A Intrusa, adaptação do conto de Jorge
Luis Borges
Dizem que a história foi contada
por Alberto, o mais moço dos dois, no velório de Fernando, o mais velho,
que morreu de morte natural, por volta de mil novecentos e noventa e
tantos, no distrito do Pacaembu. Escrevo-a agora porque nela se encerra,
se não me engano, um breve e trágico retrato da índole dos antigos
moradores da região.
Os dois eram farristas, mas seus episódios
amorosos haviam sido até então de saguão ou de casa suspeita. Não
faltaram, pois, comentários quando Fernando levou Elizabeth para viver com
ele. Elizabeth era de tez morena e de olhos rasgados; bastava que alguém a
olhasse para que sorrisse.
Alberto estava apaixonado pela mulher de
Fernando. O bairro, que talvez soubesse disso antes dele, previu com
pérfida alegria a rivalidade latente dos dois. Desde uma certa noite
começaram a compartilhar Elizabeth. Ninguém saberá os pormenores dessa
sórdida união, que ultrajava a decência do lugar. O acordo andou bem por
umas semanas, mas não podia durar. Os dois estavam apaixonados por
Elizabeth. A mulher atendia aos dois com uma submissão animal; mas não
podia ocultar alguma preferência, sem dúvida por Alberto, o mais moço, que
não havia repelido a participação, mas que não a tinha proposto.
Certo
dia, resolveram separar-se dela e a devolveram à sua terra natal, o Rio de
Janeiro. Em São Paulo, os dois, perdidos até então no emaranhado daquele
amor monstruoso, quiseram renovar sua antiga vida de homens entre homens.
Voltaram às farras casuais. É possível que, numa ou noutra vez, se
acreditassem salvos, mas costumavam incorrer, cada qual por seu lado, em
injustificadas ausências. A infame solução havia fracassado; os dois
haviam cedido à tentação da trapaça. Caim andava por ali, mas o carinho
entre os dois era muito grande - e preferiram desafogar seu desespero com
os outros do grupo do Pacaembu.
Num calorento domingo de Março,
Fernando convidou Alberto para uma viagem ao Rio de Janeiro. Tomaram a via
Dutra e após algum tempo pararam no meio da estrada. Fernando desceu do
carro e abriu o porta-malas, retirando dali o corpo de Elizabeth. Falou
então para Alberto: vamos trabalhar amigo, depois os caranchos ajudarão.
Hoje eu a matei. Que ela fique aqui com suas bugigangas, já não causará
mais danos.
Abraçaram-se, quase chorando. Agora os unia outro vínculo:
a mulher tristemente sacrificada e a obrigação de esquecê-la.
Dias de Ódio, extrato do conto de Jorge
Luis Borges
No dia quatorze de Janeiro de
1922, Emma Zunz, ao voltar da fábrica de tecidos Tarbuch e Loewenthal,
encontrou no fundo do saguão uma carta, datada do Brasil, e por ela ficou
sabendo que seu pai tinha morrido. O selo e o envelope a enganaram, à
primeira vista; depois, a letra desconhecida inquietou-a. Nove ou dez
linhas mal traçadas quase enchiam a folha; Emma leu que o Sr. Maier tinha
ingerido por engano uma forte dose de veronal e que morrera a três do
corrente no hospital de Bagé.
Na escuridão crescente do quarto, Emma
chorou até o fim daquele dia o suicídio de Manuel Maier, que nos velhos
dias felizes fôra Emanuel Zunz. Recordou veraneios numa chácara, recordou
sua mãe, recordou a casinha que lhes arremataram, recordou o auto de
prisão pelo 'desfalque de caixa', recordou que seu pai, na última noite,
jurara que o ladrão era Aarón Loewenthal, antes gerente da fábrica e agora
um dos donos. Emma, desde 1916, guardava o segredo. A ninguém o revelara,
nem sequer à sua melhor amiga, Elsa Urstein. Loewenthal não sabia que ela
sabia; Emma Zunz tirava desse fato ínfimo um sentimento de poder.
Não
dormiu àquela noite, e, quando a primeira luz definiu o retângulo da
janela, seu plano já estava perfeito. Emma completaria dezenove anos em
Abril, mas os homens lhe inspiravam ainda um temor quase patológico.
Passou assim a Sexta-feira, dia quinze, a véspera. No Sábado, a
impaciência despertou-a. A impaciência, não a inquietude, e o singular
alívio de estar finalmente naquele dia. Telefonou para Loewenthal, insinou
que desejava comunicar, sem que as outras soubessem, algo sobre a greve na
fábrica e prometeu passar pelo escritório, ao anoitecer. Tremia-lhe a voz;
o tremor convinha a uma delatora. Deitou-se depois do almoço e
recapitulou, de olhos fechados, o plano que tramara. Pensou que a etapa
final seria menos horrível que a primeira e que atingiria, com certeza, o
sabor da vitória e da justiça.
Emma vivia perto do porto, e naquela
tarde para ali dirigiu-se. Entrou em dois ou três bares, viu a rotina ou
os modos das outras mulheres. No último, escolheu um marinheiro mais baixo
que ela. O homem conduziu-a a uma porta e depois a um turvo saguão e
depois a uma escada tortuosa e depois a um vestíbulo e depois a um
corredor e depois a uma porta que se fechou. Pensou que seu pai tinha
feito à sua mãe a coisa horrível que lhe faziam agora. O homem, Sueco ou
Finlandês, não falava Espanhol; foi um instrumento para Emma como esta o
foi para ele, mas ela serviu para o gozo e ele para a justiça.
Aarón
Loewenthal era, para todos, um homem sério; para seus poucos íntimos, um
avarento. Vivia nos altos da fábrica, sozinho. Estabelecido no desamparado
arrabalde, temia os ladrões; no pátio da fábrica havia um grande cachorro
e na gaveta do escritório, ninguém o ignorava, um revólver. Chorara com
decoro, no ano anterior, a inesperada morte da mulher - que lhe trouxe um
bom dote, mas o dinheiro era sua verdadeira paixão. Com íntima vergonha,
sabia ser menos apto para ganhá-lo que para conservá-lo. Era muito
religioso; acreditava ter com o Senhor um pacto secreto que o eximia de
agir bem a troco de orações e devoções. Calvo, corpulento, enlutado, de
óculos escuros e barba ruiva, esperava de pé, junto à janela, a informação
confidencial da operária Zunz.
Viu-a empurrar o portão e cruzar o pátio
sombrio. Viu-a dar uma pequena volta quando o cachorro amarrado latiu. Os
lábios de Emma repetiam a sentença que o Sr. Loewenthal ouviria antes de
morrer. As coisas não aconteceram como previra Emma Zunz. Desde a
madrugada anterior, sonhara muitas vezes, apontando o firme revólver,
forçando o miserável a confessar a culpa miserável e expondo o corajoso
estratagema que permitiria à Justiça de Deus triunfar sobre a justiça
humana. Depois, um só balaço no meio do peito firmaria a sorte de
Loewenthal. Mas as coisas não ocorreram assim.
Diante de Aarón
Loewenthal, mais que a urgência de vingar o pai, Emma sentiu a de castigar
o ultraje sofrido por isso. Não podia deixar de matá-lo, depois dessa
minuciosa desonra. Tampouco tinha tempo a perder com teatralidades.
Sentada, tímida, pediu desculpas a Loewenthal, invocou as obrigações da
lealdade, pronunciou alguns nomes, deu a entender outros e calou-se como
se o medo a vencesse. Conseguiu que Loewenthal saísse para buscar um copo
dágua. Quando ele, incrédulo de tal agitação, mas indulgente, voltou da
sala de jantar, Emma já tinha tirado da gaveta o pesado revólver. Apertou
o gatilho duas vezes. O volumoso corpo caiu como se os estampidos e a
fumaça o tivessem rompido, o copo se partiu, o rosto olhou-a com assombro
e cólera, a boca injuriou-a em Espanhol e em Íidiche. Os palavrões não
cessavam; Emma teve de fazer fogo outra vez. No pátio, o cachorro
acorrentado pôs-se a ladrar, e uma efusão de sangue escuro brotou dos
lábios obscenos e manchou a barba e a roupa. Emma iniciou a pregação que
tinha preparado ("Vinguei meu pai e não me poderão castigar..."), mas não
a concluiu, porque o Sr. Loewenthal já estava morto. Não soube nunca se
ele chegou a compreender.
Os tensos latidos lembraram que ela ainda não
podia descansar. Deixou o divã em desordem, desabotoou o paletó do
cadáver, tirou-lhe os óculos salpicados e deixou-os sobre o fichário. Em
seguida pegou o telefone e repetiu o que tantas vezes repetira, com essas
e com outras palavras: 'Aconteceu uma coisa inacreditável... O Sr.
Loewenthal me fez vir com o pretexto da greve... Abusou de mim, eu o
matei...
A história era incrível, com efeito, mas se impôs a todos,
pois substancialmente era certa. Verdadeiro era o tom de Emma Zunz,
verdadeiro o pudor, verdadeiro o ódio. Verdadeiro era também o ultraje que
sofrera; só eram falsas algumas circunstâncias, a hora e um ou dois nomes
próprios.
Assassinato no Onibus Elétrico, extrato do
conto de Olivier Perroy
Naquele tempo eu costumava tomar
o ônibus elétrico para voltar do Mackenzie para o Pacaembu. Eu era
adolescente na época, sempre preocupado demais com o que se passava dentro
do ônibus para poder notar o que se passava fora.
Lembro-me vagamente
que os minutos que antecediam a partida do ônibus eram uma tortura; ficava
imaginando como entrar no ônibus sem me fazer notar, o que já sabia de
antemão ser impossível, pois o ônibus estava sempre cheio e mesmo que não
estivesse, teria pelo menos o cobrador que fatalmente me olharia zangado
quando subisse os primeiros degraus. Pensava então em compor uma atitude
que impressionasse bem os passageiros; um certo ar de superioridade,
digamos. Mas aí, poderia estar entre eles alguma pessoa conhecida e então
a minha composição de personagem cairia no ridículo. Como é proibido fumar
nos ônibus e cinemas, não havia nem o recurso do cigarro ou cachimbo que,
quando bem usados, podem tirar um inseguro típico de certos apuros. Às
vezes, deixava partir alguns ônibus por ainda não me sentir preparado para
o embarque, o qual deveria ser pelo menos triunfal. Quantos ônibus perdi
assim.
Uma vez, tentei os óculos escuros; foi um fracasso total: fiquei
com um ar de suspeito e um tenente que viajava no ônibus veio me pedir
documentos, o que teve consequencias trágicas para mim: sentindo-me
suspeito realmente me senti culpado de vários crimes que nem sequer havia
cometido; num instante minha história pessoal passou a ser aquela de um
poderoso criminoso cujos lances eletrizantes eu havia acompanhado
detalhadamente nos noticiários de TV. Quando acordei estava saindo da
cadeia e a tempo de tomar o último ônibus elétrico, que partiu em
instantes. Embarquei certo de que havia em minha japona azul-marinho um
furo imenso, como se fosse feito por um ferro de passar roupa. Não podia
vê-lo pois estava nas costas; desconfiei por momentos que o furo existisse
no tecido de minha imaginação, mas pretendia me certificar de sua
existência para recobrar a tranquilidade necessária para enfrentar a massa
dos passageiros. Começou então a incrível ginástica cujo objetivo era o
buraco na japona. Não havia lugar para sentar e tornava-se então difícil
esconder o buraco: se percebido, poderia me levar ao ridículo fatal. Como
o ônibus tinha partidas bruscas não era possível ficar com as mãos
cruzadas nas costas, sem correr o risco de ser projetado pelo arranque.
Era necessário segurar-me firmemente nas argolas instaladas para esse fim.
Ficar com uma mão apenas, nas costas, ficaria estranho, resultaria um ar
aleijado ou suspeito. Hipótese abandonada, portanto. Tentei me esconder
atrás de um bombeiro que estava de pé ao fundo do ônibus; na ida tropecei
no guarda-chuva de um pastor luterano de aspecto severo e hostil. Por
segundos a vergonha foi tanta, que nem foi possível dizer um simples
'Desculpe...', o que teria resolvido o incidente sem problemas maiores.
Fiquei completamente mudo, atraindo mais a atenção, por todos perceberem
que eu queria dizer alguma coisa que não saía. Num instante, a aflição
tomou conta do ambiente. Todos passaram a torcer para que eu conseguisse
falar e acalmar os ânimos do irado pastor que já havia percebido que seu
guarda-chuva de estimação estava quebrado. O motorista olhou para trás,
provocando quase consecutivamente uma pequena trombada, da qual
evidentemente levei a culpa. O cobrador imediatamente tomou o partido do
motorista, me acusando violentamente de estar subvertendo a ordem nos
coletivos. Desacatou-me, humilhou-me, atraindo assim ainda mais a atenção
da multidão de passageiros acotovelados e tensos. Eu que ainda não
conseguira falar uma palavra, mesmo tentando com todos os meus esforços,
de repente soltei um "FILHO DA PUTA, EU TE MATO", e quando percebi, estava
estrangulando o cobrador, com sua gravata de plástico preto, obrigatória
naquele tempo. O bombeiro acudiu evitando por instantes meu primeiro
crime. As portas do ônibus se abriram, aos gritos das mães ali presentes:
"Fora com o marginal! Fora com o marginal!" O resto da multidão parecia
disposta a me linchar. Via centenas de olhos cheios de ódio, e no entanto
a minha única culpa era o tropeção no guarda-chuva, e sua consequente
destruição. Sem tempo para pensar, desci apressado do ônibus, chocado com
o incidente imprevisto.
Ainda estava atento ao que poderia acontecer no
ônibus, quando uma velhinha que tentava subir, mas que eu impedia por
estar obstruindo a porta, disse-me lentamente: "O senhor está com um
grande furo na japona, nas costas..."
Perdi a razão e cometi meu
primeiro crime; a velhinha caiu fulminada por um golpe na nuca, que
desfechei independente de minha vontade.
Llanto por Ignacio Sánchez Mejías, de
Federico García Lorca
A las cinco de la tarde. Eran las
cinco en punto de la tarde.
Un niño trajo la blanca sábana a las
cinco de la tarde.
Una espuerta de cal ya prevenida a las cinco de
la tarde.
Lo demás era muerte y sólo muerte a las cinco de la
tarde.
El viento se llevó los algodones a las cinco de la
tarde.
Y el óxido sembró cristal y níquel a las cinco de la
tarde.
Ya luchan la paloma y el leopardo a las cinco de la
tarde.
Y un muslo con un asta desolada a las cinco de la
tarde.
Comenzaron los sones del bordón a las cinco de la
tarde.
Las campanas de arsénico y el humo a las cinco de la
tarde.
En las esquinas grupos de silencio a las cinco de la
tarde.
¡Y el toro, solo corazón arriba! a las cinco de la
tarde.
Cuando el sudor de nieve fue llegando a las cinco de la
tarde,
cuando la plaza se cubrió de yodo a las cinco de la
tarde,
la muerte puso huevos en la herida a las cinco de la
tarde.
A las cinco de la tarde. A las cinco en punto de la
tarde.
Un ataúd con ruedas es la cama a las cinco de la
tarde.
Huesos y flautas suenan en su oído a las cinco de la
tarde.
El toro ya mugía por su frente a las cinco de la
tarde.
El cuarto se irisaba de agonía a las cinco de la
tarde.
A lo lejos ya viene la gangrena a las cinco de la
tarde.
Trompa de lirio por las verdes ingles a las cinco de la
tarde.
Las heridas quemaban como soles a las cinco de la
tarde,
y el gentío rompía las ventanas a las cinco de la
tarde.
A las cinco de la tarde.
¡Ay qué terribles cinco de
la tarde! ¡Eran las cinco en todos los relojes! ¡Eran las cinco en sombra
de la tarde!
Réquiem Alemão, extrato do conto de Jorge
Luis Borges
Meu nome é Otto Dietrich zur
Linde. Meu bisavô materno, Ulrich Forkel, foi assassinado na floresta de
Marchenoir por franco-atiradores Franceses, nos últimos dias de 1870; o
Capitão Dietrich zur Linde, meu pai, distinguiu-se no cerco de Namur, em
1914, e dois anos depois, na travessia do Danúbio. Quanto a mim, serei
fuzilado por torturador e assassino. O tribunal procedeu com retidão;
desde o princípio, eu me declarei culpado. Amanhã, quando o relógio da
prisão der as nove horas, estarei morto; é natural que pense em meus
antepassados, já que tão perto estou de sua sombra, já que de algum modo
sou eles.
Durante o julgamento não falei; justificar-me então, teria
perturbado o veredicto e parecido uma covardia. Agora as coisas mudaram;
nesta noite que antecede minha execução, posso falar sem temor. Não
pretendo ser perdoado, porque não há culpa em mim, mas quero ser
compreendido. Os que souberem ouvir-me, compreenderão a história da
Alemanha e a futura história do mundo. Eu sei que casos como o meu,
excepcionais e assombrosos agora, serão muito em breve triviais. Amanhã
morrerei, mas sou um símbolo das gerações do futuro.
Pouco direi de
meus anos de aprendizagem. Foram mais duros para mim que para muitos
outros, já que, apesar de não carecer de valor, me falta qualquer vocação
para a violência. Compreendi, entretanto, que estávamos à beira de um
tempo novo e que esse tempo, comparável às épocas iniciais do Islamismo ou
do Cristianismo, exigia homens novos. Individualmente, meus camaradas me
eram odiosos; em vão, procurei raciocinar que, para o alto fim que nos
congregava, não éramos indivíduos.
Em fins de 1942, David Jerusalém
perdeu a razão; em 1° de Março de 1943, conseguiu matar-se. Ignoro se
Jerusalém compreendeu que, se eu o destruí, foi para destruir minha
piedade. Diante de meus olhos, ele não era um homem, nem sequer um judeu;
transformara-se no símbolo de uma detestada área de minha alma. Eu
agonizei com ele, eu morri com ele, eu de algum modo me perdi com ele; por
essa razão, fui implacável.
Enquanto isso, giravam sobre nós os grandes
dias e as grandes noites de uma guerra feliz. No ar que respirávamos havia
um sentimento parecido com o amor. Como se bruscamente o mar estivesse
perto, havia um assombro e uma exaltação no sangue. Minha geração teve
tudo, porque primeiro lhe foi proporcionada a glória e depois a
derrota.
Em Outubro ou Novembro de 1942, meu irmão Friedrich morreu na
segunda batalha de El Alamein, nos areais egípcios; um bombardeio aéreo,
meses depois, destruiu nossa casa natal; outro em fins de 1943, meu
laboratório. Acossado por vastos continentes, morria o Terceiro Reich; sua
mão estava contra todos e as mãos de todos contra ele. Examinei todas as
razões, até descobrir a verdadeira. Hitler acreditou lutar por um país,
mas lutou por todos, até por aqueles que agrediu e detestou. Não importa
que seu eu o ignorasse; sabiam-no seu sangue, sua vontade. O mundo morria
de judaísmo e dessa enfermidade do judaísmo, que é a fé em Jesus; nós lhe
ensinamos a violência e a fé na espada. Muitas coisas há que destruir para
edificar a nova ordem; agora sabemos que a Alemanha era uma dessas coisas.
Temos dado algo mais que nossa vida, temos dado a sorte de nosso querido
país. Que outros maldigam e que outros chorem; a mim me alegra que nosso
dom seja perfeito.
Ameaça agora o mundo uma época implacável. Nós a
forjamos, nós que já somos sua vítima. Que importa que os Estados Unidos
sejam o martelo e nós a bigorna? O importante é que reine a violência, não
a servil timidez cristã. Se a vitória e a injustiça e a felicidade não são
para a Alemanha, que sejam para outras nações. Que o céu exista, mesmo que
nosso lugar seja o inferno.
Olho minha face no espelho para saber quem
sou, para saber como me portarei dentro de algumas horas, quando me
defrontar com o fim. Minha carne pode ter medo; eu não tenho.
O Sétimo Dia, extrato de O Nome da Rosa,
de Umberto Eco
No Sétimo Dia - por causa do
excesso de virtude, as forças do inferno prevalecem: O diabo não é o
príncipe da matéria, o diabo é a arrogância do espírito, a fé sem sorriso,
a verdade que não é nunca presa de dúvida. O diabo é sombrio porque sabe
por onde anda, e andando, vai sempre por onde veio. Tu és o diabo Chico, e
como o diabo vives nas trevas. Se querias convencer-me, não conseguiste.
Eu te odeio, Chico, e se pudesse eu te conduziria, pela esplanada abaixo,
nu, com penas de aves enfiadas no buraco do cu, e a cara pintada como um
jogral e um bufão, para que todo o mosteiro risse de ti, e não sentisse
mais medo. Agradar-me-ia lambuzar-te de mel, depois envolver-te nas
plumas, levar-te atrelado às feiras, para dizer a todos: este vos
anunciava a verdade e vos dizia que a verdade tem o sabor da morte, e vós
não críeis em sua palavra, porém em sua tenebrosidade. E agora eu vos digo
que, na infinita vertigem dos possíveis, Deus vos consente mesmo imaginar
um mundo em que o presunçoso intérprete da verdade outra coisa não é senão
um melro desajeitado, que repete palavras aprendidas há muito tempo. Eu
sei, sei como se o visse escrito em letras de diamante, com meus olhos que
vêem coisas que tu não vês, eu sei que essa era a vontade do Senhor e
interpretando-a, agi. Em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo".
O Assassinato do Arquiduque, de Ragtime de
E. L. Doctorow
Foi pouco depois do falecimento
do banqueiro Pierpont Morgan que o Arquiduque Fernando Francisco entrou na
cidade de Serajevo, capital da Bósnia, para inspecionar as tropas que ali
se encontravam. Com ele estava sua mulher, a Condessa Augusta. O
Arquiduque segurava o capacete emplumado na curva do braço. Súbito,
ouviu-se um estrondo, seguido de muita fumaça e gritaria. O Arquiduque
Fernando Francisco e a Condessa Augusta viram-se cobertos de caliça. O pó
revestia-lhes o rosto, penetrava-lhes a boca e os olhos e sujava-lhes as
roupas. Alguém atirara uma bomba. O Prefeito estava abismado. O
Arquiduque, furioso. O dia está estragado, declarou. E, encerrando as
cerimônias, deu ordens ao chofer para sair de Serajevo. Encontravam-se
numa Daimler-Benz de passeio. O chofer, percorrendo as ruas, enveredou
numa direção errada. Parou, fez marcha à ré e voltou-se, preparando-se
para recuar. Aconteceu que o carro se detivera ao lado de um jovem
patriota Servo, que pertencia ao grupo do Pacaembu que tentara matar o
Arquiduque Fernando Francisco com uma bomba e desistira de conseguir outra
oportunidade. O patriota saltou no estribo do Daimler-Benz, apontou a
pistola para o Duque e puxou o gatilho. Ouviram-se disparos. A Condessa
Augusta caiu entre os joelhos do marido. O sangue jorrava do pescoço do
Arquiduque. As plumas verdes do capacete tornaram-se negras de sangue.
Soldados agarraram o assassino e o atiraram ao solo, arrastando-o para a
prisão.
A Morte do Anonimo Brasiliano, de O
Perfume, de Patrick Süskind
O grupo se formara em torno dele,
84 pessoas aproximando-se cada vez mais. Começaram a pressionar, a
empurrar e a dar cotoveladas, cada qual querendo ficar mais perto dele. E
rebentou de uma vez neles a última inibição, o grupo desfez-se. Todos se
lançaram sobre o Anonimo, caíram sobre ele, arrastaram-no para o chão.
Cada qual queria tocá-lo, cada qual queria ter uma parte dele, uma
perninha de sapo, uma asinha, uma pequena chama do seu maravilhoso fogo
italiano. Arrancaram-lhe as roupas, os cabelos, a pele do corpo,
estraçalharam-no, enfiaram as suas unhas e os seus dentes em sua carne,
caíram sobre ele como hienas. Em pouco tempo o Anonimo Brasiliano estava
esquartejado em trinta partes e cada membro do grupo do Pacaembu catou um
pedaço e retirou-se, arrastado por um excitado desejo, para devorá-lo.
Meia hora mais tarde, o Anonimo Brasiliano havia, em cada fibra,
desaparecido da face da terra. Os 84 membros do Grupo do Pacaembu estavam
extraordinariamente orgulhosos. Pela primeira vez, desde a criação do
grupo em pouco mais de um ano, haviam se manifestado coletivamente e feito
algo por amor.
A Curta e Feliz Existência de Francis
Macomber, de E. Hemingway
Primeiro, a história do leão.
Macomber não soubera o que se passara durante o ataque da fera, nem
tampouco o que esta sentira quando a bala de calibre 505, com uma fôrça de
duas toneladas, a atingira em cheio na bôca. Não compreendera porque razão
o animal continuara a arrastar-se em direção ao homem que o ferira
mortalmente. Mas Macomber também não sabia quais seriam os sentimentos de
sua mulher, a não ser que ela já estava farta dele. Há muito que sua
mulher estava farta dêle. Mas Macomber era um homem riquíssimo e um dia
ainda seria mais rico. Sabia, por isso, que não seria abandonado pela
espôsa. Ela fôra uma beleza no seu tempo, mas já não estava em condições
de trocá-lo por outro melhor. Tinham boas bases para não se divorciarem;
Augusta era bonita demais para que Macomber pensasse em deixá-la, e êste
tinha muito dinheiro para que ela desistisse dêle.
Agora a história do
búfalo. O búfalo galopava com a cabeçorra atirada para a frente, as ventas
fumegantes, os olhos pequenos, injetados pela raiva. O guia Fernando, que
estava à frente, ajoelhou-se e atirou. Macomber também fêz fogo, mas a
detonação da sua carabina nem foi ouvida, abafada que fôra pelo estampido
da espingarda do caçador branco. Fragmentos, parecidos com os de uma
ardósia que se quebra, saltaram dos enormes chifres e o animal agitou
violentamente a cabeça. Fêz fogo de novo, apontando no focinho, e viu os
chifres balançarem de novo. Fernando desaparecera, e Macomber, tendo o
búfalo já quase sobre êle, apontou cuidadosamente aquela massa bruta e
negra e fêz fogo. Teve apenas tempo de ver que a cabeça do búfalo se
abaixava, pois nesse momento, sentiu uma explosão ofuscante dentro do
próprio crânio. Foi a última coisa que sentiu.
Fernando desviara-se
para a direita, tentando conseguir um tiro no pescoço da fera. Vira
Macomber manter-se firme, disparar em cheio no focinho e disparar depois,
com a espingarda um pouco mais erguida, acertando-lhe nos cornos, de onde
saltaram lascas e estilhaços, como quando se atira uma pedrada num telhado
de vidro. Vira também que a Sra. Macomber, do automóvel, atirara sobre o
búfalo com a 'Malincher 6.5', na aparente intenção de salvar o marido, mas
seu tiro não acertara no alvo. Pelo contrário, entrara no crânio de
Francis Macomber, duas polegadas acima da base do crânio. Francis Macomber
jazia agora com a cara voltada para baixo, a duas jardas do corpo do
búfalo. Sua mulher ajoelhara-se ao seu lado chorando histericamente, tendo
Fernando atrás de si.
- Muito bonito! - disse êle, numa voz
inexxpressiva. - Você sabia que êle estava disposto a deixá-la.
-
Cale-se!
- Não se preocupe. Haverá uma porção de cooisas desagradáveis,
pois além disso, há o testemunho dos porta-espingardas e do chofer. Sua
posição é muito boa. Descanse.
- Cale-se! Me esqueça!
- Por que a
senhora não preferiu veneno? NNão é esse o processo aplicado na
Inglaterra.
- Cale-se! Cale-se! Cale-se! Deixe-me em ppaz! - gritou
Augusta.
Fernando contemplou-a demoradamente.
- Já acabei - disse
por fim. Estava um pouuco irritado. Tinha começado a simpatizar com o seu
ex-namorado.
- Oh, por favor, cale-se! Por favor!
- Ah, assim está
bem. Por favor soa muito melhor. Agora, calo-me.
O Barba-Azul, extrato do conto de Olivier
Perroy
Era uma vez um homem que possuía
muitos e muitos palácios maravilhosos na cidade, na praia, e no campo.
Possuía também baixelas de ouro e prata, carruagens douradas e tesouros
sem fim. Mas por infelicidade, o homem tinha uma barba azul; isso o
tornara tão feio que não havia mulher que não fugisse dele.
Sabe-se
também que sua figura assustadora o tornara um homem misterioso. Ninguém
ousava chegar-se a ele; não deixavam de lhe inventar lendas que corriam
pelo reino. Diziam ter tido inúmeras esposas e não se sabia o que havia
acontecido com elas e onde estariam.
Um dia Barba-Azul quis casar-se
com uma bela jovem do Rio de Janeiro. Como a família da moça se opunha,
convidou todos para passarem alguns dias em um de seus castelos no
Pacaembu, para que o conhecessem melhor. Ainda que assustados, aceitaram.
Foram dias agradáveis, festas, divertimentos, caçadas, banquetes e danças.
Daí por diante as amigas convenceram a moça de que Barba-Azul podia ser
feio mas era também civilizado, generoso; enfim um ótimo partido. Houve
então o grande casamento. Instalaram-se no Grande Palácio do Arquiduque;
era muitas vezes maior do que o do rei.
Cada dia que passava,
Barba-Azul surpreendia ainda mais a sua jovem esposa Elizabeth com
generosidade e gentilezas sem fim. Estava sempre atento a seus desejos;
era alegre, divertido, forte. Nunca deixava a vida tornar-se monótona. A
Sra. Azul sentia-se bem feliz.
Um dia, Barba-Azul disse: "Tenho de me
ausentar por alguns meses, por negócios. Quero que você continue a
divertir-se como fizemos até hoje. Faça vir suas amigas. Aqui tem as
chaves dos meus cofres, onde estão meu ouro, jóias; neste grande baú estão
todas as chaves das 11.775 salas e quartos do meu palácio. Quero que você
abra todas, que tenha interesse de conhecer tudo que tenho, tudo que sou.
Uma das salas tem tudo que eu sou. Abrindo-a passará a me conhecer de
verdade; conhecerá tudo sobre mim. Não indicarei qual é esta sala. Espero
que você descubra sozinha até minha volta. Se não descobrir, não há nada
que não deva esperar de minha ira. A chave desta sala é menor que as
outras e é de ouro".
A Sra. Azul passou com suas amigas meses em festas
e diversões; dormiram muito também. Tiveram grande preguiça de
experimentar as chaves. Chegaram até a esquecê-las.
Um dia voltou
Barba-Azul, carregado de presentes. Logo perguntou do baú das chaves e sua
esposa respondeu: "Sabe, meu bem, que não consegui encontrar a tal sala;
também é verdade que estivemos tão ocupadas. Celular, empregadas, cozinha,
festas, cabeleireiro, costureiro, obras, jantares, enfim estou tão
cansada". Ouvindo isso Barba-Azul deu um urro sinistro, que foi ouvido a
várias léguas de distância. Não se sabe se foi um grito de ódio somente ou
talvez também de dor.
"Amei-a muito, demais talvez, por isso tive
esperanças que você chegasse a mim. Bastava abrir uma porta. Agora, 'les
jeux sont faits'. Você está condenada a tornar-se um objeto, que aliás
você é - fazendo Beijinhos de Côco para o resto da sua vida. Amanhã de
madrugada, será transformada em xícara, na Alameda dos Objetos".
O Mistério da Livreiro Saraiva, adaptação
de Conan Doyle
Carta do Delegado da Polícia
Federal Tobias Gregson à Sherlock Holmes:
"Estimado Sr.
Holmes,
Esta noite aconteceu um fato grave no nr. 27 da Livreiro
Saraiva, nas proximidades da Igreja de São Domingos. Nossa ronda, cêrca
das duas horas da madrugada, viu ali uma luz e, como a casa está
desabitada, suspeitou que houvesse algo de anormal. Achou a porta da
garagem aberta e, logo em frente à garagem vazia, topou com o cadáver de
uma mulher bem vestida, cujo cartão de visita encontrado na bolsa, trazia
o nome de "Elizabeth Froyo, Rio de Janeiro, Brasil". Não houve roubo e não
há nenhum indício sôbre a maneira pela qual a mulher encontrou a morte. Há
sinais de sangue na garagem, mas o cadáver não apresenta nenhum ferimento
ou violência. Não podemos compreender como êle foi dar àquela casa vazia;
em suma, todo o assunto é um verdadeiro enigma. Se o amigo puder dar um
pulo à casa da Livreiro Saraiva antes das doze horas, ali me encontrará.
Deixei tudo tal qual foi encontrado, à espera de sua chegada. Se não puder
vir, mandar-lhe-ei todos os pormenores, e ficarei imensamente grato se
quiser favorecer-me com a sua opinião. Cordialmente,
Tobias
Gregson."
Indagações Psicomotoras, extrato do conto
de Olivier Perroy
Entrei na classe, e na entrada, a
minha camisa, que estava fora das calças, enroscou na maçaneta da porta, o
que me prendeu por instantes. Sentindo resistência, forcei; a camisa
rasgou-se ruidosamente e eu repentinamente libertado perdi o equilíbrio,
indo dar com todo o peso de meu corpo inapto contra a mesa do austero
professor de ciências naturais, que ruiu com tudo que estava em cima:
esqueletos de animaizinhos, tinteiros de várias cores, réguas, livros,
dicionários e outros apetrechos de professor meticuloso. O ruído foi
enorme e o susto do professor maior ainda.
A classe explodiu numa
gargalhada interminável; em segundos, descambou numa algazarra
desenfreada, que assumiu característica de histeria coletiva. Apavorado,
corri pelos intermináveis corredores do colégio. Na passagem derrubei
alguns professores e poucos alunos com violentos encontrões provocados
pela cegueira momentânea que vivi, em momento de pânico. Ao sair pela rua
afora ainda fui quase atropelado muitas vezes e provoquei vários acidentes
à minha passagem desastrada. Tentei me refugiar numa padaria: foi um
desastre, pois correndo sem olhar, derrubei algumas prateleiras de pão e
outras com garrafas. Saí de lá feito louco, já perseguido por uma dúzia de
Portugueses enfurecidos. Corri muito, muito mesmo; creio que desde então
estou correndo e nunca mais parei.
Sinto-me perseguido. Acredito que
tudo tenha começado quando ainda estava no ventre de minha mãe e já era
chegado o dia e a hora de meu nascimento, pois já era o nono mês de minha
gestação. Como me sentia bem ali, recusei-me a sair, e dormi por mais um
mês. Quando nasci, fui um desastrado pois era muito maior do que estava
previsto na tabela de nascimentos. Às vezes, me enfurecia de fome e em
poucos segundos destruía o meu berço. Assim comecei minha carreira de
desastrado.
Pouco a pouco comecei a odiar meu próprio corpo que me
colocava em situações desastradas nas quais sempre terminava por atrair o
ridículo sobre mim. Se tivesse um corpo diferente não passaria por vexames
tão atrozes; como isso não era possível, decidi castigar o meu próprio
corpo com uma espécie de autoflagelo. Comi muito para tentar transformá-lo
em algo de ainda mais detestável. Depois dotei-o de um mecanismo de
automatismo que o tornara insensível a qualquer dor. Daí por diante foi
fácil chegar ao estado de zumbi no qual me encontrava quando finalmente
acordei.
O Grande Orgasmo no Motel, extrato do
conto de Olivier Perroy
Quarto 108. Paredes de espelhos
multiplicando gestos de amor até o ponto de encontro do fim com o começo.
Luzes coloridas de todos os matizes controladas por confortáveis botões. A
obrigatória sonoplastia de músicas de romantismo rotineiro. Todos os
quartos dão para o mesmo labirinto interior de corredores e biombos que
confundem o roteiro da volta. Ar, só mesmo condicionado. As flores dos
jardins internos são de plástico; as flores dos jardins externos são
verdadeiras, dizem. Os amplos jardins são cercados por outros jardins
cortados por várias centenas de caminhos por onde vêm os casais que se
consumam ali.
Quarto 108. Fui interrompido pelo chamado exigente de
minha companheira, que do banheiro pedia: "Meu bem, pede pelo telefone que
tragam uma touca de banho, uma escova de dentes e mais toalhas". Tempo.
Barulho de água correndo lá dentro. Olhei pelo buraco da fechadura, pois é
uma atitude excitante, dizem. Muito séria ela brincava de mudar de cara:
se tornou mil mulheres diferentes em apenas mil expressões num minuto.
Talvez adivinhando minha presença de 'voyeur' me disse: "Sabe, me acham
bonita só porque sou mais ruiva... você não acha?"
Quarto 108. O
servente invisível tocou à porta. Sobre a mesa da entrada apareceram os
apetrechos pedidos, como se por magia. Esperando e me aborrecendo, porque
mesmo a espera de uma mulher bonita é sempre uma situação aborrecida,
comecei a ouvir um gemido fraco que atravessava a fina parede de espelhos.
Era som feminino. Esse tipo de gemido é sempre feminino. Apurei o ouvido
para tirar maior proveito dos sons. Os gemidos seguiam cadência de emoções
crescentes. O ritmo ia ficando mais curto, irregular. A voz mais
penetrante. A esta altura minha companheira, que já tinha ouvido,
ajoelhou-se nua ao meu lado, sobre a cama, como se suspensa aos sons. Sua
respiração tomou o mesmo ritmo como se estivesse sendo comandada pelo que
estava ouvindo. Pensei que todas as mulheres naquele motel deviam estar
sendo regidas pelo mesmo maestro, um ser invisível e superior. Ao pensar
assim, já estava entrelaçado, abraçado, confundido, lutando talvez no
limiar entre o tenso caos e a serena harmonia. Os gemidos cresciam a cada
instante, pendurando os segundos numa esfera de tempo expandido que
explodiu no ponto culminante dos gemidos de todas as mulheres que gritaram
uníssonas: "EU TE AMO". Todos sucumbiram da mesma maneira, para renascer
sem memória no dia seguinte.
O Médico e a Morte, extrato de fábula de
Olivier Perroy
Eu sou médico há 56 anos; mas
nunca consegui me conformar com a morte. Fui especialista em muitas
coisas, agora me dedico mais às estrelas, nuvens, riachos... ontem me
aconteceu algo de muito desagradável, com essa morte de meu neto que era o
mais afetuoso de todos. Quando cheguei à fazenda, vi aquele mundo de gente
reunida na casa grande, todos ali muito tristes... Depois me levaram a um
lugar e vi meu neto sem sapatos, deitado. Disse a ele: 'Meu netinho, por
que você está sem sapatos a esta hora da festa?' Passei a mão em sua
barriguinha, que senti fria, mas ainda não tinha entendido direito, até
que tirando os cabelos de seu rosto, vi sua cabeça caída, mole. Foi de
repente, como um raio, entendi porque não havia música. Me conformei pela
primeira vez. Trabalhei com loucos; eu sei que só mesmo os loucos não se
conformam nunca.
Hoje não exerço mais a medicina, estou muito velho.
Agora fico andando por estes parques, estes jardins, estes bosques,
admirando a quietude, saudando os ruídos das cigarras, dos riachos;
acompanhando o vôo dos pássaros. Quando vai caindo a noite, parece que vou
ouvindo cada vez mais o silêncio povoado de ruídos que a gente não sabe de
onde vêm, e que acredito sejam os ruídos da solidão. Tenho medo. Você
ainda não sabe disto, meu filho, mas os ouvidos dos velhos vão sendo
habituados com ruídos que vêm de lugar algum; em lugares onde há muito
barulho, ficam imperceptíveis. Por isso, não quero ficar aqui, quero
voltar para a cidade grande e barulhenta para não ouvir os ruídos de minha
alma.
Adiós Muchachos, letra de Carlos
Gardel
Adios muchachos, compañeros de mi
vida, .................. Adeus rapazes, companheiros de minha
vida,
Barra querida de aquellos tiempos; ..............................
Turma querida daqueles tempos;
Me toca a mi hoy emprender la retirada,
...................... Cabe a mim hoje empreender a retirada,
Debo
alejarme de mi buena muchachada; ................... Devo afastar-me de
minha boa rapaziada;
Adios muchachos, ya me voy y me resigno,
.................. Adeus rapazes, já me vou e me resigno,
Contra el
destino nadie la talla; .................................... Contra o
destino ninguém argumenta;
Se terminaron para mi todas las farras,
........................ Acabaram para mim todas as farras,
Mi cuerpo
enfermo no resiste más. ............................... Meu corpo enfermo
não resiste mais.
Acuden a mi mente,
...................................................... Voltam a minha
mente,
Recuerdos de otros tiempos;
......................................... Lembranças de outros
tempos,
De los bellos momentos,
............................................... Dos belos momentos,
Que
antaño disfrute; ......................................................
Que então eu desfrutei;
Cerquita de mi madre,
.................................................. Juntinho de minha
mãe,
Santa viejita;
................................................................. Minha
santa velhinha;
Y de mi noviecita,
.......................................................... E de minha
noivinha,
Que tanto idolatre;
........................................................ Que tanto
idolatrei;
Se acuerdan que era hermosa,
..................................... Lembram-se que era formosa,
Mas
linda que una diosa; .............................................. Mais
bela que uma deusa;
Y que, ebrio yo de amor,
............................................... E que, ébrio eu de
amor,
Le di mi corazón?
......................................................... Lhe dei meu
coração?
Mas el señor, celoso,
..................................................... Porém o Senhor,
ciumento,
De sus encantos;
............................................................ De seus
encantos;
Hundiendome en el llanto,
............................................ Cobrindo-me de pranto,
Me
la llevo.
.................................................................... Ma
levou.
Adios muchachos, compañeros de mi vida, ..................
Adeus rapazes, companheiros de minha vida,
Barra querida de aquellos
tiempos; .............................. Turma querida daqueles
tempos;
Me toca a mi hoy emprender la retirada, ......................
Cabe a mim hoje empreender a retirada,
Debo alejarme de mi buena
muchachada; ................... Devo afastar-me de minha boa
rapaziada;
Adios muchachos, ya me voy y me resigno, ..................
Adeus rapazes, já me vou e me resigno,
Contra el destino nadie la
talla; .................................... Contra o destino ninguém
argumenta;
Se terminaron para mi todas las farras,
........................ Acabaram para mim todas as farras,
Mi cuerpo
enfermo no resiste más. ............................... Meu corpo enfermo
não resiste mais.
Es dios el juez supremo,
............................................... É Deus o juiz
supremo,
No hay quien se le resista;
............................................ Não há quem se lhe
oponha;
Ya estoy acostumbrado,
................................................ Já estou
acostumado,
Su ley a respetar;
.......................................................... A respeitar sua
lei;
Pues mi vida deshizo,
................................................... Pois minha vida
desfez,
Con sus mandatos;
........................................................ Com seus
mandatos;
Al robarme a mi madre,
................................................ Ao levar minha mãe,
Y
a mi novia también; ................................................... E
minha noiva também;
Dos lagrimas sinceras,
.................................................. Duas lágrimas
sinceras,
Derramo en mi partida;
................................................. Derramo em minha
partida;
Por la barra querida,
..................................................... Pela turma
querida,
Que nunca me olvido;
................................................... Que nunca me
esqueceu;
Y al darle, mis amigos,
.................................................. E ao dar-lhes, meus
amigos,
El adiós postrero;
........................................................... O último
adeus;
Les doy con toda mi alma,
............................................ Lhes dou com toda minha
alma,
Mi bendición.
................................................................. Minha
bênção.
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Uma Rosa Para Augusta, adaptação de O Nome
da Rosa
No princípio era o Verbo e o
Verbo estava junto a Deus, e o Verbo era Deus. Conceda-me o Senhor a graça
de ser testemunha transparente dos acontecimentos que tiveram lugar no
convento de São Domingos nas Perdizes, ao findar do ano do Senhor de 1977
em que o imperador Ludovico entrou na Itália para reconstituir a dignidade
do sagrado império romano.
Eis pois que no ano de 1964 cinco príncipes
germânicos elegeram, em Frankfurt, Ludovico da Baviera regente supremo do
império. Mas no mesmo dia, na outra margem do Meno, o conde palatino do
Reno e o arcebispo de Colônia tinham eleito à mesma dignidade Franz
Ferdinand da Áustria. Dois imperadores para uma única sede e um único papa
para duas: situação que se tornou, na verdade, incentivo para grande
desordem...
Dois anos depois era eleito em Avignon o novo papa,
Carlinhos Argentino, velho de 72-anos, justamente com o nome de Carlos
XXII, e queira o céu que nunca mais um pontífice assuma um nome assim, já
tão malquisto pelos bons. Nesse ínterim, inserira-se na trama toda Alberto
Justus de Nápoles, que para manter o controle da península italiana
convencera o papa a não reconhecer nenhum dos dois imperadores germânicos,
e assim permanecera capitão-mor do estado da igreja.
Em 1972 Ludovico,
o Bávaro, batia seu rival Franz Ferdinand. Ainda mais temeroso de um único
imperador, do que o fora de dois, o papa Carlos XXII excomungou o
vencedor, e este, em contrapartida, denunciou o papa como herético.
Foi
nesse ponto, imagino, que Ludovico viu nos padres dominicanos, já então
inimigos do papa, poderosos aliados. E por fim, não muitos meses antes dos
eventos que estou narrando, Ludovico, que havia chegado a um acordo com o
vencido Franz Ferdinand, descia na Itália, era coroado em Milão, entrava
em conflito com os Caminnati, sitiava Pisa, nomeava vigário-imperial
Luizito Martinez, duque de Lucca e Pistóia, e já se aprestava a entrar em
Roma, chamado por J. Fadon, senhor do lugar. Eu e meu mestre atingimos
assim o tôpo da rua Caiubi nas Perdizes onde se erguia o convento. E é
hora que, como fizemos então, dele se aproxime minha narrativa, e possa
minha mão não tremer sobre o teclado de meu Pentium 4 quando começar a
contar o que aconteceu em seguida.
"Io non sapevo che se potesse amare un
sogno più d'una personna viva..."
Conheceram-se na Estação da Luz.
Há cerca de quatro dias. Ele voltava de uma longa viagem pela América do
Sul, passando pelo Uruguai e Argentina.
Engenheiro de sucesso, tinha
vivido momentos de glória, mas logo veio o tédio trazido pela monotonia da
falta de imaginação dos colegas. Suas melhores idéias haviam sido
profanadas e seus ideais estavam irremediavelmente gastos. Restava vagar
por aí. Sem rumo. Já não acreditava nem mesmo num possível encontro
passional; não se sentia mais capaz de se emocionar com coisa nenhuma. O
negócio era pegar alguma grana e partir. Foi assim, partiu, vagou três
anos, voltou e nada mudou dentro de si. Era como se não tivesse saído
dali. Agora chovia e sua volta estava mais triste do que a sua partida.
Gente molhada, asfalto molhado, olhos molhados: pela primeira vez, em pelo
menos trinta anos, chorou, na porta principal da Estação da Luz. Mesmo
boiando numa multidão, sentiu-se só, muito só. Distante de tudo. Se lhe
saísse a voz, talvez gritasse por socorro. Mas a certeza de que ninguém
ali poderia ouví-lo deixava-o inerte em silêncio. De certa forma, era como
se fosse invisível e que os sons que produzisse fossem de outra espécie,
inaudíveis para pessoas comuns. Achou então que invisível poderia chorar à
vontade.
Subitamente sentiu-se observado; teve vontade de fugir, mas
antes quis ver quem estaria interessado em vê-lo chorar. Olhou
diretamente.
Ela estava parada alguns degraus abaixo, quase na chuva;
vestia uma capa de verniz preto, um lenço verde cobria seus cabelos
ruivos.
Agora já era impossível fugir; não teria para onde, seu olhar
verde o acompanharia aonde fosse. Desceu então lentamente até ela e
disse:
Meu nome é Fernando e o seu?
- O meu é Priscila. Por que você
está aí assim...?
- Porque eu não acreditava mais que você viesse. Você
nem ninguém. Posso lhe pedir que me ajude a sair daqui; estou há horas
imobilizado, achando inútil ir a lugar algum...
Já no seu carro,
Priscila: - Onde posso deixá-lo? Vou a um jantar em casa de amigos no
Morumbi, talvez seja seu caminho de alguma forma...
- É meu caminho
sim.
Ficaram em silêncio os dois, acompanhando os limpadores de
pára-brisa em vaivem automático, hipnótico. Muita chuva, trânsito
ruim.
Priscila tentou adivinhar, na pausa do silêncio, quem seria ele.
Não queria perguntar para não tirar o encantamento do encontro; depois já
conhecia muito dele, pois tinha-o visto chorar. Chegaram na casa dos
amigos. Priscila parou o carro, desligou o motor mas deixou os limpadores
de pára-brisas ligados.
- Espero que aqui seja perto de onde você vai -
disse Priscila, sorrindo.
- Eu vou aqui mesmo. Vou a esse jantar comm
você. Vim de longe para estar com você.
Priscila sentiu que não
encontraria nada de verdadeiro que pudesse opor à vontade dele de estar
com alguém, de estar, quem sabe, com ela. Olhou mais uma vez para ele,
rapidamente, assim como quem não está olhando nitidamente; viu muito.
Gostou. Achou que valia não quebrar a mágica daquele momento. Um mordomo
alemão abriu a porta. Casa convencional, muito luxo. Os amigos de Priscila
mostraram-se discretamente curiosos acerca de Fernando. Fernando respondeu
antes que Priscila pudesse dizer qualquer coisa.
- Não nos conhecíamos
até há pouco. Priscila me recolheu chorando na Estação da Luz.
O jantar
custou para passar. Entre sorrisos educados e frases sem emoção, os
olhares de Priscila e Fernando se encontraram algumas vezes. Fez-se maior
o encantamento.
Despedidas. Na saída, Priscila perguntou:
- Você me
acompanha? Tenho medo de voltar sozinha, até minha casa, de
madrugada...
Pararam em frente à casa de Priscila. Falaram de encontros
e desencontros. Contaram trechos de suas histórias, lembranças. Continuava
a chover. O limpador foi apagando as pausas de silêncio, fragmentos de
memórias que iam se fixar no vidro do carro.
- Você não quer entrar
para tomar alguma coisa?
- Eu sou viúva com três filhas, sabe... viúva
de um acidente matrimonial do qual sobrevivemos os dois terrivelmente
contundidos e traumatizados. Ele continua por aí. Juntos fizemos
conjecturas sobre o tempo que leva para o cotidiano gastar até a última
fibra uma relação.
Silêncio pesado em que os dois sentiram, ao mesmo
tempo, medo do encantamento do encontro. Então foi o primeiro beijo, mal
dado, brusco e contraído. Priscila sugeriu embaraçada que saíssem por aí.
Andaram sem rumo, sem palavras para trocar. Chuva, luzes, asfalto. Vontade
de fugir, mas assim mesmo continuar juntos. Encantamento do encontro
invadindo tudo. Fernando guiando, voltaram a passar pela Estação da Luz
onde pararam meia hora. Ela teve vontade de perguntar por que ele estava
chorando naquela porta. Daí por diante, os beijos ocuparam um tempo e um
espaço imensos.
Foram para um motel, na estrada do Embu. Horrível mau
gosto. Profanação ao encanto do encontro. O cheiro era demais, e ela
disse:
- Vamos embora daqui.
Olhando prudentemente para ela, ele
encontrou seu olhar. Instantaneamente souberam que o encantamento ainda
estava ali, entre eles, envolvente e quente.
O carro parou diante de um
altíssimo portão de ferro. Fernando abriu e convidou Priscila a entrar.
Priscila teve medo. - Aqui é a minha ex-casa; ou melhor a casa de minha
ex-mulher. Ela está viajando por tempo indefinido e teoricamente ainda
vivo aqui. Tenho as chaves. Há três anos que não venho aqui. Pelo jeito
está tudo igual. Vamos para cima.
Priscila teve medo, pela escuridão,
pelo estranho que era estar ali, por não conhecer aquele cara: Fernando.
Lembrou-se de seus olhos chorando.
Nunca tinha visto um homem chorar.
Teve a confiança de quem já conhece bem o parceiro. Sentiu a atração de
quem não conhece ainda o suficiente e quer descobrir quem é. Subiram.
Tapeçarias pelas paredes.
Fernando pegou Priscila no colo, e
disse:
- Ma poupée...
Priscila pensou: "Esse cara já deve ter dito
essas palavras para mil mulheres..."
Depositou-a suavemente numa cama
barroca de dossel e baldaquino. Saiu.
Priscila estava transida e
excitada.
Ele voltou vestido num quimono de seda preta. Trazia uma
bandeja com pencas de uvas e champagne. Ela sentiu como se ele tivesse
levado horas para chegar da porta do quarto até à cama.
Treparam muito.
Foi muito bom, desde o primeiro minuto. Afinidade. Que parecia confirmar o
encontro.
Nus se olharam bem e se acharam bonitos. Se tocaram para se
compreender melhor. Agora, já em paz, conversaram
devagarzinho.
Priscila riu tranquila. Estavam os dois naquele
esconderijo onde a intimidade do homem e da mulher se mantém sempre fresca
e não envelhece nunca.
Viveram muitos momentos assim. Todos os dias se
amaram e iam se descobrindo mais um pouco; estavam muito perto, mas
curiosamente não moravam na mesma casa. Ficaram assim por quase dois anos.
Um dia Priscila disse:
- Não podemos continuar assim. É impossível
conciliar minhas responsabilidades familiares com esta vida de fantasia
que você insiste em me fazer levar... quero ordem...
- Não entendo essa
ordem que você pretende... não arrasto você para longe de você mesma, pelo
contrário, queria que fôssemos os dois juntos, no meu sopro, indo ao
encontro de nós mesmos. Do mesmo modo que vim, posso ir-me afastando
devagarinho, sem fazer ruído... mas antes gostaria que você viesse comigo,
sei de um lugar tão bonito onde há silêncio e o espaço de um grande
tablado de espelho. Lá dançaríamos um último tango...
- Priscila: às
vezes fico pensando o que em você pode ter-me atraído tão forte no começo;
você era diferente dos homens que eu tinha conhecido. Naquela época eu
pensava todo dia em namorar, noivar e casar. Queria que ficássemos juntos
como todo mundo fica: mesma casa, vida estável, enfim...
- Tudo igual
ao sempre igual...
- Agora fica difícil entender o que aconteceu. Você
mudou muito. Não é mais aquele que eu conheci. A ponto de eu ficar me
perguntando hoje o que me atraiu em você. Custo a reconhecer em você agora
o que foi.
- ... dei uma grande volta para meus padrões. Tentei me
adaptar ao modelo que você me descreveu. Não digo que esteja inteiramente
confortável na pele desta personagem que é quase inteiramente oposta ao
que eu era. Mas foi uma adaptação consciente... pena que você rejeite
agora o modelo que você mesma imaginou...
- Sempre sonhei muito.
Persegui sonhos semmpre. Mas também fui condicionada a que não se pode
viver um sonho. Não é permitido viver no céu; tem que viver no purgatório,
para merecer viver. Assim, o sonho chegando presente, me assusta porque eu
acho proibido tê-lo na minha mão; e aí eu parto para perseguir um novo
sonho...
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I'll be seeing you in all
the old familiar places
That this heart of mine embraces all day
through
In that small cafe, the park across the way
The children's
carousel, the chestnut trees, the wishing well
I'll be seeing you
in every lovely summer's day
In everything that's light and gay
I'll
always think of you that way
I'll find you in the morning sun
And
when the night is new
I'll be looking at the moon
But I'll be seeing
you
I'll be seeing you in every lovely summer's day
In
everything that's light and gay
I'll always think of you that
way
I'll find you in the morning sun
And when the night is
new
I'll be looking at the moon
But I'll be seeing you...
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