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Espíritos, Mente, Memória e Corpo.

 
Os fenômenos provocados por alguns nativos do Havaí despertaram a curiosidade de William T. Brigham, curador do “Bishop Museum” de Honolulu, que por cerca de quarenta anos conviveu e pesquisou suas ações em ocasiões e situações diversas.

Procurado por Max Freedom Long para discutir sobre as ações dos kahunas[1], aconselhou-o a buscar atrás de qualquer trabalho efetuado por eles, três verdades que elucidariam o mistério de seus ensinamentos e de suas ações; dizia que deveria existir uma consciência, uma força e uma substância que, juntas desencadeariam situações capazes de propiciar o aparecimento dos fatos extraordinários observados por ele.

Max Freedom Long descobriu esse mecanismo estudando as raízes das palavras da Língua Havaiana e, montando peça por peça, concluiu que somos três seres independentes ou espíritos interligados; dois estão no corpo e um que está ligado ao corpo por um cordão-aka[2] mas está no plano invisível fora do corpo.

Pela ordem, são: Aumakua[3] ou Eu Superior, uhane[4] ou eu médio e unihipili[5] ou eu básico. Estão ligados ao corpo que chamou de kino[6] Diz que cada um deles tem ainda seu próprio corpo que chamou de kino-aka[7]. Descobriu que a força é uma energia que denominou de mana[8], possuindo cada um deles sua mana específica; todas as manas do ser humano vêm do unihipili.

Freud fala de um Id, Ego e Superego e de uma energia, a libido. Há muita semelhança entre as duas teorias em sua forma representativa, mas somente dessa maneira.

Jogando com o citado acima, podemos concluir que a doença nada mais é do que a desarmonia entre esses três espíritos ou aspectos, manifestada no corpo como um alerta para que percebamos e corrijamos os erros que estamos cometendo. Apesar da pluralidade e independência de seus componentes, forma um ser unitário, pois o afastamento de qualquer um dos espíritos ou aspectos, causa um erro muito grande e a desagregação do indivíduo, o que pode acabar por conduzi-lo à morte. É a pluralidade na unidade e não a dualidade entre corpo e mente que muitos querem que seja a realidade.

A razão primordial de tudo é o que está mais além; é a possível consciência buscada por William T. Brigham e que Max Freedom Long chama de aumakua.

Serge King, cuja orientação foi recebida diretamente de kahunas, traz conceitos semelhantes aos de Max Freedom Long, porém, amplia os ensinamentos colocando novos seres e conceitos ensinados pelos kahunas.

O processo Huna[9] para conseguirmos chegar ao aumakua ou Eu Superior, difere de outras escolas de filosofia e psicologia. É com o pensamento que iniciamos nossas ações. É formulando desejos e criando crenças, que somos levados à conquista do que almejamos; isso se dá, quando conseguimos uma fé sem dúvidas, uma crença assumida, condutora de nossas intenções na busca do contato harmônico com o unihipili, que conduz as formas-pensamentos carregadas de mana-imagem, até aumakua.

Quando a memória ativada pelo unihipili é formada de formas-pensamentos filtradas pelo uhane, as intenções são dirigidas para o Eu Superior, que enriquece os pensamentos e desenvolve a fé. Essa situação reforça a vontade, mola propulsora do ser humano, criando condições de atuarmos em nossa vida no aqui/agora e no agora/aqui, com a certeza de um resultado seguro e eficiente. Essa forma de ser nos leva à conclusão de que o ser humano não necessita de nada mais do que desenvolver pensamentos, para conseguir uma concentração e focalização tal, que o coloque em contato e em harmonia com todo seu ser, recebendo em troca, novos pensamentos que dispensam a busca de ajuda externa ou de tentativas de se guiar por vozes internas que podem não ser vozes, mas formas-pensamentos fixadas na memória como complexos.

Uma vez conseguida essa posição, somos guiados por aumakua que facilita todo nosso potencial de desenvolvimento, que permite a formação de novas crenças com realidades outras, que agora são orientadas para uma maneira diferente de viver, onde os valores e padrões são mudados e os estados de consciência não estão mais ligados ao individual e ao social como antes, mas com o todo. Nessas condições, tempo e espaço adquirem por vibrações diferentes novas formas, que permitem agir por idéias que não estão ligadas ao intelecto racional, mas ao intuitivo, que é uma percepção subconsciente de tudo que há e que é. Isso é o resultado do desenvolvimento de novas sensibilidades, que permitem o aparecimento de funções, tais como telepatia, clarividência e outras, de acordo com nossas necessidades.

É um novo mundo, um novo Ike[10] no cotidiano do aqui/agora e do agora/aqui. Esse é o estado do novo homem, para o qual, os mistérios vão desaparecendo dando lugar à clareza, condição em que começa a atuar com facilidade e eficácia. Aqui, se situam os verdadeiros “xamãs havaianos” e os “kahunas que são capazes de dominar seus males, ajudar o próximo e conquistar a natureza, podendo impor-lhes sua vontade a ponto de conseguirem, as mudanças de tempo, passear sobre lavas de vulcões, etc. É o subjetivo agindo em situações objetivas.

Nessa condição, - eu/uhane -, falo comigo em aumakua através do unihipili, o que me permite falar com o próximo por intermédio de aumakua. Essa é uma situação mística e ética que é a busca de todo indivíduo para atingir o estado trino, como Homem Ideal.

Nesse estado de consciência, Deus revela ao homem ser ele e o universo, uma só e única coisa. É o desaparecimento da limitação que causa a separação; é a reintegração na teia-aka[11]; é o integrar-se com o Princípio Kala[12].

 Descrevendo as funções do aumakua, em termos de padrão grupal e individual, os ensinamentos Huna colocam as leis da natureza como a lei da gravidade e outras, como referências de um aprendizado e desenvolvimento aproximando-nos do Eu Superior pela conscientização das restrições a que estamos sujeitos quando reencarnados e agindo de acordo com o padrão grupal. As crenças colocadas como possibilidade de desenvolvimento do eu pessoal por meio da conserva cultural (Moreno), dão origem às filosofias e outras formas de conhecimento, conforme um padrão individual que nos conduz ao desenvolvimento intelectual, propiciando-nos o entendimento e a sensibilidade para as coisas objetivas. O livro é a maior conserva cultural existente até agora.

Referir-se à expressão “Higher Self e God-self” comparando-a ao aumakua, torna confuso o conceito desse pai fidedigno, dando a impressão de que é constituído de dois aspectos. 

Levando essa situação para as teorias de Jung, teríamos o que denominou de Self, onde existe o inconsciente coletivo e o pessoal.

Na Psicofilosofia Huna, seria o equivalente Tane/Na’Vahine[13] que traz em sua manifestação a polaridade, única forma da manifestação divina no ser humano. Poderíamos traduzir como, o Pai que é compaixão e amor e a Mãe que é a sabedoria. O Pai traz na compreensão das coisas a idéia primeira da criação, traduzida pela Mãe na sabedoria, que é o resultado final; é a quintessência das crenças desenvolvidas nos milênios vividos por nós.

É o Aumakua-Jesus, na imagem do Pai (Pensamento Criador) e do Filho (Tane)[14], a manifestação do Pensamento do Pai. Jesus seria assim, o arquétipo da Grande Mãe, transfigurada materialmente no corpo do Filho. É a manifestação da Grande Polaridade que nos legou como conserva cultural, o Evangelho.

A preocupação dos kahunas não está nas idéias de que o pensamento pode modificar o comportamento, mas na descoberta de que a harmonização dos três eus traz a manifestação de Deus (Tane) em nós, provocando uma transformação interna, criando novas crenças que mudam nossa realidade (e não pensamentos afetando o comportamento, criando novas condutas comportamentais), gerando circunstâncias que modificam nossa vida.

Uma muda nossa realidade, transformando-nos em novos seres com uma compreensão vinda do despertar do aumakua; a outra muda nosso comportamento, favorecendo o relacionamento por adquirir uma nova e melhor maneira de comunicação.

Uma traz para nossa realidade o divino que há em nós; a outra modifica nosso comportamento harmonizando intelecto e emoções, favorecendo nosso relacionamento por um melhor entendimento chegando à compreensão, o que também facilita a comunicação.

Uma cria em nós a possibilidade da concretização do invisível; a outra, a demonstração e vivência dos fatos.

Uma nos ensina como viver da fonte, sabendo como e quando agir para alcançar nossas metas, nas quais, está incluído nosso próximo; a outra, nos ensina como educar, controlar e desfrutar de nosso comportamento modificado, adequando-nos a nós mesmos e ao social.

Com a descoberta de todos esses fatores e outros mais, nós nos livraremos de nossos complexos, seremos saudáveis e úteis, capazes de atuar com mais eficiência em todos os aqui/agora com a visão clara dos ikes vivenciados, sem preocupação de resultados, por já termos a convicção de que nossa realidade está no poder ilimitado que temos e que esse poder é agora/aqui. É a compreensão de que tudo está no presente.

Colocando de duas maneiras, - aumakua (higher self e god-self) -, somos induzidos a pensar na polaridade desse Ser que em seu conjunto simbolizaria o arquétipo do Deus manifestado como homem.

É uma nova Santíssima Trindade em que aparece o Pai, a Mãe e o Filho, da qual, surgimos como o homem trino, a imagem e semelhança de Deus, na qualidade de Homem Ideal, o possível Homo hominis.

Sebastião de Melo – julho de 2003

 


[1] Kahuna – Guardião do segredo, no sentido de conhecimento oculto; sacerdotes responsáveis pela transmissão oral dos ensinamentos Huna.

[2]Cordão-aka – Prolongamentos de substância aka emitidos pelo unihipili; elemento que faz a ligação entre os espíritos.

[3] Aumakua – “Pai ancestral infalivel”; o divino no ser humano;eu superio; superconsciente (kane).

[4] Uhane – O espirito que fala, pensa, ordena as memórias e decide; eu médio; consciente  (lono).

[5] Unihipili ou uhinipili -  Espírito guardião das memórias; busca sempre o prazer; eu básico; corresponde ao subconsciente (ku).

[6] Kino – Palavra havaiana que significa corpo.

[7]  Kino-aka – Corpo sutil de cada espirito.

[8] Mana – Energia que permeia o universo; está presente em toda manifestação da natureza; energia vital.

[9] Huna – Psicofilosofia herdada pelos polinésios do Continente de Mu; conhecimento oculto preservado pelos kahunas, que o transmitia oralmente àqueles que eram dotados de memória para tal função.

[10] Ike – Primeiro Princípio do xamanismo havaiano: “O mundo é o que você pensa que ele é”.

[11] Teia-Aka – O universo como uma grande teia de mana, manifestada como substância-aka.

[12]Kala – Segundo Princípio do xamanismo havaiano: “Não há limites”.

[13] Tane/Na’Vahine – Deus Pai/Mãe; o Deus que existe; o Deus manifestado.

[14] Tane – Deus organizador do universo;primeiro Princípio Criador masculino do universo.

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