Textos Complementares
Que
é isto? Qué es esto?
Perplexidade e indagações diante
de três esquisitices do mundo político em curso nestes dias
Que é isso, companheiro Severino?
Com que entusiasmo, com que ganas o "rei
do baixo clero" assumiu o cargo de presidente da Câmara dos
Deputados! É Severino Cavalcanti para cá e para lá. Severino
em Dom Pedrito, lá perto da fronteira com o Uruguai, triunfalmente
encarapitado numa colheitadeira, como estrela da festa de
abertura da colheita de arroz, e no outro dia Severino no
outro extremo do país, em Roraima, a discutir a demarcação
de terras indígenas. Até mostrar o umbigo ele mostrou - numa
espetacular foto na primeira página de O Globo, em que a camisa
aberta na altura da cintura deixava-lhe aquele gentil recanto
da barriguinha à mostra.
Quem chegasse de repente poderia pensar
que aquela simpática figura de homem do povo era o novo presidente
da República, não de uma das Casas do Legislativo. Ou que
o Brasil tinha mudado de regime e, como ocorre no parlamentarismo,
o escolhido pela Câmara é que efetivamente mandava no país.
Até primeira-dama Severino trouxe consigo, algo até então
alheio à liturgia do cargo, e dona Catharina Amélia fez sua
arrebatadora irrupção no cenário da República ao mesmo tempo
em que, coincidência ou não, a outra primeira-dama, a legítima,
dona Marisa Letícia, revelava uma certa retração.
A derrota, pelo menos temporária, do carro-chefe
de sua campanha eleitoral - o aumento do salário dos parlamentares
- talvez venha a baixar-lhe o facho. Mas, até prova em contrário,
estamos diante de um caso em que Severino, seus entusiastas
de primeira hora e os muitos aderentes de última hora, dentro
e fora dos círculos políticos, estão todos docemente embalados
na mesma fabulação. A de que com Severino raiou no céu da
pátria a possibilidade de um Lula de direita - unidos, um
e outro, pela origem sertaneja, o jeito de povão e as permanentes
e acachapantes derrotas diante dos desafios da concordância
verbal.
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Que é isso, companheiros do PSDB? Dá até
para entender o gostinho de vingança com que, diante do famoso
impromptu do presidente da República sobre corrupção no governo
passado, os tucanos lançaram mão da carta do impeachment.
Dia sim dia não, no governo passado, o PT queria impichar
o presidente. Soam cômicas declarações como a do ministro
da Educação, Tarso Genro, de que a abertura de processo contra
Lula por crime de responsabilidade é uma "aventura irresponsável".
O mesmo Tarso Genro defendia em 1999 a renúncia de Fernando
Henrique Cardoso.
O.k., dá para entender o apetite com que
os próceres do PSDB se lançaram ao prato saboroso da vingança,
que se recomenda comer sempre frio. Mas agora seria hora de
decretar que a brincadeira acabou, estamos quites e não se
fala mais nisso. O impeachment é a pena capital da política.
Quando se lança mão dele por motivos fúteis - e já se sabe
a esta altura que os desarranjos verbais do presidente merecem
a mesma condescendência, digamos, que os britânicos devotam
à vida amorosa do príncipe Charles -, de duas uma. Ou se desmoraliza
o mandato popular, investindo contra ele como se fosse moeda
de pouco valor, ou se desmoraliza o instituto do impeachment,
de tanto invocar seu santo nome em vão.
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Qué es esto, compañeros? No Chile, em dezembro,
na seqüência da queda de uma ponte no sul do país - uma custosa
obra de engenharia, inaugurada poucos anos antes -, o ministro
de Obras Públicas, Javier Etcheberry, assumiu a responsabilidade
política pelo desastre e renunciou ao cargo. Posteriormente,
quatro funcionários do ministério foram demitidos, outro foi
suspenso e outro ainda mereceu uma censura por escrito.
Na Argentina, no mês passado, o caso do
contrabando, de Buenos Aires para Madri, num avião, de quatro
malas contendo 60 quilos de cocaína levou o presidente Néstor
Kirchner a demitir o comandante da Força Aérea, Carlos Rohde,
e outros dezessete brigadeiros, detentores de cargos-chave
da instituição. De quebra, Kirchner dissolveu a Polícia Aeronáutica.
No Paraguai (sim, no Paraguai) demitiram-se
ou foram demitidos pelo presidente Nicanor Duarte o ministro
do Interior, Nelson Mora, o chefe de polícia, Carlos Zelaya,
e mais 31 policiais em altos cargos, em conseqüência do seqüestro,
seguido de assassinato, de Cecilia Cubas, filha do ex-presidente
Raúl Cubas. Toda a cúpula da polícia mais o ministro a que
ela é subordinada foram julgados responsáveis pelo fracasso
em localizar Cecilia com vida.
No Brasil seqüestra-se, trafica-se cocaína,
caem pontes, ruem túneis, freiras são assassinadas, sem-teto
são desalojados em operações militares, e não se registram
casos de, em conseqüência, rolarem cabeças de ministro, de
secretários estaduais ou de responsáveis municipais. Os compañeros
estão dando mau exemplo.
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