Maquiavel foi da renascença?


Resenha do livro "flavio josefo y masada" de P. Vidal- Naquet

Vidal-Naquet,P. Flávio Josefo y Masada, in: Los Judios, La memoria y el presente. Buenos Aires: Fondo de cultura económica de Argentina, 1996.pp. 49-76


O autor aborda a revolta de Massada, ocorrida no ano de 66 a.C. trabalhando o tema, não como se ele já estivesse resolvido pelo historiador judeu Flávio Josefo ou pelo arqueólogo Y.Yadin, mas com um apurado senso crítico. Ele procura identificar e eliminar as deformações e delírios ideológicos encontrados, ( Josefo e os profetas, pág79, 1 § ), ele irá assim fazer uma abordagem historiográfica atual, que não mantêm uma ilusão de que as fontes sejam totalmente transparentes( Flávio Josefo y Masada, pag. 55, 2 § ), ele vai mostrar como o nascente estado judeu contemporâneo utilizou-se deste episódio para criar uma epopéia do episódio de Massada.

Criando assim um símbolo pátrio importante para aquela jovem nação israelita recém criada, cercada de conflitos com os povos árabes vizinhos. Ele mostra como a arqueologia foi utilizada ideologicamente para atingir estes fins. Com isso nos mostra como o historiador deve trabalhar com as fontes Históricas e com a Arqueologia.

Ao contrário do que o arqueólogo e político israelita Y. Yadin escreveu, que Massada... "é um símbolo imortal de coragem sem esperanças, símbolo que tem comovido os corações durante dezenove séculos...", Massada caiu no esquecimento.

Naquet diz que durante séculos Massada foi apenas um texto, e que este texto era lido principalmente por não-judeus, e o texto de Flávio Josefo estava muito longe de ver no episódio um ato heróico, para Josefo tinha sido um erro terrível. Naquet vai lembrar que Josefo, não vê as pessoas de Massada como zelotes, ou seja os judeus zelosos, guardiões da torá, mas como os sicários, uma Quarta facção judia além dos fariseus, saduceus e dos essênios, uma facção mais radical, com características apocalíptico - messiânicas, descendentes de Judas o galileu.

Naquet vai desconstruindo dado por dado, sobre o episódio, primeiro confronta os achados arqueológicos de Yadin, que forçando por demais os fatos para se amoldarem a estrutura previamente construída, negligencia informações que deixa sua obra em descrédito ou mais proselitista que científica.

Naquet vai buscar o que se fala de Massada no largo período que separa Flavius Josefo no século I do século XIX, e acha, um trabalho realizado por volta do século X, uma crônica chamada "Josippon", que é um tratado da história dos judeus, que vai de Adão até Massada, adaptado em grande parte dos textos de Josefo apesar de não citar o episódio de suicídio coletivo que Josefo diz ter ocorrido, este Josippon revisaa História e modifica-a, collocando como grande feito heróico; percebemos que estes textos devem ser vistos, não como fontes para estudo da antiguidade, mas como texto ideológico que reproduz as contigências sociais e culturais que a comunidade judaica vivia no século X, que não serve para nos termos uma verdadeira apreciação do que ocorreu no episódio de Massada.

Aí, Naquet parte para uma tarefa mais complicada que é analisar o próprio texto de Flávio Josefo como fonte primária, analisando Flávio Josefo, a partir do próprio Flávio Josefo. Quem ele é? O que ele escreveu tem paralelos na sua literatura? Qual a posição que Josefo assume perante os sicários? O que a arqueologia tem a dizer sobre seus relatos?

A arqueologia vai ser utilizada, para que Naquet analise certas afirmações de Josefo por exemplo, ele discorda de Josefo quando este diz que Massada estava isolada do centro político das grandes revoltas, pois foram encontradas grande quantidade de moedas cunhadas em Jerusalém entre o ano 66 e 70, demostrando assim que a arqueologia tem um importante papel como instrumento para o resgate do passado, desde que utilizada cientificamente e não ideologicamente, (Naquet,pag. 55).

O autor não vê o trabalho de Josefo como totalmente irreal, vê coisas que ele relata que podem ser consideradas reais, ainda que provisoriamente, mas vai nos mostrar que apesar de ter dados reais, sua construção não é isenta, traz consigo a própria realidade do autor, que escreve para o seu presente. Com a força de tais argumentos, critica historiadores contemporâneos que nada mais fizeram do que reproduzir as informações de Josefo, sem maiores análises sobre a própria condição histórica sob a qual o texto foi escrito.(Naquet, pag. 57 2 §).

A começar que Josefo era inimigo dos sicários, aliado de Roma e da elite judaica, contra as seitas messiânicas apocalípticas, as quais Josefo considera que seus líderes são pseudoprofetas, Naquet chama a atenção para o detalhe de que este termo, pseudoprofeta, não é um termo judaico, mas originariamente grego, anexado pelos judeus num processo de interação cultural.

Contrapõe a narrativa de Josefo sobre Massada e a narrativa de Josefo sobre a sua própria experiência, na batalha da Galiléia, sempre lembrando que Josefo os considera negativamente, Naquet mostra que enquanto Josefo argumenta pela vida aos seus comandados, Eleazar tentava convencer para o suicídio, ato visto pelo judaísmo como mau, Josefo evoca o nome de Moisés na sua argumentação, Naquet nos diz que Josefo narra o discurso de Eleazar com características muito mais helenísticas, do que judaicas.

Naquet vai trabalhar através de uma série de comparações ao redor da própria produção historiográfica de Flávio Josefo comparando o que Josefo dizia de si mesmo, de suas atitudes e o que fala dos sicários. Por exemplo: Josefo ao mesmo tempo que se coloca como isento e contrário ao suicídio dos seus companheiros, procurando assim legitimar a sua rendição, condena Eleazar por ter uma visão errônea (fim dos judeus), legitimando a pecha de pseudoprofeta e levar a todos à morte voluntária, incluindo mulheres e crianças.

Acha mesmo incrível Naquet que historiadores especialistas no tema, acreditem sem maiores reservas na história de Josefo, com relação às duas mulheres sobreviventes (Naquet, pag 57). Utiliza da técnica da história comparada para analisar o comportamento humano, (Naquet, pag. 75).

Quando Naquet nega a possibilidade de Massada ser um símbolo muito antigo na memória judaica, (Naquet,pag. 52),devido a ser conhecido apenas como um texto no qual, a maioria dos que o compulsavam eram não-judeus, claro que nos falta mais dados para negar que Massada é um símbolo pátrio moderno, mas podemos questionar tal proposição pensando que nada impede que os Judeus, inseridos tanto na sociedade cristã como na sociedade islâmica no passado, vissem no relato de Massada um ato heróico e o próprio documento medieval "Josippon" atesta isso de certa forma na medida que é um documento feito por judeus que "reinterpretaram" o episódio relatado por Josefo, com moldura heróica. Nos parece que , neste sentido; não me parece que ainda mesmo que o local exato de Massada, só se tenha sido achado em 1838 (Naquet, pag 102), que isso impedisse que os judeus, vissem desde a antiguidade este episódio de forma heróica.

Naquet estranha que o discurso de Eleazar, um guardião da Torá, tenha características tão helenísticas, apesar de acharmos sua argumentação plausível, temos que ver que assim como a questão do pseudoprofetismo é influência helenística completamente inserida no contexto judaico, podemos também achar que não soaria tão estranho a um judeu do ano 66, utilizar argumentos que seriam originariamente estrangeiros, mas que poderiam estar plenamente integrados à sociedade judaica que aquela altura tinha séculos de contatos culturais com o helenismo.

Quanto o fato dele achar estranho um discurso gimnosofista na boca de um sectário judeu, ( Naquet, pag 75), novamente devemos nos lembrar que isso não é de todo improvável, poderia ser explicado através das interações culturais existentes desde o império persa, que dominou toda essa área e que iniciou-se uma livre circulação desses povos, influências não apenas teóricas mas a nível de comportamento cotidiano. Não podemos ver o comportamento cotidiano judaico apenas por força da fidelidade a lei, as interações estabelecem comportamentos e idéias que nem sempre estão nos cânones oficiais das regras religiosas dos povos, mas justamente na sua oposição, ou seja muitas vezes a ênfase que se dá nos livros judaicos para afirmar uma ideologia que não é utilizada plenamente por todos. (Dt 20,24; Is 40, 18-20), como vemos no episódio da identificação de pequeninos ídolos pagãos no interior do templo (Ez8,10), podemos encontrar usos generalizados sem que sejam percebidos como uma intrusão, exemplo o idioma aramaico, que não é oidioma de orígem, como sabemos é o hebraico que naquele momento quase não é utilizado. E podemos usar o próprio argumento de Naquet,

" ...que é no final do séc.I, uma tradição autenticamente judia? Senão se expressa o argumento que Josefo quer propor como judeu? (...)(Flávio Josefo e os profetas, pag. 96).
Saímos de tal estudo sem termos a certeza do que realmente ocorreu em Massada, afinal houve suicídio coletivo ou não ? Naquet ao que parece não apresenta uma solução final, para tal questão. A problemática central não é mesmo resolver esta questão, mas sim, identificar as construções mitico-ideológicas, que este tema recebeu por parte de Yadin e sua arqueologia política, no "Joseppon", e em Flávio Josefo. É um texto que merece ser lido com muita atenção, é um livro de grande interesse para o historiador pois Naquet nos faz refletir sobre a história enquanto uma ciência e como tal de nós nos situarmos o mais distante possível de construções históricas dogmáticas, simplistas ou politiqueiras.

Faz-nos refletir sobre a necessidade termos uma acentuada acuidade para identificarmos os discursos ideológicos montados para a criação de mitos, heróis e vilões para referendar uma dada postura política. Utilizando de uma série de técnicas historiográficas incluindo a arqueologia, para que atinjamos a visão mais clara possível do evento estudado.

BIBLIOGRAFIA:

VIDAL-NAQUET,P. Flavio Josefo y Masada, in los Judios, la memoria y el presente. Buenos Aires: fondo de cultura económica de Argentina, 1996.pp 49-107.

GORGULHO, G.S., STORNIOLO, I. e ANDERSON, A. F. A Bíblia de Jerusalém. 1984, São Paulo: Paulinas.

resenhado po Anderson Fernando dos Santos

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