O povo
do mato e o povo da cachoeira
Nas matas
que circundavam a Cuesta, beirando o grande Rio Tietê e
afluentes, existiam muitas tribos de índios. Quando se deu a ocupação
do território, eram os Kaingang que aqui estavam. Suas aldeias
podiam ser encontradas numa vasta área que se situava entre as elevações
da Cuesta e a margem esquerda do Tietê, ou atravessando este, na sua
outra margem, para os lados de Dois Córregos.
Família
Kaingang, aculturada, fotografada pelos membros da Comissão Geográfica
e Geológica do Estado de São Paulo, durante a expedição
exploratória do Rio do Peixe. 1906
Essas
aldeias Kaingang agrupavam-se por identidade da língua que falavam,
estando o povo Kaingang dividido em: Kaingán, Weyana e Aweikoma;
era a grande família lingüística Kaingang. O primeiro grupo, por sua
vez, subdividia-se em seis dialetos, praticados cada qual com suas diferenças.
Um desses
grupos, os Aweikoma, era também conhecido como Xocrés,
grupo da mesma família lingüística, mas com diferenças culturais palpáveis,
o que os fez, por muito tempo, ser registrados pelos etnólogos, como
grupo não-Kaingang. A esses Xocrés (Aweikoma) é que se dava o nome de Botocudos,
pelo hábito que tinham de inserir pedaços de madeira (tembetá)
no lábio inferior da boca, até que, adulto, cada indivíduo ostentasse
um adorno circular enorme, o Botoque. Ao contrário, os outros
grupos Kaingang não usavam o tembetá.
Índio
Kaingang- aldeado em 1912, na região de Bauru-SP. Acervo
do Centro de Memória Regional Unesp RFFSA
Havia,
no entanto, um procedimento
comum a toda essa nação indígena brasileira, que era a estranha forma
de cortar os cabelos, o que lhes fez ganhar dos brancos o apelido de Coroados.
Kaingán
e Xocrés eram também muito diferentes quanto à forma de produzir seu
sustento. Os primeiros eram tribos de agricultores: sedentários, mudavam
menos e faziam roças ao lado das aldeias. Os Aweikoma (Xocrés), ao contrário,
eram ainda um grupo primitivo. Reuniam-se em pequenas hordas para a caça
e coleta de frutos silvestres e mel. Nômades, os Xocrés desconheciam a
agricultura.
Eram
chamados por hordas vizinhas de Xocrés, o que significava "Gente
da Cachoeira", mas eles rejeitavam esse apelido e, convidados a
se definirem, chamavam-se Aweikoma. Os Kaingán, os Aweikoma e os Weyana,
referiam-se a si mesmos como Kaingang,
"Gente do Mato".
Todas
essas tribos costumavam usar o arco e a flecha em suas caçadas e guerras
mas, mesmo neste particular, existiam diferenças. Os Kaingán e os Weyana
guerreavam de dia e incluíam a lança de arremesso e chuço, como
arma complementar. Os Xocrés preferiam a noite, desconhecendo a lança,
mas lutavam com "uma arma que é boa para chuçar e bater, não
porém para atirar...".
Quando
foram estudados guardavam antigos sinais de suas relações primitivas, já
então desaparecidas: leves insinuações de totemismo para
identificação dos clãs (conjunto aparentado por laços de
sangue) e sobrevivências dessa organização social, expressa na pintura
dos corpos.
Em
torno da anta, animal nativo, os Kaingang desenvolveram alguns
comportamentos, como dar ao alimento dela – uma planta denominada "ûyólo
nya tëí" (alimento silvestre da anta) – um forte poder vital.
Faziam com essa planta chás para serem tomados, concomitantemente com
massagens no corpo.
Os
Aweikoma (Xocrés) – nômades, caçadores/coletores – foram-se cedo
daqui e estavam na região que hoje pertence ao Estado de Santa Catarina
quando, no início do Século XIX foram brutalmente perseguidos, quase
dizimados, a partir de 1836. O contacto pacífico estabeleceu-se entre
1865/1868, atraídos para a catequese, mas só foram recolhidos a uma
aldeia, sob orientação do SPI, em 1914.
As
outras tribos Kaingang (não botocudos) dispersaram-se pelos vales do Rio do
Peixe e do Rio Feio (atual Aguapeí), ambos paralelos e ao sul do Rio Tietê
e, como este, desembocando no Rio Paraná. Quando o povoamento desta região
havia fincado raízes no meio-oeste de São Paulo, e surgiram povoações
como Avaré, Salto Grande, Santa Cruz do Rio Pardo, Pirajú, os
Kaingang internaram-se ainda mais para o Oeste, descendo abaixo das quedas d’água,
das corredeiras e grandes cachoeiras desses dois rios. Foi aí que, em 1905,
uma expedição da antiga Comissão Geográfica e Geológica do
Estado de S. Paulo foi encontrá-los: "Em conseqüência das constantes
incursões que os sertanejos têm feito às aldeias dos coroados, estes,
para se livrarem dos opressores, concentram suas habitações na parte baixa
dos rios, onde a viagem em canoas é embargada pelos saltos e cachoeiras ou
então em parte mais central, no divisor dos dois rios, cuja distância da
zona civilizada dificulta as incursões".
Foi
também para ali que migraram os outros dois povos mais encontrados na
região, à época do povoamento (sec. XIX): os Xavante e os Caiuá,
ambos internados nas densas florestas do Vale do Rio Santo Anastácio,
tributário do Paraná, no extremo sudoeste do Estado.
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