A HISTÓRIA


Bem, antes de contar a história de SM J, tentarei decifrar o título: Marionette é uma palavra francesa que tem seu similar em português, marionete ou títere, e significa "boneco que se faz mover e gesticular por meio de cordéis" . J vem de Japoness, um dos países de Terra 2 e onde se desenvolve a trama. E por fim, Saber. Não encontrei nenhum site com explicação dessa palavra, então vou fazer uma especulação agora: verificando a palavra Saber em dicionários de inglês, a sua tradução é sabre, que são aquelas espadas largas usadas no Oriente Médio (quem já assistiu a um filme sobre Aladim, Alibabá e outros do gênero vai se lembrar). Assim sendo, as marionetes podem ser usadas como armas, mas não necessariamente no sentido belicoso, como veremos mais adiante.

Enfim, a história em si. O planeta onde se passa a trama foi colonizado inicialmente há 300 anos devido a um incidente. Naquela época muitas naves espaciais saíram da Terra superpovoada do século 22 em busca de novos locais onde a humanidade poderia continuar a viver. Uma dessas naves se chamava Mesopotâmia V (relembrando das aulas de História: a Mesopotâmia foi uma das primeiras grandes civilizações da antiguidade, de onde surgiu a vida urbana e a linguagem escrita; em grego significa "entre rios", o Eufrates e o Tigre, idéia que pode ser extendida aos personagens principais: Otaru e suas garotas de um lado e Fausto e suas marionetes de outro).

A nave Mesopotâmia V parte rumo ao desconhecido, e em algum ponto do universo, a espaçonave sofre uma grave avaria, forçando o abandono por parte de seus tripulantes através de uma nave menor, de escape, onde colocam todos os suprimentos necessários à sua sobrevivência. Má sorte? Não, pois o destino deixou-os bem próximos de um planeta desabitado mas com condições ambientais bastante favoráveis aos humanos. Os seis sobreviventes, todos do sexo masculino, se salvam e decidem batizar o novo planeta de Terra 2 (eles não foram nada criativos). Como eles não eram hippies para viverem em uma comunidade comum, em paz e harmonia, dividiram Terra 2 entre eles, surgindo assim: Japoness (Japão), Germania (Alemanha, também chamada Gartland), Petesburg (Rússia), Seian (ou Xi-An, China), New Texas (EUA) e Romana (Itália). Note que cada sobrevivente tinha uma origem, estabelecendo estados com características de sua cultura. Tudo isso que foi relatado não é um capítulo da série, e sim flashes que vão sendo revelados aos poucos durante a trama. E qual é a graça de se ter um enorme pedaço de terra estando sozinho? Quem irá plantar, construir? Mesmo que uma pessoa tivesse habilidades suficientes para atender a suas próprias necessidades, um dia ela fatalmente morreria. Eis que surge a grande solução: clonagem. A tecnologia da época em questão permite a clonagem humana, mas ela não está tão avançada a ponto de transformar o cromossomo Y em X. Assim sendo, os clones, todos homens, vão povoando os territórios e evoluindo como sociedade. Somente os clones puros, aqueles de linhagem direta com o sobrevivente e fundador do seu Estado podem suceder no governo.

Voltemos aos dias atuais. Terra 2 já está bem habitada e estruturada. Em Japoness, onde se passa a maior parte da história, os habitantes se vestem, moram e vivem de forma semelhante aos japoneses da era feudal (as casas são de madeira e existe um enorme castelo, do rei) embora tecnologicamente eles sejam bem adiantados (existem automóveis, robôs e a clonagem, só para citar três exemplos). Na minha opinião, essa forma de retratar Japoness foi uma homenagem dos criadores do anime às mulheres, mostrando que mesmo com toda a tecnologia disponível, os homens evoluiriam pouco (ou mais devagar) como sociedade, sem a presença delas.

É aí que encontraremos o jovem Otaru. Ele é pobre, mas muito trabalhador, responsável e honesto. Enfim, um cara bacana. Será ele quem irá despertar as três marionetes especiais (Lime, Cherry e Bloodberry). Se você é marinheiro de primeira viagem, deve estar se perguntando: "afinal, o que são as marionetes?". Pois bem, os homens de Terra 2, apesar de nenhum deles terem visto uma mulher de verdade, sentem a falta de uma companheira, de uma voz doce, de um rosto mais delicado, de um corpo mais curvilíneo (quando uma coisa é boa, a gente reconhece, mesmo nunca tendo visto antes, né?) Assim foram criadas robôs, andróides com feições femininas que estão à disposição de seus donos para fazerem as mais diversas tarefas, como afazeres domésticos, compras, segurança, companhia e até sexo (em SM J não há menção direta de que se usem as marionetes para fins sexuais, embora seja citado, no primeiro capítulo, que as marionetes possuem "1001 utilidades", quando Guen-san apresenta a sua a seus amigos. Já em SM J Again há uma passagem sim de que as marionetes podem fazer sexo, pelo menos as marionetes guerreiras, já que Luchs tenta seduzir Otaru para fazer "aquilo" que ela, Sibel e Pantha normalmente faziam com Fausto). Mas apesar de fisionomicamente perfeitas, as marionetes não passam de máquinas, só respondem a ordens (são passivas) e obviamente não exprimem sentimento algum. E não é qualquer habitante que consegue ter uma marionete, devido ao seu elevado custo de aquisição e manutenção.

Otaru irá, sempre sem querer, despertar a Lime, a Cherry e a Bloodberry, nesta ordem, que por sua vez irão adotar Otaru como seu amo. Elas são marionetes especiais pois têm um circuito, um processador, que as tornam capazes de irem aprendendo coisas novas sempre, tanto intelectualmente quanto emocionalmente. Esse circuito foi muito bem batizado de coração. O coração não só permite que se aprenda novas regras (de causa e efeito, o lado racional) como também permite o desenvolvimento dos sentimentos. Essa temática da humanização de andróides é recorrente na ficção, vide Exterminador do Futuro 2 ou O Homem Bicentenário. As três vão viver na casa de Otaru e irão brigar bastante pela atenção dele, o que rende boa diversão e um dos pontos altos do anime. O relacionamento entre as marionetes não é bem definido, ora elas são amigas, ora são quase irmãs e ora são rivais pelo amor de Otaru. Essa indefinição também marca o relacionamento de Otaru com as marionetes: em determinado momento ele se comporta como pai, em outro como irmão mais velho, como amigo ou namorado (bem discreto, entenda-se). Através da convivência, Otaru irá ensinar valores e educar as marionetes, tornando-se um professor para elas.

Durante a série J você não verá Otaru mostrar predileção por nenhuma das três, porque ele gosta delas de forma igual, embora eu acredite que a torcida para ele e a Lime ficarem juntos seja a maior de todas. Já em SM J Again podemos notar que Otaru e a Lime vão começar a despertar seus sentimentos um pelo outro, evidenciado naquela cena em que todos estão se aprontando para dormir e ele se flagra olhando a Lime se despir e fica envergonhado, assim como a Lime fica sem jeito também (note que, Otaru, apesar de já ter por volta de 17 anos, só está começando a despertar seu desejo pelo sexo oposto agora, devido à convivência com as marionetes. Como antes ele só vivia entre homens, esse atraso é compreensível. A vergonha da Lime vem do fato dela estar se desenvolvendo psico e emocionalmente, como se estivesse entrando na adolescência, e tomando mais contato e consciência do próprio corpo). Em SM J to X tudo volta a ser como em SM J, ou seja, as três continuam brigando pelo amor de Otaru, sem ele exprimir preferência por qualquer uma delas (mas num dos capítulos finais de J to X, antes das marionetes entrarem na nave do Dr. Hass para a batalha final, elas perguntam a Otaru qual delas ele escolheria, e ele diz! Mas você não ouvirá a resposta dele porque tudo à sua volta está um caos, com rochas se partindo, blocos subindo e descendo, obrigando assim que cada um tire sua própria conclusão).

Toda boa história necessita de um bom vilão, e em SM J não é diferente. Fausto é o líder de Gartland e quer conquistar Japoness a qualquer custo. Para isso, ele conta com um grande poderio militar e três marionetes especiais, as marionetes guerreiras (Sibel, Luchs e Pantha) que também possuem corações e são leais a Fausto. No original as marionetes guerreiras são as Saber Dolls: Tiger, Lunchs e Panther. Se você acha que Fausto é só um megalomaníaco, saiba que a sua real motivação é bem interessante.

Na época em que viajava na nave Mesopotâmia, Fausto conheceu Loreline, iniciando assim um relacionamento amoroso entre eles. Ieyasu, que também estava a bordo, chegou a conhecer os dois antes do incidente, e ele também gostava da Loreline, mas mais como uma irmã, na minha opinião. Loreline é jovem, bonita e uma cientista renomada e considerada uma "garota prodígio" por sua mente brilhante. O computador da nave é bem avançado e sofisticado, e ela estava trabalhando no desenvolvimento de novos circuitos complementares, com ênfase nos sentimentos, para que máquinas e humanos pudessem trabalhar juntos para um futuro melhor. Mais tarde, esse projeto da Loreline se tornará a base dos corações das marionetes especiais (isso explica porque Lime, Cherry e Bloodberry e mesmo as marionetes guerreiras têm suas fisionomias parecidas com ela). Mas Loreline não consegue escapar da nave, e a própria Mesopotâmia acaba aprisionando-a, mantendo-a em hibernação por esses 300 anos.

Fausto, num dos poucos contatos que pode manter com Loreline logo após o incidente, prometeu que a salvaria de qualquer maneira. Na época, ele, Ieyasu e os outros quatro sobreviventes pouco podiam fazer, mas Fausto jamais esqueceu de sua promessa.

Assim, salvando Loreline, que é uma mulher de verdade, Fausto, apesar da sua motivação egoísta, estaria beneficiando toda Terra 2, já que se poderia fazer clones dela, e a reprodução humana de forma natural seria restabelecida (sem falar na possibilidade da própria Loreline casar e ter filhos e, principalmente, filhas).

Existe uma característica interessante em alguns animes japoneses, que é a ausência do maniqueísmo clássico e tradicional, da luta do bem contra o mal, do mocinho contra o bandido, do certo contra o errado. Fausto não deve ser visto como, por exemplo, o Coringa, que é um vilão incorrigível, e sempre será (isso deve ser um dos motivos da cara sisuda de Batman - ele não consegue tirar férias e relaxar). Desse modo, você não precisa se sentir culpado se a determinada altura do anime perceber que está torcendo, pelo menos um pouco, por Fausto.

Ao longo do tempo, Fausto e Ieyasu ficam sabendo que Loreline é refém do computador da Mesopotâmia e que o modo de resgatá-la seria o de substituí-la, não por outra pessoa, mas por uma máquina igual ao computador. Eles então retomam o desenvolvimento, juntos, dos circuitos que podem simular emoções humanas, os corações. Por algum motivo, Fausto e Ieyasu deixam de ser amigos e cada um passa a desenvolver seus corações em separado. Os circuitos de Fausto são instalados em Sibel, Luchs e Pantha, enquanto os de Ieyasu em Lime, Cherry e Bloodberry. Mas o desenvolvimento dos corações não termina com a parte mecânica, física dos circuitos (o hardware). É necessário que ocorra o seu uso (o software), para que os sentimentos surjam e os bons sejam enaltecidos e os maus, reprimidos.

Durante a série, Fausto decide invadir Japoness, por ciúme, já que Ieyasu é um rival em potencial. Com o desenrolar dos fatos, ele fica sabendo que os corações de Lime, Cherry e Bloodberry estão bem adiantados no seu desenvolvimento, e decide roubá-los.

Com os principais personagens e motivações aqui apresentados, Otaru e as marionetes irão vivenciar muitas aventuras, emoções, lutas e situações engraçadas. Cada capítulo da série é usado para desenvolver a trama, e principalmente, mostrar o aprendizado emocional das marionetes. Nos capítulos finais, os corações de Lime, Cherry e Bloodberry atingem o ponto máximo de desenvolvimento, tornando-as humanas neste aspecto, já que decidem se sacrificar para salvar Otaru e toda Terra 2 do ataque furioso da Mesopotâmia, e resgatar Loreline. Mesmo sabendo que o único modo de aplacar a ira da nave é entregando seus próprios corações, implicando no desligamento e na morte de cada uma, as marionetes não hesitam em fazê-lo. O auto-sacrifício, por um motivo que se acredite justo, sem esperar nada em troca a não ser o bem-estar da pessoa amada, só é possível com a conscientização dos próprios sentimentos e a percepção dos sentimentos dos outros.

É claro que SM J não termina assim, de modo triste. Isso decepcionaria muita gente, não faz parte da proposta do anime (seria um final mais maduro) e acredito que até pudesse traumatizar algumas crianças. Fiquei sabendo que algumas delas (americanas) ficaram chocadas com a morte do pai de Simba, por atropelamento de dezenas de gnus, em O Rei Leão. E essa cena acontece no início do filme. Imagine o tamanho do impacto que SM J causaria então, depois de investir na empatia de Lime, Cherry e Bloodberry ao longo de 25 capítulos! SM J fez tanto sucesso que ganhou as seqüências SM J Again (que é um OVA) e SM J to X.


SM J agrada a praticamente a todos os públicos devido ao design gráfico, à trilha sonora (Megumi Hayashibara é a intérprete dos temas de abertura e encerramento da série), ao bom trabalho dos dubladores brasileiros e à diversidade de temas que aborda, como amizade, amor, ação, aventura, morte, superação, humor, erotismo, traição, dedicação e sensibilidade. As crianças logo se identificam com Lime, pela sua alegria, pureza e ingenuidade. Os garotos adolescentes podem apreciar as curvas de Bloodberry e das marionetes guerreiras. As garotas podem torcer por alguma marionete de sua preferência ou que o amor delas seja finalmente correspondido. Os que gostam de ação vão vibrar com os poderes sobre-humanos das andróides e de seus passeios pelos telhados dos edifícios, e todos podem se divertir com as trapalhadas do Hanada.

Os críticos de plantão podem achar SM um anime machista, já que Otaru e Fausto tem três garotas a sua disposição, ou ainda devido à criação das marionetes para basicamente atender as necessidades dos homens de Terra 2. A meu ver isso é uma visão superficial, primeiro, porque as marionetes não são mulheres de verdade (e os desenhistas fizeram questão de deixar isso claro, ao traçarem aquelas linhas retas nos braços delas, evidenciando externamente que são cyborgs). Em segundo lugar não há situações de humilhação ou desvalorização das marionetes de uma forma geral, principalmente da parte de Otaru ou dos personagens "bons". Em terceiro porque, para desenvolver um trama rico em emoções, é mais natural, eficiente e acertado que se usem personagens femininos para tal propósito. Finalmente, as marionetes são as personagens principais do enredo e no caso de Lime, Cherry e Bloodberry, elas são as heroínas da história.