As HQs Koânicas e os novos paradigmas científicos: da mente hilotrópica à holotrópica.

 

Autor: Gazy Andraus

 

Palavras-chave ¾ Histórias em Quadrinhos, Arte, Ciência

Resumo

As HQs autorais adultas ou Histórias em Quadrinhos são meios atuais de comunicação artística transitando por distintos gêneros, dentre os quais ressalta-se o fantástico-filosófico, que, em sendo autoral, ora reflete os ideários de seus criadores (já que imersos na sociedade), ora vaticina conceitos de vanguarda.

Pela física quântica o paradoxo se torna aceito, aproximando a ciência ocidental das filosofias do extremo oriente e seus koans-zen: mecanismos indutores da mente hilotrópica para que esta chegue à holotrópica (do grego: hile= matéria, holos =todo e trepein= mover-se a), já que, como demonstram as atuais pesquisas da ciência cognitiva, o cérebro emocional (intuição) é tão necessário quanto o racional (razão, cientificismo).

Este artigo quer fazer a reflexão da importância real existente na comunhão destes dois aspectos, que em verdade formam um todo (vide Stanislav Grof e Fritjof Capra, a título de ilustração), utilizando uma das manifestações comunicacionais-artísticas do ser humano: no caso as subestimadas HQs, que atualmente não surgem apenas no papel bidimensional (embora enfoquemos neste artigo preferencialmente este), mas sim navegam pela intersemiose de outras mídias, como o rádio, o vídeo e o computador. Tal pluridiversidade de aspectos permite que esta arte se transforme em algo distinto do original (porém conservando aspectos de sua característica primeva), ampliando a gama de ação. Com isto pode colaborar com a estratificação (ou não) destes novos paradigmas científicos, tanto para a comunidade acadêmica, como para o público em geral, possibilitando uma adequação mais veloz (e quiçá necessária) desta ponte de união entre a mente hilo para a holotrópica.

 

1-INTRODUÇÃO

As Histórias em Quadrinhos (HQs) são produtos da mente humana, formas de expressão aglutinadoras do cérebro racional (esquerdo) e intuitivo (direito), pois aliam o conhecimento e pesquisa científica na elaboração de roteiros, transmitidos através de textos, mesclados com a criatividade espontânea dos desenhos pessoais

(originados de pesquisa e/ou memória, além de inventados), criados em desencadeamento seqüencial de acordo com os desígnios da mente em atividade (a mente criativa).

Muitas destas narrativas têm por objetivo (consciente ou não) a metaforização de mitos e arquétipos universais da civilização humana registrados historicamente (ou não, como a lendária Atlântida, já descrita por Platão).

Alguns destes autores nacionais e estrangeiros (Edgar Franco, Flávio Calazans, Mozart Couto, Alan Moore, Jim Starlin, Stan Lee, Rick Veitch, Caza) parecem estar, com suas HQs , tentando penetrar em seus roteiros, a limítrofe linha entre o conhecido e o desconhecido, seja com citações místicas ou oriundas da física quântica.

Aproxima-se, na verdade, de se tentar demonstrar ao leitor que, assim como o pesquisador russo Stanislav Grof, afirma, a mente humana vivencia momentos de distinção, quando por vezes parece querer se suplantar, como quando há um chaveamento da mente hilotrópica à holotrópica.

O objetivo deste paper é mencionar que HQs também têm estes desígnios. Fato que conduz ao objetivo implícito de que o homem mental racional percebe e se apercebe que sua racionalidade é limitada, e que deve, de algum modo suplantá-la... mesmo que não saiba como realizá-lo (fazendo isto pelas metáforas, no caso, das HQs, utilizando-as como forma científica e até extra-científica).

 

 

2-JUSTIFICATIVA:

                Felicidade é o intento de cada ser humano, ainda que varie o significado da busca, bem como do entendimento de cada um, quanto ao que deva ser o objeto imediato ou até ulterior desta busca.

                Santo Agostinho chegou a refletir acerca desta procura: “Se perguntarmos a dois homens se querem alistar-se no exército, é possível que um responda que sim, outro que não. Porém, se lhes perguntarmos se querem ser felizes, ambos dizem logo sem hesitação, que sim, que o desejam, porque tanto o que quer ser militar como o que não quer têm um só fim em vista: o de serem felizes. Opta um por um emprego, e outro por outro. Mas ambos são unânimes em quererem ser felizes, como o seriam também se lhes perguntassem se queriam ter alegria. De fato, já chamam felicidade à alegria. Ainda que um siga por um caminho e outro por outro, esforçam-se por chegar a um só fim, que é alegrarem-se.”[i]

Por mais que tente, o homem, no ímpeto de buscar respostas para todas agruras mentais que o tem assolado em toda esta sua escalada histórica, até hoje (apesar dos esforços ditos científicos) não tem podido achar as respostas e nem viver num planeta com a paz que ele pensa almejar.

Na verdade, o fato de se usar a intelectualidade concernente à razão (ao fator racionalidade), que se exprime por uma lógica cartesiana de ação e efeito como única e exclusiva de se promover o engrandecimento e crescimento em todos os setores da vida humana, tendo como premissa o exclusivo egocentrismo humano, acabou por suprimir todas as outras formas que poderiam vir a ser de expressão “intelectual” da raça humana. Uma destas formas que vinha (e ainda vem) sendo descartada é a emocional.

A despeito de trabalhos de cientistas cognitivos atuais como Howard Gardner e Guy Claxton, ou ainda Steven Pinker dentre outros que existem atualmente, os padrões de comportamento ditados nas sociedades ocidentais tecnológicas obedecem sempre a uma conduta “estereotipada” oriunda do modo de pensar racional-científico, que coíbe especulações acreditadas contraditórias por tal padrão. E ainda assim, o próprio meio educacional das salas de aula, vislumbrou há pouco, que as interdisciplinaridades informacionais tinham que se dar às mãos, pois senão continuariam as incursões nos mesmos erros limitantes que sempre existiram nestes setores: erros que levam os alunos a se sentir como meras máquinas de trabalho sendo formatadas para servir à engrenagem social racionalista, impingindo-lhes toda sorte de formalismos castradores da emoção, formando adultos tecnicamente preparados para o meio profissional, mas imaturos no que concerne à vida emocional.

Todos estes traços apontam para as nem tão recentes considerações da física moderna, que veio completar a física desatualizada cartesiana, e também para as recentes descobertas de cientistas cognitivos, como os já mencionados anteriormente.

Em verdade, este modelo da existência de tudo no mundo, concernente à parte físico-química, constituinte básica do universo (elementos químicos que interagem entre si), prega que a existência funciona por causa de certos princípios coerentemente estruturais (como conseguinte tudo seria mecânico: o mundo, por exemplo, é uma máquina, cuja engrenagem está concatenada com o todo restante).

Eufrasio Prates, assim discorre sobre este sistema, conhecido como Reducionismo, uma das bases do positivismo, que acabou por ser assumido por gerações e gerações de pensadores e cientistas auferindo um modus operandi único e monárquico: “O reducionismo por ter se revelado eficaz e profícuo - garantindo à ciência a posição de destaque que hoje ocupa na sociedade - com o passar do tempo ganhou cada vez mais espaço, tornando-se um dos pilares na construção do positivismo. Já no final do século XIX, essa doutrina filosófica largamente disseminada no Ocidente baseia-se na redução da complexidade fenomênica do mundo a uma logicidade formal, de caráter essencialmente empiricista.”[ii]

Assim, para as gerações atuais, René Descartes (séc. XVII), é só um homem racionalista que emprestou uma frase sua (“Penso, logo existo”), deixando-a como legado “popular” a todos, cientistas ou leigos.

Em verdade, este modo reducionista de se compor os fatos, acabou, por um efeito semelhante ao que os intelectuais chamam de vulgarização quando se referem a tudo que o povo acolhe (o vulgo popular, ou pop), por se tornar uma faca de dois gumes. Em suma, o feitiço virou contra o feiticeiro: Descartes e Newton nunca foram reducionistas, nem exclusivamente racionalistas, pois ambos tinham uma grande verve vertendo ao espiritual, como nos alerta o mesmo pesquisador Prates: “René Descartes, o grande filósofo do século XVII, jamais concordaria com tais deduções. Sua obra apresenta um lado metafísico estrutural, onde o conceito de Deus desempenha um papel fundamental - da imutabilidade divina seguiam-se as três leis básicas da natureza. Discordaria também daquelas doutrinas o físico inglês Isaac Newton, descrito por seu biógrafo J. Maynard Keynes como um dos últimos grandes magos, por ser uma pessoa profundamente voltada ao lado espiritual e devido ao seu interesse pela  astrologia, alquimia e ocultismo.[iii]

Com isto, pode-se dizer que o meio científico, com a ênfase do positivismo e da materialidade exclusivista, simplesmente elegeu um lado do modo de se pensar, e também um lado reducionista dos dois pensadores citados, e, com o vício acadêmico da citação (o qual recorro agora), muitos “seguidores” seus continuaram a fazer a história da ciência e do universo, apenas alardeando para si e para todos aquilo que julgavam mais importante para suas pesquisas. E assim caminhou-se para o exclusivismo racionalista extremista. E, mesmo que talvez não aparentasse falhas, este sistema acabou se mostrando entrópico (como já era de se esperar), além de insuficiente para solucionar os problemas das questões vitais. Tornou-se uma fração repetida, pensando ser o todo, e, como nos alertara Feyerabend[iv], agindo como uma ciência racionalista gólgota, tal qual o era a Igreja na Idade Medieval. Mas agora, em vez de o clero apenas comandar por imposição de dogmas, a ciência faz o papel de escravocrata em seu lugar, impondo seus “dogmas” ferrenhos, e pior, indiscutíveis pois têm respaldo científico visível (mas talvez seja apenas uma mostra fragmentária de uma “verdade” que talvez, como nos alertou Pinker não esteja totalmente ao alcance de nossas mentes humanas):

“Inclino-me um pouco para uma solução diferente, defendida por McGinn e baseada em reflexões de Noam Chomski, do biólogo Gunther Stent e , antes deles, de David Hume. Talvez os problemas filosóficos sejam difíceis não porque sejam divinos, irredutíveis, sem sentido ou ciência rotineira, mas porque a mente do ‘Homo sapiens’ não dispõe do equipamento cognitivo para resolvê-los. Somos organismos, e não anjos, e nossa mente é um órgão, e não um conduto para a verdade.”[v]

                E dessa forma, foram eclodindo modos novos de se ver e fazer a ciência. David Bohm e Fritjof Capra acabaram por ser dois (de muitos outros) cientistas que repensaram tais conceitos científicos anacrônicos e reducionistas, chegando a traçar uma proximidade da física “real” com alguns pensamentos místico-religiosos, como o Zen budismo e o Taoísmo, do extremo oriente.

Especialmente Capra, alertando-nos em seus livros, que o átomo se portava não só como partícula, mas dependendo, como onda, esclareceu-nos que os paradoxos, os “milagres”, talvez assim aparentem ser, devido ao pensar exclusivista do homem racionalista ocidental que se privou de “outros lados” do fazer-se refletir.

Chegamos enfim ao Koan, questão-enigma sem resposta racional possível, expresso por um mestre budista, que talvez contenha em si um dos ensinamentos mais contundentes que o homem comum precisasse. Ou pelo menos funcionaria como um excelente mecanismo para que a mente deste homem tentasse alçar vôos mais altos (ou completos).

 “Qual o som que faz uma mão, ao bater das duas?”, ou ainda “Qual era seu rosto antes de você nascer?”, ou então: “Para onde vamos depois da morte física?”.

Estes são alguns Koans. Mensagens curtas, como hai kais, que pedem à mente do leitor uma parada momentânea em seu padrão cristalizado mental, rompendo padrões racionais, fazendo a mente vagar pela lógica, buscando uma resposta que a satisfaça. Como esta(s) resposta(s) não surge(m), a mente racional começa a ceder terreno para algo como a supra-mente, ou como nos diz o psiquiatra sueco Stanislav Grof: para “a mente holotrópica”.

Segundo o pesquisador, nossa psique atua em dois extremos. No primeiro, a realidade cotidiana é por nós vivida graças a um chaveamento da psique. Tal chaveamento torna a mente restritiva, analítica e detalhista (a mente hilotrópica). Quando este chaveamento é girado para o outro lado, a psique vê uma realidade em conjunto, onde a linearidade não existe (a mente holotrópica)[vi].

De acordo com Rubem Alves, teólogo, educador e psicanalista brasileiro: “Ciência dá saberes à cabeça e poderes para o corpo. Literatura e poesia dão pão para corpo e alegria para a alma. Ciência é fogo e panela: coisas indispensáveis na cozinha. Mas poesia é o frango com quiabo, deleite para quem gosta...”[vii]

Como dito, os koans se assemelham aos hai kais. Um poeta trabalha com a reunião da racionalidade (cérebro), mais a emocionalidade intuitiva (o coração).

Segundo o filósofo indiano Osho, o poeta Bashô tinha os mesmos princípios koânicos[viii] quando realizava seus textos poéticos, e o filósofo menor (e incompreendido) grego, Heráclito, fazia sínteses similares aos textos do Tao te King, quando lançava seus aforismos.

Rubem Alves explica citando ainda um aforismo de: “Angelus Silésius, místico que viveu no século XVII, e escrevia teologia poeticamente. "A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce." Essa frase curta se chama aforismo. Aforismo é uma frase que faz pensar e ilumina a vida. Silésius fala sobre a rosa como metáfora. No seu lugar você pode colocar o amor, a vida, um cachorrinho que corre, uma criança que brinca, uma canção que se canta, um carinho...”[ix]

3-HQs e Koans

Em minha dissertação de mestrado pude conjeturar a respeito das HQs que, tais quais hai kais, buscam pela síntese da informação suscitar koans em suas estruturas narrativas.

Embora as HQs ou Histórias em Quadrinhos existam como as conhecemos há quase cento e cinqüenta anos, foram iniciadas na aurora hominídea, quando os primeiros homens principiaram a narrar seus cotidianos dentro das grutas e cavernas que lhes serviam de guaritas. Antes da escrita (e esta, aliás, desenvolveu-se como um código baseado em desenhos, tais como os hieróglifos egípcios), eram os traços desenhados, que faziam os registros "escritos" do homem.

                A ruptura de o que eram as HQs, como algo ainda não conscientemente existente, para uma forma comunicacional nova e moderna, adveio da propagação jornalística, graças à prensa de Gutemberg, e a conseqüente evolução tecnológica (e torna-se mister rememorar que a palavra "técnica" tem a mesma significação original da palavra "arte[x]", ou seja, maneira de ser ou agir). Os jornais, enfim, impulsionaram as HQs, em formas de strip comics (tiras, faixas cômicas), do mercado de informação norte-americano para todo o mundo, impingindo sua hegemonia cultural aos poucos, consolidando o que se convencionou chamar de "cultura de massa". As Histórias em Quadrinhos no Brasil são chamadas de HQs, e as revistas que as publicam são alcunhadas de Gibis (gibi é um menino de cor negra). Já na França, chamam-se Bande Dessiné (BDs), o que significa literalmente banda desenhada, tal como em Portugal (que também as reconhece como histórias aos quadradinhos). Na Espanha Tebeo, na Itália Fumetti Manga no Japão, Historieta na Argentina e outros países sul-americanos, e Comics nos EUA.

                O fato de atrelarem-se as HQs ao gosto popular, pode bem ter sido um motivo de se manter o preconceito de subliteratura, desconsiderando-as como objeto literário maior ou de arte. A verdade é que as HQs têm gêneros diferenciados literários, além de serem criadas para distintas faixas etárias de público como os são a literatura escrita e o cinema.

Tal desinformação generalizada se perpetua sem o menor (re)conhecimento do jornalismo, mesmo o dito especializado. Nos anos 70, europeus (autores franceses e pesquisadores de nacionalidades distintas) elevaram os conceitos desta também chamada Nona Arte (chamando-a também de Literatura Imagética, ou da Imagem). As HQs foram pesquisadas com mais afinco, a partir daquela época, por intelectuais do porte de Umberto Eco, que auferiram valor cultural a elas. Mesmo no Brasil, Moacy Cirne, Antônio Cagnin, Flávio Calazans e Sônia Luyten repetiram à exaustão, a importância, antes desatenta, das HQs na sociedade. Bélgica e França possuem museus destinados a esta Nona Arte. Portugal mantém muitas “Bedetecas” (o equivalente a Gibitecas no Brasil), que são visitadas por professores e alunos, já que as publicações de HQs européias são em geral de material mais elaborado (formatos grandes e capas cartonadas ou mais duras). Se na literatura e no cinema temos produções comerciais, é verdade que também as temos como obras artísticas (mais apuradas e que requerem uma bagagem cultural maior do usuário). Ora, o mesmo existe para as Histórias em Quadrinhos. Mas neste ponto as parcas divulgações que teimam em acorrer este veículo, geralmente não têm servido além de insistir em fórmulas já desgastadas pelo preconceito de que as HQs são ótimas como mero passatempo, desde que não se as utilize em período escolar.

Muitos autores despontaram, ora refletindo, ora vaticinando fatos novos, como artistas que são.  Autores de HQs como o britânico Alan Moore e o norte-americano Joe Sacco enveredam por vezes em quadrinizações de cunho de denúncia ou jornalístico, como nas obras “Brought to Light” (Alan Moore e Christic Institute) e “Palestine in the Gaza Strip” (Joe Sacco). A primeira denuncia, com base em arquivos do órgão “The Christic Institute”, ações ilegais da CIA pelo mundo, dentre as quais estão terrorismo internacional e tráfico de drogas[xi]. Já a segunda, conta, em forma de HQs, a convivência in loco do autor, entre os palestinos, sitiados na zona divisória de Israel e Líbano, mostrando a luta deste povo para reaver suas terras.

Dos primórdios da HQ, passando esta arte por todos os movimentos sociais e históricos (pois toda a arte, por ser manifestação de um modo de ser e agir, reflete e influencia o decorrer da história dos povos), até as HQs de autores atuais afinados com a física quântica e filosofias orientais, como Alan Moore e Grant Morrison a muitos outros, como os brasileiros Mozart Couto e Antônio Amaral, trazem uma estética nova nas HQs, que não ficam apenas na bidimensionalidade dos papéis.

Alguns autores enveredam por outros meios, como o vídeo, o cinema e a música (além da Internet, que pode sintetizar e trazer novos modos de se mostrar as HQs). Na década de 80, o iugoslavo Enki Bilal, autor de HQs adultas e também cineasta, realizou os vídeo-clips (BD Clips), além de outro autor europeu Druillet, quando Pierre Levy era premiado por um curta metragem em Cannes. Antes da adequação destas HQs para o vídeo, outras enveredam por roteiros distintos, que parecem não ter uma formatação regular, como nos salientou Scott McCloud em seu livro “Desvendando os Quadrinhos”. São classificadas por ele de “Non-Sequitur”.  Henry Jaepelt, Edgar Franco, Antônio Amaral, Andrea Pazienza[xii], são todos autores que criam obras artísticas de HQs fragmentadas, poesias diretas para a mente cósmica, calando a racional que, ao tentar compreender seus significados, entra em colapso (como num “tilt” de máquina de fliperama), possibilitando assim a nova mente, a mente cósmica, intuitiva, “insight” direto (o caminho da mente hilotrópica à holotrópica).

São HQs poético-filosóficas, que não parecem ter roteiro claro e direto, obscuras como os poemas do Tao Te King, como os Koans ou os fragmentos do filósofo grego, Heráclito, “o obscuro” (como assim o chamava Aristóteles, talvez por ter incompreendido a profundidade holotrópica de seus dizeres).

Eu mesmo, por vezes, crio (sempre sob a influência da audição musical) HQs que não se enquadram no conceito “quadrinhos”. Alguns de meu roteiros são como os aforismos de William Blake ou as poesias de Bashô, ou ainda os ditos de Heráclito e o Tao te King, cujas ilustrações se iniciam e findam numa sucessão de umas cinco ou seis páginas, onde cada imagem toma o espaço total da folha, descaracterizando assim o quadrinho em si, ou mesmo a seqüencialização tradicional vertical das folhas. Outras vezes as próprias imagens continuadas obrigam as páginas de papel a serem lidas emendadas. Mesmo meus trabalhos artísticos em outros suportes têm muitas características das HQs. Num deles, realizada para uma disciplina da graduação, quando eu cursei a Faculdade de Artes (FAAP), pode-se notar o fator “quadrinhizador” e seqüencial das imagens (na obra “Máscaras” , mencionada em meu currículo em anexo).

Além deste trabalho, outros surgiram, mas merecem destaque a título de curiosidade e potencial, dois outros realizados durante o curso de mestrado no IA da Unesp, em São Paulo. Num deles eu “filmei” uma HQ minha, passeando com a câmera em cada página, realizando pequenos travellings e close-ups nas páginas, inserindo a narrativa do texto com minha voz, adicionando a ela uma trilha sonora. Noutro trabalho realizei o que chamei de “HQ Koânica ao Vivo”, que nada mais era a atuação minha, como se estivesse representando uma HQ “atuada”.

Convidado pela música Fernanda Furtado, para fazer um programa no seu “Sala de Concertos” - Momento Musical, da Rádio Universitária Am, 870 Mhz, em Goiânia/GO, executei duas HQs, (uma de minha autoria) inserindo a intersemiose das duas mídias, aglutinando-as em uma: rádiodifundi duas HQs. Rebatizei a técnica de plurimidiática (ou multimidiática), chamando estas HQs de “MúsicaHQs” ou “HQs radiofônicas”. Posteriormente, de posse de um CD matriz contendo a gravação na íntegra do programa, passei-a para o suporte fita K-7, o qual divulgo na forma de fanzine (FitazineHQ), e agora como CDZine.

Enfim o objetivo de todas estas manifestações de HQs visa o mesmo alvo: que a mente condicionada racional unilateral do leitor (a mente hilotrópica), “construa” a ponte faltante (gestalt) para a mente supra-consciente (a mente holotrópica).

4-CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tal artigo agrega à importância de se reconsiderar (e descobrir) o valor real das HQs (no caso, as HQs Koânicas), que auxiliem o fator científico de se buscar soluções para as questões essenciais do ser humano, a partir da junção dos novos paradigmas científicos com as visões “místicas” orientais, perfazendo a ponte da totalização mental do ser humano, transpondo-o ao patamar que ele parece agora estar se tornando consciente: o patamar da inteireza cósmica.

               

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[i] AGOSTINHO, Santo. Col. Os Pensadores. Nova Cultural: São Paulo, 1996, p. 281.

[ii] PRATES, op.cit., p.15.

[iii]PRATES, op.cit., p.15

Ruy Pérez Tamayo esclarece-nos um pouco mais sobre o pesquisador em seu livro “Existe el método científico?”: “Feyerabend identifica a la ciencia de nuestro siglo como el equivalente de la religión durante el medioevo. Pero a diferencia de los mismos autores, Feyerabend no concibe a la ciencia como una superación de las estructuras dogmáticas de esos tiempos sino simplesmente como una opción alternativa, igualmente irracional y autoritária, que finalmente triunfó no por su mayor coherencia lógica sino por su mejor rendimiento tecnológico.”

[iv] Ruy Pérez Tamayo esclarece-nos um pouco mais sobre o pesquisador em seu livro “Existe el método científico?”: “Feyerabend identifica a la ciencia de nuestro siglo como el equivalente de la religión durante el medioevo. Pero a diferencia de los mismos autores, Feyerabend no concibe a la ciencia como una superación de las estructuras dogmáticas de esos tiempos sino simplesmente como una opción alternativa, igualmente irracional y autoritária, que finalmente triunfó no por su mayor coherencia lógica sino por su mejor rendimiento tecnológico.”

PINKER, Steven. Como a mente funciona. São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 587.

[v] PINKER, Steven. Como a mente funciona. São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 587.

ARANTES, José Tadeu. Consciência sem limites. Galileu. n. 94, p. 79. Rio de Janeiro, Globo, 

[vi] ARANTES, José Tadeu. Consciência sem limites. Galileu. n. 94, p. 79. Rio de Janeiro, Globo, 

ALVES, Rubem. http://www.uol.com.br/rubemalves/hall/tempusfugit/albumderetratos/index.htm

[vii] ALVES, Rubem. http://www.uol.com.br/rubemalves/hall/tempusfugit/albumderetratos/index.htm

[viii] Neologismo designativo de HQs que contêm Koans em suas estruturas narrativas.

[ix] ALVES, Rubem. http://www.uol.com.br/rubemalves/hall/tempusfugit/albumderetratos/index.htm

[x] Arte, do latim, ars, artis: maneira de ser ou de agir; e technikós do grego: relativo à arte. (in HOUAISS, Antonio. Arte e Indústria. Rio de Janeiro: SENAI e Libris Editora, 1992, p. 9).

[xi] Este album foi recolhido pelo governo norte-americano.

[xii] Eu também sou autor de HQs filosóficas.