Preserve a memória de sua cidade 

    

    

 

  A Capella do Ribeirão Cachoeira

... a tentativa de criar uma Freguesia em Cima da Serra de Santo Inácio

O caminho de dentro cortava 

as matas entre Botucatu e 

Capão Bonito

 

A região do alto da serra, no inicio do século XIX, continuava a ser cortada pelo caminho que conduzia tropeiros e tropas de animais de carga, das fazendas de criação em Viamão, na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, até pontos de grande utilização desses animais, existentes em Minas Gerais e Bahia. O trecho dessa estrada, que varava o alto da Serra de Botucatu, era conhecido, à época, como Serra de Santo Inácio.

A região, por essa época, já estava ocupada? Quantos eram os seus moradores?

Sendo passagem e pouso, seria lógico que fixasse homens vindos de paragens distantes. E, de fato, parece ter sido isso que ocorria, desde os anos trinta daquele século. Recentemente o presidente do Centro Cultural de Botucatu, Olavo P. Godoy, revelou, em seu livro A História do Capitão José Gomes Pinheiro, um documento datado de 1840, localizado pelo também escritor e arcebispo emérito de Botucatu, Dom Vicente Marcheti Zioni, nos arquivos da Cúria Metropolitana de São Paulo. O conteúdo do documento mostra que, nas proximidades de um pedaço de chão chamado "Capão Bonito, hum quarto de légua arredado do Campo..." e à beira de um riacho conhecido como Ribeirão Cachoeira, estavam os moradores do lugar construindo uma Capela.

Todas as iniciativas daquela época, que pretendessem ter conseqüências na organização institucional de qualquer comunidade, passavam pela existência e funcionamento de uma Capela - e a freqüência de um pároco - ao qual cabia, por força dos acordos estabelecidos entre o Papado e o Império Brasileiro, o desempenho de funções politico-administrativas. Por essa razão é que apenas existiria Freguesia onde houvesse Capela...e funcionando.

Felisberto Antonio Machado, pretendeu, escrevendo à Assembléia Legislativa Provincial em 12 de junho daquele ano, pedir a criação da Freguesia e, para isso, enumerou vantagens do aglomerado de casas dizendo que, o lugar já "contém oitenta e tantos fogos com muito mais de trezentas e quarenta e cinco almas..." tendo sido, segundo o documento, começado a lavrar há cinco anos "...pela fertilidade das terras para ella tem concorrido muitas pessoas e continuão a concorrer não só desta província como da de Minas...". Felisberto Antonio Machado, que se declara na carta "morador de cima da serra de Santo Ignácio", era um agricultor. Em 1862 poderá ser encontrado como um dos três plantadores que acreditavam no trigo, como produto. Nesse documento que estamos acompanhando revela-se como a principal liderança naquele princípio de década (1840), preocupado em dar um batismo político ao lugarejo.

Tudo parece indicar que a Capela citada no ofício de Felisberto Antonio Machado, construída com a finalidade de dar corpo a um núcleo central de Freguezia, seja a dedicada a Nossa Senhora das Dores de Cima da Serra. Felizberto Antonio Machado descreve, na carta ao governo provincial, os sofrimentos da população local, vale dizer suas dores: os moradores "...acham-se a parte dos recursos da Igreja, morrendo os fiéis sem o sacramento da penitência e da Extrema Unsão e sendo seus corpos enterrados em lugar não sagrado pela impossibilidade (de um) Parocho accudir aos moribundos, e de se transportarem os corpos para os cemitérios mais favoráveis".

E as três referências, que ele dá na carta, sobre a localização da Capela? Dariam alguma indicação?

Estava ela sendo construída num lugar chamado Capão Bonito, a um quarto de légua arredado do campo, ou seja, mato a dentro, e num lugar que oferecia comodidade aos moradores por ser próximo de um Ribeirão denominado Cachoeira.

Cachoeira de 

Rubião Júnior, 

nos anos 40

 

Embora novas e mais profundas pesquisas sejam necessárias, campos e os matos, sempre foram referências geográficas para definir propriedade, na região do atual distrito de Rubião Junior. Oitenta anos depois, um documento, escolhido aleatóriamente dos arquivos de Registro de Imóveis de Botucatu, volta a usar essas referências, em 1920: "...uma parte de terras, em campo, com a área calculada de 8 a 10 alqueires, dividindo: começando na beira do mato alto, pertencente aos adquirentes, na divisa entre estes e os devedores, segue por uma cerca de arame, margeando a estrada que desta cidade vae ao Capão Bonito, pelo caminho do campo, até um portão, colocado recentemente na estrada que também, desta cidade vae ao Capão Bonito, pelo caminho de dentro, isto é estrada do Tanquinho....".

Caminho de Dentro é uma expressão que se refere a uma estrada que cruzava o mato, por dentro, ligando Botucatu a Rubião Junior (então Capão Bonito), saindo do bairro Tanquinho e seguindo por um espigão, até sair no lado sul do morro de Rubião. Contrapunha-se à outra expressão usada para definir o Caminho de Fora, ou Caminho do Campo. O Caminho de Dentro existe ainda hoje, embora interrompido é, em parte, cercado por chácaras de lazer. O Caminho de Dentro é uma histórica via de comunicação que pode ser vista por todos que desejarem seguí-la, a partir do Jardim Tropical. Assim, estaria a Capela erigida por Felisberto Antonio Machado, em 1840, no Capão Bonito (Rubião Junior)??? Estaria???

O ofício de Felisberto Antonio Machado tramitou de Itapetininga e Sorocaba, para a sede do Governo Provincial, em São Paulo. Só em 1843 o governo esboçou uma reação. Em março daquele ano encomendou uma sindicância para apurar a veracidade do alegado no ofício encaminhado, pedindo a instalação da Freguesia. E, em maio, ordenou nova sindicância.

O primeiro relatório, de março de 1843, foi fraco demais. Concordava com as pretensões dos moradores dos altos da Serra de Santo Ignácio, mas era parco. Não convenceu. Diz apenas que "...com effeito o logar em que se acha edifficada huma Capella hé próprio para huma Freguezia, visto que contém de mais de setenta fogos, ...tem muito boas mattas e agoadas, e prometer muitas vantagens, ficar na inbocadura de huma estrada que parte para Constituição, ou, para Minas Geraes, eis o que posso informar a ..."

Dificilmente o relator, um delegado de Itapetininga chamado Francisco José Coelho, subiu aos altos da Serra do Santo Ignácio. Mas o segundo relatório, de maio do mesmo ano, não foi assim. Contundente foi logo dizendo...: "Na Serra de Santo Ignácio não existe Capella alguma, porém consta-me estar o supplicante fundando hua em seo sitio em Cima da Serra, tres legoas distante della; ignoro se está em logar sufficiente, apto para Matris, visto que não foi construido para esse fim. ... Sobre o numero de Povos também ignoro, pois ...apenas alguns fregueses tem procurado para alguns sacramentos, como baptismo e Matrimonio; procurei saber do subdelegado desta Villa o numero de fogos, não me soube informar. Hé necessidade de extrema (...) formar-se hua Freguezia naquelle Bairro porém, ao meo pensar, não deve ser em tal logar, mas sim aquém da Serra, no Ribeirão denominado S. Ignacio, onde está muito povoado, e que dysta desta Villa des legoas, cujos habitantes também não podem com promptidão ser socorridos dos Sacramentos;..." Além de criar uma série de obstáculos às pretensões locais, esse segundo relatório sugere a formacão de uma Freguesia concorrente, distante cinco léguas antes, no mesmo caminho, na parte baixa da Serra de Santo Inácio, junto ao ribeirão do mesmo nome. Ali já estava uma outra povoação, em 1843.

A Capela de Cima da Serra de Santo Ignácio desapareceu no tempo. Tenha sido ela o centro de uma povoação, de vida efêmera, nascida nos primordios do nosso povoamento, à beira do caminho que conduzia tropas e tropeiros à Minas Gerais, ou não, ela – a Capela – ganhou seu lugar em nossa História, como a primeira iniciativa em consolidar um núcleo urbano com condições de pleitear sua formalização em Freguesia.

 

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