cuide dos seus assuntos
eu cuido dos meus
2. Amor Bastante
quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante
basta um instante
e você tem amor bastante
um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto
3.
Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
4. Ai daqueles
Ai daqueles
Que se amaram sem nenhuma briga
Aqueles que deixaram
Que a mágoa nova
Virasse a chaga antiga
Ai daqueles que se amaram
Sem saber que amar é pão feito em casa
E que a pedra só não voa
Porque não quer
Não porque não tem asa
Apagar-me
Apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme.
5. Desencontrários
Mandei a palavra rimar.
Ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
Em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
Sílaba silenciosa.
Mandei a frase sonhar,
E ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
Para conquistar um império extinto.
6.
Erra uma vez
nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez
7.
Um homem com uma dor
um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante
carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha
ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra
8.
Para a liberdade e luta
me enterrem com os trotskistas
na cova comum dos idealistas
onde jazem aqueles
que o poder não corrompeu
me enterrem com meu coração
na beira do rio
onde o joelho ferido
tocou a pedra da paixão
9.
Bem no Fundo
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.