As
HQs Koânicas e os novos paradigmas científicos: da mente hilotrópica à
holotrópica.
Autor:
Gazy Andraus
Palavras-chave
¾
Histórias em Quadrinhos, Arte, Ciência
Resumo
As
HQs autorais adultas ou Histórias em Quadrinhos são meios atuais de comunicação
artística transitando por distintos gêneros, dentre os quais ressalta-se o
fantástico-filosófico, que, em sendo autoral, ora reflete os ideários de seus
criadores (já que imersos na sociedade), ora vaticina conceitos de vanguarda.
Pela
física quântica o paradoxo se torna aceito, aproximando a ciência ocidental
das filosofias do extremo oriente e seus koans-zen: mecanismos indutores da
mente hilotrópica para que esta chegue à holotrópica (do grego: hile=
matéria, holos =todo e trepein=
mover-se a), já que, como demonstram as atuais pesquisas da ciência cognitiva,
o cérebro emocional (intuição) é tão necessário quanto o racional (razão,
cientificismo).
Este artigo
quer fazer a reflexão da importância real existente na comunhão destes dois
aspectos, que em verdade formam um todo (vide Stanislav Grof e Fritjof Capra, a
título de ilustração), utilizando uma das manifestações comunicacionais-artísticas
do ser humano: no caso as subestimadas HQs, que atualmente não surgem apenas no
papel bidimensional (embora enfoquemos neste artigo preferencialmente este), mas
sim navegam pela intersemiose de outras mídias, como o rádio, o vídeo e o
computador. Tal pluridiversidade de aspectos permite que esta arte se transforme
em algo distinto do original (porém conservando aspectos de sua característica
primeva), ampliando a gama de ação. Com isto pode colaborar com a estratificação
(ou não) destes novos paradigmas científicos, tanto para a comunidade acadêmica,
como para o público em geral, possibilitando uma adequação mais veloz (e quiçá
necessária) desta ponte de união entre a mente hilo para a holotrópica.
1-INTRODUÇÃO
As
Histórias em Quadrinhos (HQs) são produtos da mente humana, formas de expressão
aglutinadoras do cérebro racional (esquerdo) e intuitivo (direito), pois aliam
o conhecimento e pesquisa científica na elaboração de roteiros, transmitidos
através de textos, mesclados com a criatividade espontânea dos desenhos
pessoais
(originados de pesquisa
e/ou memória, além de inventados), criados em desencadeamento seqüencial de
acordo com os desígnios da mente em atividade (a mente criativa).
Muitas
destas narrativas têm por objetivo (consciente ou não) a metaforização de
mitos e arquétipos universais da civilização humana registrados
historicamente (ou não, como a lendária Atlântida, já descrita por Platão).
Alguns
destes autores nacionais e estrangeiros (Edgar Franco, Flávio Calazans, Mozart
Couto, Alan Moore, Jim Starlin, Stan Lee, Rick Veitch, Caza) parecem estar, com
suas HQs , tentando penetrar em seus roteiros, a limítrofe linha entre o
conhecido e o desconhecido, seja com citações místicas ou oriundas da física
quântica.
Aproxima-se,
na verdade, de se tentar demonstrar ao leitor que, assim como o pesquisador
russo Stanislav Grof, afirma, a mente humana vivencia momentos de distinção,
quando por vezes parece querer se suplantar, como quando há um chaveamento da
mente hilotrópica à holotrópica.
O
objetivo deste paper é mencionar que HQs também têm estes desígnios.
Fato que conduz ao objetivo implícito de que o homem mental racional percebe e
se apercebe que sua racionalidade é limitada, e que deve, de algum modo suplantá-la...
mesmo que não saiba como realizá-lo (fazendo isto pelas metáforas, no caso,
das HQs, utilizando-as como forma científica e até extra-científica).
2-JUSTIFICATIVA:
Felicidade é o intento de cada ser humano, ainda que varie o significado
da busca, bem como do entendimento de cada um, quanto ao que deva ser o objeto
imediato ou até ulterior desta busca.
Santo Agostinho chegou a refletir acerca desta procura: “Se
perguntarmos a dois homens se querem alistar-se no exército, é possível que
um responda que sim, outro que não. Porém, se lhes perguntarmos se querem ser
felizes, ambos dizem logo sem hesitação, que sim, que o desejam, porque tanto
o que quer ser militar como o que não quer têm um só fim em vista: o de serem
felizes. Opta um por um emprego, e outro por outro. Mas ambos são unânimes em
quererem ser felizes, como o seriam também se lhes perguntassem se queriam ter
alegria. De fato, já chamam felicidade à alegria. Ainda que um siga por um
caminho e outro por outro, esforçam-se por chegar a um só fim, que é
alegrarem-se.”[i]
Por
mais que tente, o homem, no ímpeto de buscar respostas para todas agruras
mentais que o tem assolado em toda esta sua escalada histórica, até hoje
(apesar dos esforços ditos científicos) não tem podido achar as respostas e
nem viver num planeta com a paz que ele pensa almejar.
Na
verdade, o fato de se usar a intelectualidade concernente à razão (ao fator
racionalidade), que se exprime por uma lógica cartesiana de ação e efeito
como única e exclusiva de se promover o engrandecimento e crescimento em todos
os setores da vida humana, tendo como premissa o exclusivo egocentrismo humano,
acabou por suprimir todas as outras formas que poderiam vir a ser de expressão
“intelectual” da raça humana. Uma destas formas que vinha (e ainda vem)
sendo descartada é a emocional.
A
despeito de trabalhos de cientistas cognitivos atuais como Howard Gardner e Guy
Claxton, ou ainda Steven Pinker dentre outros que existem atualmente, os padrões
de comportamento ditados nas sociedades ocidentais tecnológicas obedecem sempre
a uma conduta “estereotipada” oriunda do modo de pensar racional-científico,
que coíbe especulações acreditadas contraditórias por tal padrão. E ainda
assim, o próprio meio educacional das salas de aula, vislumbrou há pouco, que
as interdisciplinaridades informacionais tinham que se dar às mãos, pois senão
continuariam as incursões nos mesmos erros limitantes que sempre existiram
nestes setores: erros que levam os alunos a se sentir como meras máquinas de
trabalho sendo formatadas para servir à engrenagem social racionalista,
impingindo-lhes toda sorte de formalismos castradores da emoção, formando
adultos tecnicamente preparados para o meio profissional, mas imaturos no que
concerne à vida emocional.
Todos
estes traços apontam para as nem tão recentes considerações da física
moderna, que veio completar a física desatualizada cartesiana, e também para
as recentes descobertas de cientistas cognitivos, como os já mencionados
anteriormente.
Em verdade, este modelo da
existência de tudo no mundo, concernente à parte físico-química,
constituinte básica do universo (elementos químicos que interagem entre si),
prega que a existência funciona por causa de certos princípios coerentemente
estruturais (como conseguinte tudo seria mecânico: o mundo, por exemplo, é uma
máquina, cuja engrenagem está concatenada com o todo restante).
Eufrasio
Prates, assim discorre sobre este sistema, conhecido como Reducionismo, uma das bases do positivismo,
que acabou por ser assumido por gerações e gerações de pensadores e
cientistas auferindo um modus operandi
único e monárquico: “O reducionismo
por ter se revelado eficaz e profícuo - garantindo à ciência a posição de
destaque que hoje ocupa na sociedade - com o passar do tempo ganhou cada vez
mais espaço, tornando-se um dos pilares na construção do positivismo. Já no
final do século XIX, essa doutrina filosófica largamente disseminada no
Ocidente baseia-se na redução da complexidade fenomênica do mundo a uma
logicidade formal, de caráter essencialmente empiricista.”[ii]
Assim,
para as gerações atuais, René Descartes (séc. XVII), é só um homem
racionalista que emprestou uma frase sua (“Penso,
logo existo”), deixando-a como legado “popular” a todos, cientistas ou
leigos.
Em
verdade, este modo reducionista de se compor os fatos, acabou, por um efeito
semelhante ao que os intelectuais chamam de vulgarização
quando se referem a tudo que o povo acolhe (o vulgo popular, ou pop), por se
tornar uma faca de dois gumes. Em suma, o feitiço virou contra o feiticeiro:
Descartes e Newton nunca foram reducionistas, nem exclusivamente racionalistas,
pois ambos tinham uma grande verve vertendo ao espiritual, como nos alerta o
mesmo pesquisador Prates: “René
Descartes, o grande filósofo do século XVII, jamais concordaria com tais deduções.
Sua obra apresenta um lado metafísico estrutural, onde o conceito de Deus
desempenha um papel fundamental - da imutabilidade divina seguiam-se as três
leis básicas da natureza. Discordaria também daquelas doutrinas o físico inglês
Isaac Newton, descrito por seu biógrafo J. Maynard Keynes como um dos últimos
grandes magos, por ser uma pessoa profundamente voltada ao lado espiritual e
devido ao seu interesse pela astrologia,
alquimia e ocultismo.”[iii]
Com isto, pode-se dizer
que o meio científico, com a ênfase do positivismo e da materialidade
exclusivista, simplesmente elegeu um lado do modo de se pensar, e também um
lado reducionista dos dois pensadores
citados, e, com o vício acadêmico da citação (o qual recorro agora), muitos
“seguidores” seus continuaram a fazer a história da ciência e do universo,
apenas alardeando para si e para todos aquilo que julgavam mais importante para
suas pesquisas. E assim caminhou-se para o exclusivismo racionalista extremista.
E, mesmo que talvez não aparentasse falhas, este sistema acabou se mostrando
entrópico (como já era de se esperar), além de insuficiente para solucionar
os problemas das questões vitais. Tornou-se uma fração repetida, pensando ser
o todo, e, como nos alertara Feyerabend[iv],
agindo como uma ciência racionalista gólgota, tal qual o era a Igreja na Idade
Medieval. Mas agora, em vez de o clero apenas comandar por imposição de
dogmas, a ciência faz o papel de escravocrata em seu lugar, impondo seus
“dogmas” ferrenhos, e pior, indiscutíveis pois têm respaldo científico
visível (mas talvez seja apenas uma mostra fragmentária de uma “verdade”
que talvez, como nos alertou Pinker não esteja totalmente ao alcance de nossas
mentes humanas):
“Inclino-me
um pouco para uma solução diferente, defendida por McGinn e baseada em reflexões
de Noam Chomski, do biólogo Gunther Stent e , antes deles, de David Hume.
Talvez os problemas filosóficos sejam difíceis não porque sejam divinos,
irredutíveis, sem sentido ou ciência rotineira, mas porque a mente do ‘Homo
sapiens’ não dispõe do equipamento cognitivo para resolvê-los. Somos
organismos, e não anjos, e nossa mente é um órgão, e não um conduto para a
verdade.”[v]
E dessa forma, foram eclodindo modos novos de se ver e fazer a ciência.
David Bohm e Fritjof Capra acabaram por ser dois (de muitos outros) cientistas
que repensaram tais conceitos científicos anacrônicos e reducionistas,
chegando a traçar uma proximidade da física “real” com alguns pensamentos
místico-religiosos, como o Zen budismo e o Taoísmo, do extremo oriente.
Especialmente
Capra, alertando-nos em seus livros, que o átomo se portava não só como partícula,
mas dependendo, como onda, esclareceu-nos que os paradoxos, os “milagres”,
talvez assim aparentem ser, devido ao pensar exclusivista do homem racionalista
ocidental que se privou de “outros lados” do fazer-se refletir.
Chegamos
enfim ao Koan, questão-enigma sem resposta racional possível, expresso por um
mestre budista, que talvez contenha em si um dos ensinamentos mais contundentes
que o homem comum precisasse. Ou pelo menos funcionaria como um excelente
mecanismo para que a mente deste homem tentasse alçar vôos mais altos (ou
completos).
“Qual
o som que faz uma mão, ao bater das duas?”,
ou ainda “Qual era seu rosto antes de você nascer?”, ou então: “Para
onde vamos depois da morte física?”.
Estes
são alguns Koans. Mensagens curtas, como hai kais, que pedem à mente do leitor
uma parada momentânea em seu padrão cristalizado mental, rompendo padrões
racionais, fazendo a mente vagar pela lógica, buscando uma resposta que a
satisfaça. Como esta(s) resposta(s) não surge(m), a mente racional começa a
ceder terreno para algo como a supra-mente, ou como nos diz o psiquiatra sueco
Stanislav Grof: para “a mente holotrópica”.
Segundo
o pesquisador, nossa psique atua em dois extremos. No primeiro, a realidade
cotidiana é por nós vivida graças a um chaveamento da psique. Tal chaveamento
torna a mente restritiva, analítica e detalhista (a mente hilotrópica). Quando
este chaveamento é girado para o outro lado, a psique vê uma realidade em
conjunto, onde a linearidade não existe (a mente holotrópica)[vi].
De
acordo com Rubem Alves, teólogo, educador e psicanalista brasileiro: “Ciência
dá saberes à cabeça e poderes para o corpo. Literatura e poesia dão pão
para corpo e alegria para a alma. Ciência é fogo e panela: coisas indispensáveis
na cozinha. Mas poesia é o frango com quiabo, deleite para quem gosta...”[vii]
Como
dito, os koans se assemelham aos hai kais. Um poeta trabalha com a reunião
da racionalidade (cérebro), mais a emocionalidade intuitiva (o coração).
Segundo
o filósofo indiano Osho, o poeta Bashô tinha os mesmos princípios koânicos[viii]
quando realizava seus textos poéticos, e o filósofo menor (e incompreendido)
grego, Heráclito, fazia sínteses similares aos textos do Tao te King, quando
lançava seus aforismos.
Rubem
Alves explica citando ainda um aforismo de: “Angelus
Silésius, místico que viveu no século XVII, e escrevia teologia poeticamente.
"A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce." Essa frase
curta se chama aforismo. Aforismo é uma frase que faz pensar e ilumina a vida.
Silésius fala sobre a rosa como metáfora. No seu lugar você pode colocar o
amor, a vida, um cachorrinho que corre, uma criança que brinca, uma canção
que se canta, um carinho...”[ix]
3-HQs
e Koans
Em
minha dissertação de mestrado pude conjeturar a respeito das HQs que, tais
quais hai kais, buscam pela síntese da informação suscitar koans em suas
estruturas narrativas.
Embora
as HQs ou Histórias em Quadrinhos existam como as conhecemos há quase cento e
cinqüenta anos, foram iniciadas na aurora hominídea, quando os primeiros
homens principiaram a narrar seus cotidianos dentro das grutas e cavernas que
lhes serviam de guaritas. Antes da escrita (e esta, aliás, desenvolveu-se como
um código baseado em desenhos, tais como os hieróglifos egípcios), eram os
traços desenhados, que faziam os registros "escritos" do homem.
A ruptura de o que eram as HQs, como algo ainda não conscientemente
existente, para uma forma comunicacional nova e moderna, adveio da propagação
jornalística, graças à prensa de Gutemberg, e a conseqüente evolução
tecnológica (e torna-se mister rememorar que a palavra "técnica" tem
a mesma significação original da palavra "arte[x]",
ou seja, maneira de ser ou agir). Os jornais, enfim, impulsionaram as HQs, em
formas de strip comics (tiras, faixas
cômicas), do mercado de informação norte-americano para todo o mundo,
impingindo sua hegemonia cultural aos poucos, consolidando o que se convencionou
chamar de "cultura de massa". As Histórias em Quadrinhos no Brasil são
chamadas de HQs, e as revistas que as publicam são alcunhadas de Gibis (gibi é
um menino de cor negra). Já na França, chamam-se Bande
Dessiné (BDs), o que significa literalmente banda desenhada, tal como em
Portugal (que também as reconhece como histórias aos quadradinhos). Na Espanha
Tebeo, na Itália Fumetti Manga
no Japão, Historieta na Argentina e outros países sul-americanos, e Comics
nos EUA.
O fato de atrelarem-se as HQs ao gosto popular, pode bem ter sido um
motivo de se manter o preconceito de subliteratura, desconsiderando-as como
objeto literário maior ou de arte. A verdade é que as HQs têm gêneros
diferenciados literários, além de serem criadas para distintas faixas etárias
de público como os são a literatura escrita e o cinema.
Tal
desinformação generalizada se perpetua sem o menor (re)conhecimento do
jornalismo, mesmo o dito especializado. Nos anos 70, europeus (autores franceses
e pesquisadores de nacionalidades distintas) elevaram os conceitos desta também
chamada Nona Arte (chamando-a também de Literatura Imagética, ou da Imagem).
As HQs foram pesquisadas com mais afinco, a partir daquela época, por
intelectuais do porte de Umberto Eco, que auferiram valor cultural a elas. Mesmo
no Brasil, Moacy Cirne, Antônio Cagnin, Flávio Calazans e Sônia Luyten
repetiram à exaustão, a importância, antes desatenta, das HQs na sociedade. Bélgica
e França possuem museus destinados a esta Nona Arte. Portugal mantém muitas
“Bedetecas” (o equivalente a Gibitecas no Brasil), que são visitadas por
professores e alunos, já que as publicações de HQs européias são em geral
de material mais elaborado (formatos grandes e capas cartonadas ou mais duras).
Se na literatura e no cinema temos produções comerciais, é verdade que também
as temos como obras artísticas (mais apuradas e que requerem uma bagagem
cultural maior do usuário). Ora, o mesmo existe para as Histórias em
Quadrinhos. Mas neste ponto as parcas divulgações que teimam em acorrer este
veículo, geralmente não têm servido além de insistir em fórmulas já
desgastadas pelo preconceito de que as HQs são ótimas como mero passatempo,
desde que não se as utilize em período escolar.
Muitos autores
despontaram, ora refletindo, ora vaticinando fatos novos, como artistas que são.
Autores de HQs como o britânico Alan Moore e o norte-americano Joe Sacco
enveredam por vezes em quadrinizações de cunho de denúncia ou jornalístico,
como nas obras “Brought to Light” (Alan Moore e Christic Institute) e
“Palestine in the Gaza Strip” (Joe Sacco). A primeira denuncia, com base em
arquivos do órgão “The Christic Institute”, ações ilegais da CIA pelo
mundo, dentre as quais estão terrorismo internacional e tráfico de drogas[xi].
Já a segunda, conta, em forma de HQs, a convivência in loco do autor, entre os palestinos, sitiados na zona divisória
de Israel e Líbano, mostrando a luta deste povo para reaver suas terras.
Dos
primórdios da HQ, passando esta arte por todos os movimentos sociais e históricos
(pois toda a arte, por ser manifestação de um modo de ser e agir, reflete e
influencia o decorrer da história dos povos), até as HQs de autores atuais
afinados com a física quântica e filosofias orientais, como Alan Moore e Grant
Morrison a muitos outros, como os brasileiros Mozart Couto e Antônio Amaral,
trazem uma estética nova nas HQs, que não ficam apenas na bidimensionalidade
dos papéis.
Alguns
autores enveredam por outros meios, como o vídeo, o cinema e a música (além
da Internet, que pode sintetizar e trazer novos modos de se mostrar as HQs). Na
década de 80, o iugoslavo Enki Bilal, autor de HQs adultas e também cineasta,
realizou os vídeo-clips (BD Clips),
além de outro autor europeu Druillet, quando Pierre Levy era premiado por um
curta metragem em Cannes. Antes da adequação destas HQs para o vídeo, outras
enveredam por roteiros distintos, que parecem não ter uma formatação regular,
como nos salientou Scott McCloud em seu livro “Desvendando os Quadrinhos”. São
classificadas por ele de “Non-Sequitur”.
Henry Jaepelt, Edgar Franco, Antônio Amaral, Andrea Pazienza[xii], são todos autores que
criam obras artísticas de HQs fragmentadas, poesias diretas para a mente cósmica,
calando a racional que, ao tentar compreender seus significados, entra em
colapso (como num “tilt” de máquina de fliperama), possibilitando assim a
nova mente, a mente cósmica, intuitiva, “insight” direto (o caminho da
mente hilotrópica à holotrópica).
São
HQs poético-filosóficas, que não parecem ter roteiro claro e direto, obscuras
como os poemas do Tao Te King, como os Koans ou os fragmentos do filósofo
grego, Heráclito, “o obscuro” (como assim o chamava Aristóteles, talvez
por ter incompreendido a profundidade holotrópica de seus dizeres).
Eu mesmo, por vezes, crio
(sempre sob a influência da audição musical) HQs que não se enquadram no
conceito “quadrinhos”. Alguns de meu roteiros são como os aforismos de
William Blake ou as poesias de Bashô, ou ainda os ditos de Heráclito e o Tao
te King, cujas ilustrações se iniciam e findam numa sucessão de umas cinco ou
seis páginas, onde cada imagem toma o espaço total da folha, descaracterizando
assim o quadrinho em si, ou mesmo a seqüencialização tradicional vertical das
folhas. Outras vezes as próprias imagens continuadas obrigam as páginas de
papel a serem lidas emendadas. Mesmo meus trabalhos artísticos em outros
suportes têm muitas características das HQs. Num deles, realizada para uma
disciplina da graduação, quando eu cursei a Faculdade de Artes (FAAP), pode-se
notar o fator “quadrinhizador” e seqüencial das imagens (na obra “Máscaras”
, mencionada em meu currículo em anexo).
Além
deste trabalho, outros surgiram, mas merecem destaque a título de curiosidade e
potencial, dois outros realizados durante o curso de mestrado no IA da Unesp, em
São Paulo. Num deles eu “filmei” uma HQ minha, passeando com a câmera em
cada página, realizando pequenos travellings
e close-ups nas páginas, inserindo a
narrativa do texto com minha voz, adicionando a ela uma trilha sonora. Noutro
trabalho realizei o que chamei de “HQ Koânica ao Vivo”, que nada mais era a
atuação minha, como se estivesse representando uma HQ “atuada”.
Convidado
pela música Fernanda Furtado, para fazer um programa no seu “Sala de
Concertos” - Momento Musical, da Rádio Universitária Am, 870 Mhz, em Goiânia/GO,
executei duas HQs, (uma de minha autoria) inserindo a intersemiose das duas mídias,
aglutinando-as em uma: rádiodifundi duas HQs. Rebatizei a técnica de plurimidiática
(ou multimidiática), chamando estas HQs de “MúsicaHQs” ou “HQs radiofônicas”.
Posteriormente, de posse de um CD matriz contendo a gravação na íntegra do
programa, passei-a para o suporte fita K-7, o qual divulgo na forma de fanzine (FitazineHQ),
e agora como CDZine.
Enfim
o objetivo de todas estas manifestações de HQs visa o mesmo alvo: que a mente
condicionada racional unilateral do leitor (a mente hilotrópica),
“construa” a ponte faltante (gestalt) para a mente supra-consciente (a mente
holotrópica).
4-CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Tal
artigo agrega à importância de se reconsiderar (e descobrir) o valor real das
HQs (no caso, as HQs Koânicas), que auxiliem o fator científico de se
buscar soluções para as questões essenciais do ser humano, a partir da junção
dos novos paradigmas científicos com as visões “místicas” orientais,
perfazendo a ponte da totalização mental do ser humano, transpondo-o ao
patamar que ele parece agora estar se tornando consciente: o patamar da
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[ii] PRATES, op.cit., p.15.
[iii]PRATES, op.cit., p.15
Ruy Pérez Tamayo esclarece-nos um pouco mais
sobre o pesquisador em seu livro “Existe el método científico?”:
“Feyerabend identifica a la ciencia de nuestro siglo como el equivalente
de la religión durante el medioevo. Pero
a diferencia de los mismos autores, Feyerabend no concibe a la ciencia como
una superación de las estructuras dogmáticas de esos tiempos sino
simplesmente como una opción alternativa, igualmente irracional y autoritária,
que finalmente triunfó no por su mayor coherencia lógica sino por su mejor
rendimiento tecnológico.”
[iv]
Ruy Pérez Tamayo esclarece-nos um pouco mais sobre o pesquisador em seu
livro “Existe el método científico?”: “Feyerabend identifica a la
ciencia de nuestro siglo como el equivalente de la religión durante el
medioevo. Pero a diferencia de los mismos autores, Feyerabend no concibe a
la ciencia como una superación de las estructuras dogmáticas de esos
tiempos sino simplesmente como una opción alternativa, igualmente
irracional y autoritária, que finalmente triunfó no por su mayor
coherencia lógica sino por su mejor rendimiento tecnológico.”
PINKER, Steven. Como a mente funciona. São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 587.
[v] PINKER, Steven. Como a mente funciona. São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 587.
ARANTES, José Tadeu. Consciência sem limites. Galileu. n. 94, p. 79. Rio de Janeiro, Globo,
[vi] ARANTES, José Tadeu. Consciência sem limites. Galileu. n. 94, p. 79. Rio de Janeiro, Globo,
ALVES, Rubem. http://www.uol.com.br/rubemalves/hall/tempusfugit/albumderetratos/index.htm
[viii] Neologismo designativo de HQs que contêm Koans em suas estruturas narrativas.
[x] Arte, do latim, ars, artis: maneira de ser ou de agir; e technikós do grego: relativo à arte. (in HOUAISS, Antonio. Arte e Indústria. Rio de Janeiro: SENAI e Libris Editora, 1992, p. 9).
[xi] Este album foi recolhido pelo governo norte-americano.
[xii] Eu também sou autor de HQs filosóficas.