WING CHUN KUEN - simplicidade, economia e objetividade

Sifu Iran Sena

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Apresentamos nesta página uma breve introdução à terminologia e a História do Kung fu, uma breve introdução ao wing chun como sistema e a pedagogia adotada no ISWC. Boa leitura.

Introdução à terminologia e a História do kung fu

A expressão Kung Fu ( = Kung + gùng=Fu), pode ser traduzida de várias maneiras. A acepção que consideramos mais adequada é a que a traduz por "tempo de habilidade". O termo Kung (fù), escrito de outra maneira, significa simplesmente ataque; sua aplicação reduziria o Kung Fu a uma simples luta. A forma gùng, por sua vez, tem o inconveniente oposto de ser ampla demais. refere-se a qualquer habilidade e a qualquer pessoa. Desse modo é aplicado numa esfera cultural muito mais abrangente que a das artes marciais: a esfera onde se expressa qualquer habilidade humana[1].

A fim de referir-se de modo mais específico às artes marciais, os chineses utilizam duas outras expressões: Wu Shu e Kuo Shu. A primeira expressão engloba amplamente todo o ambiente das artes marciais e militares em todo o mundo; o segundo restringe-se apenas ao universo das artes marciais chinesas.

Para expressar uma arte marcial específica, um estilo ou um sistema particular, os chineses usam o termo Kuen (=Punho). Em Wing Chun, é comum a expressão Hai Tung (kyùhn) para expressar a idéia de sistema, associada a esta arte.

Na atualidade, está se tornando cada vez mais comum utilizar a expressão Kuo Shu para designar o estudo e prática do kung fu tradicional, e Wu Shu para designar a prática esportiva, muitas vezes referida como Wu Shu Olímpico.

Numa perspectiva de totalidade, em que se pense o homem inserido na cultura de seu povo e de seu tempo, o kung fu é apenas mais uma forma de expressão, através da qual o indivíduo se manifesta de modo particular e efetiva sua universalidade[2]. É esta forma (gùng), e com esta acepção que aplicamos no ISWC. A fim de conhecermos um pouco mais da fonte, faremos um breve percurso na História do Kung Fu, começando por sua origem. Vale lembrar, no entanto, que não existe uma única versão e que neste terreno separar a lenda da História é uma tarefa impossível.

Origem do Kung Fu

A origem do Kung Fu, como o conhecemos hoje, está relacionada, de um lado, ao militarismo do povo chinês, e de outro, a vinda de Bodhidharma da Índia para a China. Quanto ao militarismo, ou ao espírito guerreiro do povo chinês, as explicações são controvertidas. Alguns atribuem este "espírito guerreiro do povo chinês"[3], primeiro a grande extensão do território, que dificultava a proteção das fronteiras, segundo as invasões estrangeiras que obrigavam os imperadores a manterem grandes exércitos, terceiro as guerras internas entre os "senhores feudais" e os imperadores. Não nos parece que um povo se restrinja aos governantes com seus exércitos; de modo que não parece correta a proposição que atribui a origem do kung fu ao militarismo do povo chinês. Há ainda outro fator: a miséria e a superpopulação. A maioria não tendo nada, matava por um prato de comida, e o restante era obrigado a defender o pouco que possuía com a própria vida. O argumento é que este estado de miséria gerou um interesse natural do povo pelas artes marciais. De um lado, a necessidade dos imperadores de manterem grandes exércitos, de outro, o interesse do povo pelas artes marciais, gerado pela necessidade de garantir a sobrevivência. A necessidade de defender o território e pouca preocupação com a vida, de um lado e, de outro, a necessidade de sobreviver e nenhuma preocupação com território.

Um fato histórico onde se pode verificar uma certa manifestação do espírito guerreiro do povo chinês, foi a revolução dos boxers, onde a população[4] e certas lideranças políticas estiveram unidas contra os desmandos do governo envolvido em corrupção e tráfico de ópio. No entanto, os boxers insuflam o povo à revolta, apelando muito mais para um espírito nacionalista do que para sua consciência de povo, conforme demonstra um dos cartazes afixados em Pequim na noite inicial da revolta, o qual reproduzimos abaixo.

"O Santo imperador Chu Hung Tang avisa a todos os discípulos de Budha: morte aos demônios do oeste que oprimem nosso país escarrando sobre nossos deuses e roubando nossas riquezas. O grande momento já foi escolhido pelo destino. O céu não permitirá que aqueles que violaram tantas sepulturas para abrir caminho para suas máquinas de ferro e que tomaram a força as terras dos filhos do sol escapem à condenação de seus crimes. Insolentes como são, esses bárbaros não recuam diante de nada. É por essa razão que nós, membros da Sociedade Harmoniosa do Punho Fechado, membros da arte marcial chinesa, da justiça e da concórdia, o convidamos a massacra-los sem piedade no cair desta noite" [5].

O texto deste cartaz indica bem o espírito nacionalista da apelação. Este espírito não tem seu fundamento nas artes marciais, nem tampouco é este espírito um fundamento para as artes marciais. Pensamos que não dá para atribuir a origem das artes marciais, na china, a um espírito próprio de seu povo, mas a um conjunto complexo de fatores que, decerto, inclui também este espírito. Chamamos a atenção também para a noção incorreta do termo povo, na expressão "espírito guerreiro do povo chinês", no contexto que anunciamos aqui.

A origem das artes marciais, na China[6], se situa num tempo muito antigo, e está ligada aos nomes de Hua To e Bodhidharma. Concluiremos esta parte com um breve relato sobre Hua To. Em breve iremos disponibilizar um texto sobre as influências de Bodhidharma na origem e desenvolvimento do kung fu.

Hua To

Hua To foi um médico nascido no distrito de Anewei, na China. Viveu entre os anos 141 e 203 e ficou famoso como o pai da educação física e por ter sido o primeiro médico a usar um analgésico em suas cirurgias.

A importância de Hua To nesta História, no entanto, deve-se ao fato de ter sido atribuída a ele a criação de uma série de exercícios imitando o movimento de animais chineses que davam grande ênfase a práticas respiratórias e que, com o tempo, passaram a ser aplicados como defesa pessoal. O objetivo desta série de exercícios, denominada Wu Chi Si, era prevenir contra doênças e servir como um método diário de ginástica. Como prova de sua eficácia muitos relatos acrescentam que dois discípulos de Hua To (Wu Po e Fae Ya) viveram mais de 90 anos sem perder um só dente e com a visão e a audição tão aguçadas quanto na juventude. Muitos atribuem aos exercícios de Hua To a origem de muitos estilos internos (Nei Chia) de kung fu, pois além das práticas respiratórias e dos movimentos, também tinham a intenção de manejar as manifestações energéticas Ying e Yang da natureza, que é a base do Tai Chi Chuan, do Pa Kua e do Hsing I.

Obs.:

Todos os ideogramas, e suas respectivas traduções, foram colhidas no site http://home.vtmuseum.org/

 

Notas:

[1] Por isso mesmo temos preferência por esta esta grafia, porque deste modo podemos utlizá-la na acepção de que as artes marciais são um meio de inserir um indivíduo singular (praticante do wing chun) no universo cultural da humanidade. A expressão do artista marcial é a efetivação do universal do gênero humano em cada um de seus atos singulares.

[2] Este ponto tem um caráter filosófico. Será necessário esclarecer oralmente ou num texto específico, a natureza dialética do uso dessas categorias (universal, particular e singular), nas esferas da lógica, da teoria do conhecimento e da ética.

[3] Fraternidade Kung fu. Apostila 2 do primeiro nível.

[4] Escrevi população, não povo.

[5] Fraternidade Kung fu. Apostila 37 do primeiro nível.

[6] Escrevo na China e não chinesas, porque penso que nesta origem do Kung Fu está a origem de tudo que hoje denominamos artes marciais.

Introdução ao Wing Chun Kuen

Wing Chun Kuen é uma arte marcial do sul da China. Atualmente são reconhecidas diversas linhagens, as quais mantém em comum a característica de um sistema fundado nos princípios da simplicidade, economia e objetividade. Algumas das linhagens mais conhecidas são Yuen Kei-San Wing Chun Kuen, Gu Lau Wing Chun Kuen, Cheung Bo Wing Chun Kuen e Yip Man Wing Chun Kuen. Existem outras linhagens menos conhecidas, mas não menos importantes. Se um praticante de alguma outra linhagem ler este artigo, poderá nos enviar um e-mail e a acrescentaremos em nossa próxima revisão.

São muitas as lendas sobre a origem do Wing Chun Kuen. Segundo a linhagem Yip Man, da qual nos sentimos diretamente ligados, a versão predominante atribui a origem do Wing Chun a freira budista Ng Mui que ensinou sua arte, oriunda de Shaolin, a uma jovem vendedora de vagens chamada Yim Wing Chun há pouco mais de 200 anos. Foi o esposo de Yim Wing Chun, de nome Leung Bok Chau que denominou esta arte de Wing Chun Kuen. Somente a partir de Leung Jan os registros são mais consistentes o que permite dividir a rota genealógica do wing chun em dois momentos: a rota lendária, antes de Leung Jan e a rota histórica, de Leung Jan em diante. Um fato, no entanto, não deve passar despercebido, tanto em sua rota lendária quanto em sua rota histórica, o wing chun kuen é rico em fatos que atestam sua eficácia em situações reais de luta. Os feitos de Yim Wing Chun, ao derrotar o bandoleiro Wong; os combates do Dr. Leung Jan, apelidado Rei do Kung Fu de Wing Chun; os desafios de Wong Shun Leung defendendo o Wing Chun contra outros estilos em Hong Kong; as brigas de rua de Hawkins Cheung e Bruce Lee nos bairros violentos de Hong Kong, as lutas menoráveis de William Cheung, etc., são todos fatos que atestam com a mesma intensidade o valor marcial do Wing Chun Kuen.

Neste artigo introdutório parece-nos oportuno tratar de dois pontos: a noção de sistema e a pedagogia wing chun.

A noção de sistema e a pedagogia wing chun

Assumimos que o Wing Chun é uma arte marcial altamente científica, fundamentada nos princípios de simplicidade, economia e objetividade. Reivindicar ou enaltecer a fundação científica do Wing Chun, não significa de modo algum que se deve buscar explicar e estruturar seus movimentos, diretamente na mecânica de Newton ou, indiretamente, numa física aplicada à biologia ou biomecânica. Sem dúvida que um conhecimento nestas áreas podem ajudar estudantes e professores, mas o objeto do wing chun kuen exige um estatuto epistemológico para além do alcance destas ciências; de fato muito mais próximo às ciências humanas do que às ciências da natureza. Não é nosso propósito desenvolver este tema, mas nos parece oportuno adiantar que uma concepção dialética de sistema é apropriada não só à compreensão do wing chun kuen, mas também à edificação de uma estrutura pedagógica capaz de orientar os estudos e práticas em direção a uma formação integral e integrada do ser humano. A fundação científica do wing chun kuen nos princípios da simplicidade, economia e objetividade, para que seja corretamente ensinado, traz a exigência pedagógica de que seja pensado como sistema (Hai Tung ), ou seja, um todo maior que a soma de suas partes. Princípios, técnicas, atributos, estratégias, táticas, e metodologias estão intrinsecamente relacionados, produzindo um resultado maior que sua soma. Somente com esta compreensão de sistema, numa perspectiva dialética das relações intrínsecas de seus constituintes, o praticante poderá progredir com eficácia. Quando Bruce Lee ensinou que "antes de aprender a arte, um soco era apenas um soco, que ao aprender a arte um soco não era mais um soco e que, após aprender a arte, um soco era apenas um soco", ele, de fato, expôs todo o processo de aprendizagem e a pedagogia do wing chun. O estudante deve passar de um estado de naturalidade a outro, mas no processo é preciso atravessar uma fase de estranhamento. Todo o conteúdo do wing chun está contido nos kuen to Siu Nim Tau, Chum Kiu e Biu Jee, sendo complementado pelas técnicas do Muk Jong e pelos kuen to com armas Luk Dim Bun Kwan e Pa Cham Dao. Na esfera formal, Siu Nim Tau representa a fase de maior estranhamento, onde o estudante é introduzido nos principais movimentos, técnicas, conceitos, princípios, etc. Chum Kiu representa uma mudança ao acrescentar o movimento. Quando, aos princípios e técnicas do Siu Nim Tau, é incorporado o movimento, dá-se, ao mesmo tempo, sua conservação e sua superação. Se Chum Kiu é construído na base do Siu Nim Tau, o Biu Jee é construído na base dos dois. O "novo" do Biu Jee é a "energia de explosão" (desculpem a falta de uma expressão mais adequada). Este novo tipo de energia (e de movimentação) torna o estudante capaz tanto de usar o poder estático do Siu Nim Tau para neutralizar o movimento do Chum Kiu, quanto o movimento do Chum Kiu para neutralizar o poder estático do Siu Nim Tau. Tudo já está dado aqui, mas o estudo das outras formas pode tornar tudo isto ainda melhor, polindo e aperfeiçoando cada habilidade adquirida até então.

Enquanto se permanece no nível formal (esfera dos Kuen To), nada há de concreto, não há nenhuma efetividade e, portanto, nenhuma objetividade. Em outras palavras, permanecendo na esfera dos Kuen To, não há wing chun, pois não há wing chun sem objetividade. O Chi Sau é o elemento de transição capaz de tornar os princípios e técnicas contidos nos Kuen To em algo efetivo. Chi Sau é o treino da sensitividade realizado com um ou mais parceiros. Quando o contato entre os praticantes é contínuo denominamos o treino de Chi Sau, quando o contato é descontínuo, denominamos San Sau. Chi Sau (e San Sau) desenvolve as ferramentas do wing chun em nível abstrato de efetividade, uma vez que esta prática estará sempre delimitada por certas normas e cumprindo funções previamente determinadas.

O treinamento na esfera de aplicação sistemática, Mai San Jong, é mais efetivo porque o nível de liberdade dos praticantes é maior que na esfera de Chi Sau; mas é ainda uma efetividade abstrata,. O Lat Sau (combate controlado por um instrutor num ambiente familiar) e mesmo as lutas em um torneio, são sempre limitados por regras. Na esfera de Mai San Jong, o estudante deve ser preparado para aplicar tudo que aprendeu em situações reais, não só no universo das artes marciais, mas em toda a vida. Lat Sau; torneios de kuen to, de chi sau, de combate; seminários sobre outras artes marciais; etc., são algumas práticas comuns nesta fase.

A esfera de aplicação real, denominada Jau Gong Wu, representa o momento da livre expressão do estudante nas artes marciais e na vida. No universo das artes marciais é Gong Sau (luta real, briga de rua); no universo da vida traduz-se em equilíbrio psicológico e agir moral.

Podemos concluir que Wing Chun Kuen é uma arte marcial em cuja aprendizagem se verifica a passagem de uma naturalidade a outra, mais rica que a primeira. Neste processo a expressão da arte é cada vez menos limitada, atravessando a fronteira das artes marciais e atingindo sua plena expressão na totalidade da vida. Posso medir o valor de determinado Wing Chun pelo grau de liberdade que proporciona ao praticante.

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