Teatro
Esperança. Era esta a palavra de Máximo Gorki, famoso por seus burgueses. Mas que queria que "os bons de coração" fossem os personagens principais da vida
Teatro: A Ralé de Gorki
Aleksiéi Maksímovitch Pieshkóv realizou uma das maiores dramaturgias
de todos os tempos. Suas obras, suas expectativas continuam tão presentes –
até por tratarem-se de dramas humanos e, logo, recorrentes – nos ideais de
muitos nomes no teatro. Raul Cortez encarnando o filósofo de Pequenos
Burgueses, Teteriev, disse muitas vezes serem os personagens de Gorki os
mais difíceis por tratarem-se de personagens humanos, na acepção da palavra.
A obra de Máximo Gorki (Máximo, o Amargo) sempre voltou seu olhar para a ralé
(nome, aliás, de uma peça como mesmo nome), para os camponeses, contra a
burguesia, para os que “um dia já foram homens” e que hoje fazem parte de
um sistema burocratizado de barbárie econômica-social.
Sua obra mais conhecida, Pequenos Burgueses, estreou em 1902 no
Teatro Artístico de Moscou onde uma pequena multidão aguardava a estréia sob
o olhar vigilante dos guardas do czar. O texto da peça, editado alguns meses
antes, fora recebido com entusiasmo, um sucesso extraordinário para a época:
600.000 exemplares. Porém, a censura havia feito cortes na obra, o que
provocara desagrado em seus leitores.
A representação foi um enorme sucesso e deu origem à linha político-social
do teatro russo. Os personagens são meschane, indivíduos que não
pertenciam nem à nobreza, nem ao campo, nem ao clero. Eram mesquinhos – aliás,
a palavra meschanin no singular, significa exatamente isso –, incapazes
de apreciar o grande e belo. A crítica a esta classe está presente em quase
toda a obra de Gorki. O que não determina em nada a profundidade de seus
textos, pois, se escreveu há quase cem anos, qual é o motivo pelo qual suas
obras continuam atuais? É simples, nós somos meschane.
Mas, qual era o antagonismo em sua obra, visto a posição contraditória
prosa/regime czarista? Gorki usa o teatro como forma de expressão e protesto do
povo, em geral. Mas, em especial de uma gente que conheceu bem: os bessiaki,
gente nômade, marginalizada pela Revolução Industrial; aquela multidão que
abandonava o campo em busca de emprego nas cidades e esbarrava com seres como
Bessemenov, por exemplo. Gorki era extremamente apaixonado por esta gente –
Gorki viveu entre eles por muito tempo, foi indigente, passou fome, cozinheiro,
jardineiro, auxiliar de escritório – que, em certos momentos, sua obra perde
a fluência em torno das falas (em Pequenos Burgueses, as falas de Nil,
por exemplo).
Ralé – que originalmente levava o título de No fundo
– leva este socialismo participativo às últimas conseqüências. Gorki
participou ativamente da encenação da peça, levada a cabo pelo grupo do
Teatro Artístico de Moscou, sob a direção de Stanislavski. Por sugestão de
Gorki, os atores deveriam visitar o mercado de Khitrov para conhecer mais
intimamente as personagens a serem encarnadas. Uma prostituta foi contratada
para auxiliar Olga Knipper, mulher de Tchekhov, por exemplo.
Gorki, que acima de tudo admirava o povo, a força, o campo, foi muito
mais do que um simples dramaturgo. Foi menos, a dramaturgia está na vida, as
personagens somos nós, os que sobrevivem já sabemos, sua função foi de
“apenas” documentar tal obra. Assim como O Capital de Marx, os capítulos
da Revolução Cubana, Che, as obras deixadas por Gorki – e por toda a
intelectualidade do leste europeu no início do século – são obrigatórias
em qualquer biblioteca de seres humanos que como Nil e Polia em Pequenos
Burgueses, “não tem medo da pobreza”.
Seguem alguns trechos de Pequenos Burgueses que mostram não
apenas a voz do personagem, mas a voz oriunda da garganta do autor que utiliza
Nil, Teteriev, Pólia como válvulas de escape para sua ira contra a
tirania-barbárie cometida em sua terra:
TZVETÁIEVA
Não estamos brincando, nós repartimos com eles
tudo o que possuímos...
(frase proferida pela
amiga de Tatiana, professora, 35 anos ao ser indagada por Piotr o porquê de
encenar para os operários da estrada de ferro).
NIL
É, é verdade. Me desculpe a franqueza, eu tenho
razões para fugir. Eu gosto do barulho, de trabalho, de gente simples, alegre.
Mas vocês, vocês vivem, por acaso? Vocês ficam rastejando, não sei por que
motivo. Estão sempre prontos a chorar, a gemer, a se queixar...De quem? Por quê?
Para quê? É completamente incompreensível!
(ao voltar do trabalho
– operário da estrada de ferro – Nil encontra Piotr, Tatiana e Bessemenov
discutindo. Está com fome e com as mãos e rosto sujos. Bessemenov repreende-o
por isso de maneira ríspida.).
PÓLIA
É corajoso. É só perceber uma injustiça e já
vai contra...Viu, se interessou pela empregada. E quem é que se interessa pelas
empregadas? E pelas pessoas que trabalham para os ricos? E, entre os que se
interessam, quanto são os que se arriscam a defender?
(em conversa com
Tatiana – supostamente apaixonada por Nil – Pólia deixa transparecer os
mesmos ideais que encontram-se em Nil. Após Nil comunicar a todos que se casará
com Pólia, a pensão de Bessemenov vira-se contra ele).
PIOTR
Dá na mesma. Chamar esse vaivém de uma “causa
viva”...Vocês estão convencidos que contribuem para o desenvolvimento da
consciência política...Aí está a ilusão! Amanhã vem um oficial, um chefe
qualquer, dá um belo murraço na tal consciência de vocês e lá se foi por água
abaixo todo o trabalhinho de vocês...Se aproveitassem esse tempo...
(na discussão sobre
encenar ou não as peças para os soldado e ferroviários. Digno representante
dos meschane).
Eduardo
Messias Oliveira é estudante de Língua e Literatura Brasileira da UMESP