A vida social nas
fazendas de Café
Com o passar do tempo, enquanto trabalhadores livres
deixavam aos poucos de ser colonos, comprando suas próprias terras ou
mudando para as cidades, o principal da vida social desenvolvia-se ainda
nas fazendas de Café.
Na Casa-sede das grandes propriedades,
enriquecidas pela acumulação proporcionada pela renda da exportação,
as famílias levavam uma vida com o conforto que era possível comprar no
velho mundo. Quem ia construir, quase sempre importava de tudo: de
mármores para o piso, a candelabros par a iluminação. E, na hora de
equipar a casa, tudo vinha, também, da Europa: pratarias, porcelanas,
móveis, pianos, castiçais, espelhos e demais guarnições da casa. Só
mesmo quando a população já havia crescido sensivelmente, lá pelos
anos 90 do século XIX, é que se começou a substituir alguns artigos
importados, por produtos com fabricação local, entre eles as telhas. As
olarias multiplicaram-se, num espaço de tempo muito curto.
As festas eram um dos costumes nas sedes de cada
uma dessas fazendas. Nos grandes salões, que sempre existiam, com as
portas voltadas para a varanda, sempre abertas, iam se sucedendo as
árias, executadas ao piano por algum membro da família. Quando era dia,
as salas, bafejadas pelo ar quente do exterior, precisavam ser arejadas
com constantes abanar dos leques. Quando era noite, a luz mortiça das
velas e lampiões, dava um ar mais íntimo às reuniões. A formação
musical era básica exigência, considerada imprescindível,
principalmente para as meninas.
O botucatuense Domingos Scarpellini, nascido na antiga
Vila de Victória, hoje Vitoriana, onde também vicejava a propriedade do
Conde de Serra Negra, narrando à Revista Peabirú (editada há algum
tempo atrás pelo Dr. Armando Delmanto) relatou alguns fatos curiosos, que
bem demonstram os costumes da Casa Grande: "...Maria Justina
Rezende Conceição – Condessa de Serra Negra... apreciava... receber
convidados para os quais oferecia lautos almoços... Permaneceu, ela,
após a morte do marido na propriedade remanescente do primitivo
latifúndio. Nas tardes quentes de verão, acompanhada pela voz das
cigarras, passava horas ao piano, executando as mais famosas músicas, dos
mais famosos autores. Dependendo de seu estado de espírito, executava
músicas de Strauss, quando calma, e as de Chopin, quando exaltada. Certa
feita, Dr. Madureira de Camargo, então Juiz de Direito desta Comarca, foi
convidado pela Condessa para um almoço, juntamente com membros da
família forense local (escrivães, escreventes, etc...) .Enquanto se
aguardava o início do almoço, em determinado momento, a Condessa, com
toda aquela altivez de Rainha do Café, tocando de forma estridente uma
campainha, advertiu o garçon de serviço, de que os talheres localizados
em tal lugar da mesa, estavam em pequeno desalinho, o que foi
imediatamente observado. À frente de cada "almoçante" havia
copos e talheres, os mais diversos, o que acarretou aos convivas muito
desconforto no manuseio deles. Findo o almoço, pela Condessa, foram
executadas ao piano páginas clássicas..."
O historidador Armando Delmanto tem pesquisado e
sustenta que na Fazenda Vila Victória, sede das propriedades do Conde,
teria nascido, em circunstâncias próprias da época, o cidadão do
mundo, Lawrence da Arábia.
Caçada
na Fazenda Morrinhos em 1931. No primeiro plano Edward, príncipe de Gales
e no destaque seu irmão George, que viria a assumir o trono britânico
durante a guerra
A caçada era outra das ocupações costumeiras na
vida dos grandes fazendeiros e seus amigos e parece que a preferida por
eles era a Fazenda da Companhia Agrícola Botucatu, na Estação Paula
Souza. Olhém só esta notícia de junho de 1907: "...Tem
havido diversas caçadas na Fazenda da Companhia Agrícola Botucatu. Há
dias o advogado dr. Octávio Mendes caçou alli mais de trezentas perdizes
e o dr. Francisco Matarazzo mais de quinhentas, sendo o total superior a
800. Nesta caçada tomaram parte os srs. Comendador Francisco Matarazzo de
S. Paulo, Albano Paschoal, um seu irmão e Donato Pássaro de
Itapetininga; Antonio Rebecchi de Piracicaba e José Peduti, desta
cidade".
Príncipe
George que acompanhou
seu
irmão, herdeiro do trono britânico em 1931, foi de fato quem assumiu a coroa
inglesa com o nome de George V
Foi lá também que, em abril de 1931, um trem especial
da antiga Estrada de Ferro Sorocabana chegou trazendo, talvez, o mais
ilustre visitante, para uma temporada de caça: o Príncipe de Gales,
Edward. Choveu muito, a noite inteira, na véspera...e o trem trazendo
o herdeiro do trono britânico, encostou na estaçãozinha de Paula Souza,
às 8 da manhã, vindo de outra Fazenda, no Estado do Paraná. Os seus
ocupantes não sairam de pronto. Dormiram até bem tarde e, às 13,30
horas o príncipe apareceu vestido de cáqui, em roupa própria para
montaria, usando um chapéu de cowboy e capa de borracha, acompanhado do irmão
George. Ainda chovia.
O
proprietário da Fazenda Morrinhos, Lineu de Paula Machado recebe os
príncipes Edward e George para uma caçada
A Estação de Paula Souza tinha sido pintada
de branco, as cercas consertadas e a estrada que conduzia à Fazenda,
pavimentada. Depois dos cumprimentos os visitantes foram em automóvel
para a casa-sede da Fazenda, onde os aguardava um almoço. Especialmente
para a comitiva inglesa fora construída uma residência, mobiliada pelo
Mappin Store, de São Paulo. Do Rio de Janeiro, o proprietário, Lineu de
Paula Machado, mandou vir um especialista em assentamento de azulejos, o
italiano Egídio de Biasi, que trabalhou longos meses, antes da vinda da
comitiva real, na preparação da residência dos príncipes. Um corredor,
coberto de sapé, ligava essa residência a barracas dispostas ao longo do
percurso, até a casa-sede. Cada uma das barracas recebeu o nome de um
membro da expedição.
Depois do almoço a comitiva real assistiu, ali mesmo,
a um rodeio em mulas bravas e, depois, os príncipes participaram de uma
corrida de cavalos. Em seguida todos foram à caça da perdiz – no
melhor estilo nobre – o que consumiu o tempo até o final do dia. À
noite uma festa arrastou-se, na Casa-sede da Fazenda, até bem tarde e fez
com que os convivas consumissem uma boa parte do estoque de cerveja e
caipirinha de limão. Passava das 23 horas quando o comboio real partiu da
estaçãozinha, para S. Paulo. Que noite!!!
Não muito distante da Casa Grande, sede das
Fazendas de Café, nos vários enfileirados de casinhas de duas águas, as
Colônias, a vida social dos trabalhadores imigrantes era impulsionada
pelas festas religiosas, principalmente. O palco para isso era o terreiro,
espaço fronteiriço das casas, de barro pisado pelo vai e vem de gente e
animais, enfeitado, geralmente, por um mastro, encimado pelo estandarte do
santo da devoção.
Colônia
Fazendinha nos fundos da estação Alcantins-Lageado
Esses conjuntos de casinhas se multiplicaram pelas
fazendas quando os imigrantes chegaram. Formados por 10 ou 12 delas, cada
unidade abrigava uma família inteirinha, pequena ou grande. Ali, sob o
denominador comum do trabalho, colonos imigrados de vários pontos da
Europa passaram a conviver com os "novos colonos africanos",
ex-escravos e suas famílias, transformados em trabalhadores livres. Nesse
cadinho de costumes, que se transformou cada colônia, prosperou um tipo
de cultura marcado pela mistura de cultos religiosos, de ritmos e
preferências musicais e por novas formas de ver o mundo, que fugiam ao
controle da educação clássica dos senhores do café.
Tomemos uma festa de 1º de fevereiro de 1899, em louvor a Nossa
Senhora das Candeias, muito cultuada à época, feita por iniciativa do
"carreiro" Galvão Severino, colono da Fazenda Salto Alto do
Lageado, conhecida depois como Fazenda do Cintra: "A casa de
barro, coberta de sapé, aparecia então toda enfeitada de bandeirinhas de
papel multicor...O mais festejado dos recém vindos foi o sanfonista
Isaias Silvestre, também...Uma hora mais tarde, o preto Serafim
Rodrigues, batendo palmas no meio da sala, convidou os dançarinos para a
quadrilha: "par prá gerá- par prá gerá"... Num dos cantos do
terreiro, o dono da casa havia preparado enorme fogueira, onde logo mais o
Euzébio foi aquecer o seu tambor. Quando o couro ressecado respondeu
comum som todo especial às suas batidas insistentes, ele gritou para os
demais: "tá tinino..."e logo o Benedito Roxo, o Chico Ricardo,
ensaiando os primeiros passos da dança, puseram-se a cantar... A cantiga
era repetida muitas vezes, sempre mais forte pois o número de batuqueiros
aumentava a cada momento.De tempos em tempos, o Severino aparecia com um
garrafão de pinga e uma tigelinha de ferro, a distribuir aguardente para
os homens, enquanto sua esposa oferecia café às mulheres. Logo em
seguida, a uns e outros, nhô Bastião e a negra Henriquetta ofereciam
fatias de pão com manteiga. Terminando de beber e comer, reiniciavam-se
as danças e os cantos.Na sala do casebre, dançavam-se polcas e outras
danças, enquanto no terreiro alternavam-se canções em conjunto com
batucadas...".
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