Pavor moderno

Jackie Brown é mais um filme sobre o desemprego

De Niro e Samuel
Jackson: talentos
desperdiçados

Um novo tipo de violência começa a aparecer no cinema. Foi-se o tempo da carnificina das produções sanguinolentas dos anos 80. A violência agora é psicológica e joga com o grande medo das pessoas no mundo globalizado: o desemprego. Até Quentin Tarantino, o mestre da violência estilizada, se rendeu à nova tendência. Em Jackie Brown (Estados Unidos, 1997), que estréia nesta sexta-feira no Rio de Janeiro e na próxima em circuito nacional, a personagem central, vivida pela beleza negra Pam Grier, estrela de filmes de ação nos anos 70, é submetida, logo no início do filme, a um interrogatório policial. O espectador acostumado com Tarantino espera cenas de tortura como as que aparecem em Cães de Aluguel, quando um homem tem a orelha decepada em situação semelhante. Em vez disso, o algoz, interpretado pelo ex-Batman Michael Keaton, diz simplesmente: "Se você não colaborar com a gente, faremos você perder o emprego de aeromoça. Com 44 anos, será difícil conseguir coisa melhor". Movida pelo medo de ir para o olho da rua, a Jackie Brown de Pam Grier faz coisas incríveis — engana gângsteres, contrabandeia cocaína, entra no país ilegalmente com toneladas de dinheiro.

Recentemente, esse tema do desemprego apareceu no cinema em filmes como Melhor É Impossível, em que Helen Hunt ganhou o Oscar de melhor atriz como uma garçonete que quase tem um ataque de nervos sempre que é obrigada a faltar ao trabalho por causa da doença do filho. A onda começou no cinema inglês, de Trainspotting — grupo de desocupados cai na marginalidade — até Ou Tudo ou Nada, que concorreu ao Oscar de melhor filme mostrando uma turma de amigos desempregados que resolve fazer um show de strip-tease. Jackie Brown segue essa tendência, mas não é um grande filme. Mostra que Quentin Tarantino não quis repetir-se e, em vez de fazer mais um filme com tipos que parecem retirados de histórias em quadrinhos, resolveu criar personagens de carne e osso, com medos e motivações. Ponto para ele. O problema é que Tarantino ainda precisa tomar muita vitamina para se transformar num bom diretor de atores. E olhe que em Jackie Brown ele teve um bom material à disposição. Desperdiçou Robert De Niro, Samuel L. Jackson e Bridget Fonda. Apenas o veterano Robert Foster, que ganhou uma indicação ao Oscar de melhor coadjuvante, chegou perto do que os teóricos chamam de "construção de um personagem". O roteiro é bom, mas que Tarantino é um bom roteirista todo mundo já sabe. Falta envolver e emocionar o espectador, e disso Jackie Brown está longe.

Marcelo Camacho

http://www2.uol.com.br/veja/290498/p_135.html