O ROMANCE
Jardim de infância... Primário... A garota
mais velha estende a mão e grita “quem quer brincar de pega-pega põe o dedo
aqui”.
A maioria coloca o dedinho na mão aberta da
menina. Alguns poucos se decidem.
“Que já vai fechar...”.
Rápido, rápido, decisão difícil... Brincar de
pega-pega com as meninas da quarta série ou de esconde-esconde com os amigos da
primeira série mesmo... Vamos, vai filho, pensa rápido, escolha difícil...
“Não adianta chorar...”.
-Tudo bem, a gente brinca de pega-pega com
elas.
“UM DOIS TRÊS E JÁ !!!”.
-Já estou indo.
Não
foi. Agora já era, a mão já tinha fechado, sinto muito, inscrições encerradas,
volte na próxima semana.
-Ei, quero brincar !!!
-Agora não dá, menino, já fechou...
Blah... A Gaby grande bate o telefone na cara
do Zac grande... Mas ele toca de novo... Não, ela não queria atender. Como
aquele pivete três anos mais novo fazia aquilo com ela. Idiota...
-Merda ! Alô ?
-Tá chorando ?
-E daí ? Eu tenho sentimentos, tá ?
A
Gaby, não fode... Ele é só um drogadinho de 16 anos. Só porque ele é loiro, de
cabelo comprido e rico, não quer dizer que você, garota super descolada, mas
por muitos só outra burguesinha nojenta, sofra assim.
“E quem disse que é com ele ? Quem disse ?
Hein ? Eu não vivo em função do Zac drogadinho.”
-Tá... Tchau!
Zac
(drogadinho) saiu de casa (drogadinho ?) e foi em direção aquela mesma loja de
(drogas) doces da esquina. Embora a Gaby (mimada, chata), aquele “anjo de
menina” (a mãe dele que a chamava assim) insistisse para que ele parasse (com a
loja de doces), ele ia, sem ela saber.
-E aí Ed ?
-Certo Zac? Faz tempo, hein?
-Nem tanto.
-É aquela menina?
-Não fode Ed...
-Quer encarar?
Zoou
ele imitando uns passinhos ridículos de boxe.
-Eu só queria saber se você ainda me vende...
-Opa, opa, aqui não! Vâmo, me paga uma Coca
ali que eu desconto do preço total depois...
Preço
total, que irônico.
Mas antes que o Zac pudesse concordar, sentiu
uma mão pesada no ombro.
-Oi Zac, tudo bom?
Era
Gaby.
O Zac virou pro Ed e disse, logo.
-Ah, então reserva aquelas caixas de
chocolate? Eu venho pegar amanhã.
Ah,
então se tratava disso... Tá certo. Zac saiu da loja de doces, seguido por
Gaby.
-Artificial hein?
-Não fode, Gaby!!! Você não ia passar o resto
do dia em casa ?
-O que você tava falando com o Ed?
-Como você sabe o nome dele?
-Quem não conhece o drug dealer ?
-Aquele policial ali não ouviu, fala um pouco
mais alto.
Só
daí o Zac se ligou...
-Calma ai... você... sua drogada!
-Não, não, não sou disso. Mas sei do que está
rolando. Se eu não soubesse, não estaria rolando.
Zac
ficou quieto. Pensou. Disse...
-Você é uma vaca! Sua patricinha nojenta...
-Quero impor umas coisas aqui: Não quero mais
que você veja esse Ed... Vou te vigiar
em todos os lugares, já disse pra você parar de usar droga. E depois...
-Vai ligar pra minha mãe ?
-Não, mas eu posso te matar!
....................
-Está se comportando?
-To!
-Não tomou nada né?
-Posso te parabenizar?
-Ora, ora, estamos parando...
-Viajou pra algum lugar? Não?
Foi
a gota d’água !
-Porque você não pergunta logo se eu me
droguei???
-Não!!! ‘Cê acha que eu ia dizer uma coisa
dessas no meio da rua. Ainda bem que ninguém ouviu.
Burgesa... Tsc, tsc, tsc...
Terec, terec, terec, faziam as unhas da Gaby
na mesa da lanchonete.
-Nossa, o meu gol foi o da salvação! Eu entrei
nos minutos finais, meu taco tava quebrando, mas eu consegui tirar o time da
lama... ‘Cê tá ouvindo Gaby?
-Tô, claro... – desmentiu ela mexendo num fio
da franja.
-Então tá. Eu entrei no lugar do Ed... Os
caras só deixam ele jogar porque... Bom...
-É...
-Daí eu aqui fiz o gol da salvação! O Ed me
vende mais caro por isso até hoje.
-Vende mais caro... Mas você vai parar de
comprar, né?
Opa,
agora o Zac prestou atenção... Gaby além de sorrir, se inclinava pra cima dele
como um bicho, em cima da mesa, pra provocar mesmo.
-Por que você faz isso?
-Isso o que? (cinismo)
-Esse joguinho que deixa a gente...
-Como?
-Burguesinha...
-Fala!
-Alucinado...
Gaby
voltou pra cadeira e soltou um gritinho de felicidade!
-Sabia! Você está jogando! Por que você joga
assim? Por que eu sou mais novo? Olha, o que você...
Gaby
se apoiou em cima da mesa de novo...
-Tá...
Ficou
a um centímetro de Zac
-Pensando...
Pensando
soou baixíssimo. Zac queria respirar, a proximidade estava gritando. Mas Gaby
se afastou. Sentaram-se...
-Gaby, que você quer? É um convite? Pronto.
Gabriela queria ficar com você...
Lá
estava o sorriso de novo. Zac entendeu que aquele era o convite dela.
Oras, Gaby, o mundo inteiro fica. Não existem
regras.
Ninguém mais é muito feio, ou muito chato, ou
muito rico, ou muito pobre.
NÃO HÁ REGRAS!!!!
Zac estava com a cabeça no colo de Gaby. Dois
sweethearts... Gaby olhou nos olhos castanhos de Zac...
-Gaby.
Ela só sorriu.
-Não precisa falar nada...
-Vem cá.
Gaby não deixaria as diferenças atrapalharem.
Zac não deixaria de amar Gaby.
E a diferença não deixaria de existir.
É
O beijo foi gostoso... Estranho, mas bom, de
qualquer jeito. O que eram as drogas, o consumismo adoidado do mundo
capitalista, o dinheiro, a fama, a pobreza, os pecados capitais, ali, naquele
momento? Zac amava Gaby e Gaby podia amar Zac.
Mas o mundo era o mesmo.
.....................................
-Que você está fazendo aqui?
-Comprando. As pessoas vem ao shopping fazer
compras!
-Sério? (sarcástico) Gabriela... Você é
Gabriela, né ? Quer fazer o favor de sair da frente do espelho?
Ela se mexeu devagar, ofuscada. Ed mirou-se
com as camisas na mão.
-Azul ou Preta?
-Preta.
-Pode embrulhar a preta pra mim, por favor?
-Você está diferente.
-Tive que mudar pra minha clientela. Ninguém
mais dava crédito prum moleque de boné pra trás.
-E porque você ainda está lá no colégio?
-Pirralhos do seu tipo são uma mala de grana.
Pagam sem questionar o preço que eu der.
-Eu nunca paguei nada por nada seu.
-Se você quiser, ainda dá tempo de entrar no
carro.
-Não fode! – disse ela nervosa!
-Calma querida. Disse não é não.
-De pirralha a querida.
-Você não é tão mais nova que eu.
-Cinco anos.
-Mesmo? Parece mais velha.
Zac
talvez perdesse Gaby pra Ed. Lá estava ela num banco com ele.
Ele não podia agüentar. Desejou machuca-la...
Pensando melhor. Queria mesmo era mata-la.
Chamou Ed... Insistiu, até que ele veio. Gaby
permaneceu onde estava, as pernas cruzadas, como se estivesse posando para uma
foto eterna.
Zac se aproximou de Ed e disse:
-Sabia que eu fiquei com essa menina ontem?
Mas eu to me lixando pra essa...
-Que você quer?
Zac
tirou umas notas do bolso:
-Esquecer que ela existe.
..................................................
Zac estava viajando quando aquela mão pesada e
conhecida tocou seu ombro.
-Oi Gaby.
-Você andou fumando, né pirralho maldito?
-Não desistiu?
-Claro que não.
Se
sentou ao lado de Zac.
-O Ed foi embora.
-É, ele é meio viado. – ao ouvir isso Gaby se
jogou no colo de Zac, chorando, feito criança. Ele a abraçou. – Não fica assim,
ele também gosta de mulher. Ai Gaby, coitada de você... Você não é melhor do
que eu. Achei seu título... Junkie do consumismo.
-Como assim?
-Vê só, até ficando comigo você me usou. Virei
um produto. Não sei qual de nós está mais fissurado. Só sei que não se tem que
ser fiel a uma droga. – disse acendendo um baseado.
-Zac, que é isso menino? Você sabia que não
tinha compromisso. Nós tentamos! Você não entendeu nada! Você sabia! Tira esse
raio de cigarro da boca! Não tinha compromisso nenhum!!!!
-Gaby, você não tem emoções... Fria... Aliás,
gelada.
-Eu??? Fria? Você tá louco?
-Ah Gaby, você chora em filme, e daí? Isso
aqui é a vida real. Eu estava tentando fazer você sentir alguma coisa que não
fosse tesão.
-Ah meu Deus... – Gaby disse indignada - não
acredito que você está pensando que eu fiquei com você porque...
Zac
se abriu numa gargalhada.
-Ah Gabriela, vai dar uma de santa, menina? Te
conheço bem... E além do mais.
-Eu... – Gaby interrompeu.
-Te odeio... – disse ela baixinho, com o dedo
na cara dele, aproveitando pra tirar o cigarro da boca.
Gaby
foi pra casa, entrou no quarto, fechou as janelas. Estava triste. Sim, ela
gostava de Zac.
Deitou em cima do telefone e esperou...
Esperou, esperou, até ele tocar.
-Zac?
-Gaby?
-Eu.
-... tudo bom, e você ?
-Tudo péssimo. To pê da vida.
-O pê é de puta ?
-Ah Zac, não fode menino !
-Tá, tá.
-Quero te ver.
-No shopping
não.
-Porque não ?
-Porque aquele lugar não deixa a gente se
aproximar, Gaby.
-Vamos nos encontrar lá.
-Eu quero te ver fora de lá.
-Vamos Zac. A gente se encontra lá na porta.
Daqui quinze minutos. A gente esquece do que houve.
-Então me esquece. – disse Zac.
Clic.
Gaby
ficou dias e dias trancafiada em casa pensando. “Bosta, eu amo o Zac”. Mas não,
ela era orgulhosa demais pra admitir isso. Mas uma hora, ela teve que assumir.
Saiu. Um sol de 40 graus. O Sol não era um dos
mais amigos da Gaby. Ela não gostava de sol, não gostava de nada, gostava do
Zac e só. Foi até a pista de roller.
Zac notou a presença de Gaby. Saiu da pista e
foi até ela.
-Oi, puta.
Olhos nos olhos, puro ódio destilado. De
repente, se beijaram. Aquele beijo bom de saudade, aquele beijo que fazia tanta
falta pra Gaby, o beijo daquela boca enorme, naquele menino, alias, naquele
homem, tão maior que ela. Aquele cara que podia segurar ela forte, abraçar ela
bem forte, deixar ela se sentir protegida. O cabelo loiro do Zac grudado no
rosto suado dele, o corpo suado encostando no corpo de Gaby. As mãos dele
massageando as costas dela, as mãos dela despenteando mais ainda os cabelos
encharcados de suor dele.
-Então estamos de bem de novo ? – Zac
perguntou.
-Quem te disse - Gaby riu.
E se beijaram de novo. Foi
irresistível. E foi bom. Amor. Vetor mudando de sentido, não de direção.
Os dias começaram a passar mais devagar.
Zac nunca deixou de amar Gaby. E Gaby nunca
mais vai desaprender a amar Zac.
Brigavam mais que antes, mas agora era mais
saudável. Pelo menos se amavam. E se amariam para sempre, quem diria.
Tudo bem que era aquela relação meio suicida,
em que um fazia um pouco de questão de machucar o outro. Mas era bom, porque
quando alguém se machuca, você tem que tomar conta. Zac amava tomar conta de
Gaby. Gaby adorava machucar o Zac. Assim ele ficava mais frágil, mais dócil.
Zac entrou no coração da Gaby e destruiu o
caminho de volta.