Capítulo

Treze

 

 

 

 

 

 

 

Imóvel, sob o corpo satisfeito de Daniel, Adriana de repente parecia confusa, angustiada. Tentou entender por que se sentia assim, e concluiu que não deveria ter feito o que fez, afinal, apesar dos pesares, ainda era uma mulher casada. Sabia que era no mínimo ridículo dedicar fidelidade a um marido que não a valoriza nem um pouco. Mas, ainda assim, seu coração continuava pesado. Muito pesado.

Imaginando que Daniel fosse simplesmente tombar para o lado, como Roberto costumava fazer depois que se satisfazia, ela aguardou por um momento. Mas ele continuou ali, a beijar seu rosto sem nenhuma pressa. Parecia que nunca mais ia parar de acariciá-la.

  Preciso ir, Dani.

  Por quê? – perguntou ele num murmúrio. – Ainda é cedo. Temos pelos menos vinte minutos.

  Eu sei. Mesmo assim eu preciso ir – argumentou.

Ele meneou a cabeça.

  Hã-hã.

Depois, tornou a roçar os lábios por todo o seu rosto, deixando-a cada vez mais atordoada.

  Dani, por favor. Deixe-me levantar. Eu preciso ir.

  Mas por que, Dri? – Ele parou por um instante para fitá-la. Ela ainda estava com os lábios e o rosto levemente afogueados, mas aquele brilho que ele vira em seu olhar enquanto faziam amor havia desaparecido por completo. – Por quê?

Ela comprimiu os olhos com força. Não sabia o porquê. Simplesmente não sabia o porquê!

  Dani, por favor...

  Olhe para mim, Dri – pediu ele, e esperou até que ela atendesse ao seu pedido. – E primeiro me explique o motivo dessa angústia toda. Você parecia tão feliz agora a pouco.

  Saía de cima de mim. – Ela se exasperou e gritou, embora não fosse essa sua intenção. – Saía de cima de mim, por favor.

Daniel a liberou quando viu o pânico em seu olhar. E não entendeu. Não entendeu nada.

  Meu Deus, Dri, o que houve?

Ela levantou-se rápido e catou a calcinha aos pés da cama.

  Nada, Dani. Nada.

  Temos muita coisa para conversar. Por que não aproveitamos esse tempo? – sugeriu Daniel.

Cada vez mais confusa e angustiada, Adriana correu até a sala e gritou de lá:

  Não vai dar.

Daniel vestiu um roupão rapidamente e seguiu atrás dela. Ela já começara a vestir as roupas.

  Por que tanta pressa?    

Ela terminou de se vestir e nada respondeu.

  Temos que aproveitar para...

  Outro dia, Dani – e catou a bolsa para ir embora. – Outro dia.

  E por que não hoje? – Ele quis saber.

Sem saber o que explicar, Adriana desatou a gaguejar.

  Por-porque sim.

Daniel passou as mãos pelos cabelos num gesto de desespero. Tudo o que ele precisava era entender o que havia acontecido com ela.

  Dri, por que está agindo assim?

Deus, por que ele simplesmente não a deixava partir? Por quê?

  Desculpe... preciso ir.

Ele sentiu que ela tremia quando a segurou pelo braço. Mesmo assim obrigou-a sentar-se ao seu lado.

  Dri, eu entendo que esteja com medo.  Mas eu te amo. Quero vê-la feliz. Fazê-la feliz.

  Eu sei – murmurou ela, com lágrimas aflorando em seus olhos castanhos. – Eu sei disso.

  Então por que não se separa logo do seu marido e vem pra cá? Garanto que ao meu lado você e a Letícia estarão protegidas. Contratarei quantos seguranças precisarem. Se precisarem. Pois sinceramente eu não acredito que o Roberto tenha coragem de fazer mal à própria filha. E quanto a você, quanto à separação, com certeza ele vai acabar aceitando.

Adriana baixou a cabeça. O que havia de errado com ela? Por que estava se sentindo assim? Não conseguia compreender.

  Preciso ir – repetiu por fim, e levantou-se no mesmo instante.

Antes de colocar-se no caminho dela, Daniel precisou respirar fundo para tentar aliviar a dor que havia em seu peito. Mas nada podia aliviar uma dor tão grande.

  Você ainda é apaixonada por ele, não é? Na verdade, não quer se separar.

  Não, Dani, não é isso.

  O que é então? – perguntou ele, oscilando entre a impaciência e o mais profundo desespero. – Explique-se. Acho que você me deve isso, não acha?

  Eu não amo mais o Beto. Tenho certeza disso.

  E por que continua com ele? – Daniel exigiu saber.

Ela tornou a baixar a cabeça, e a resposta veio em meio a um soluço que entrecortou sua voz:

  Sempre tive muito medo. Mas... eu... eu não o amo mais.

  Quero que diga isso olhando para mim, Dri.

Ela levantou o rosto nesse momento para fitá-lo, no entanto não pôde fazer o que ele pediu. Não pôde fazer!

  Desculpe...

Ele deu um passo para trás, e a expressão de decepção em seu rosto seria algo que Adriana nunca mais esqueceria.

  Droga! Claro que você ainda o ama. Tá na cara.

  Não. Eu...

  Oh, Deus, eu não posso acreditar... – murmurou Daniel quase para si mesmo. – Simplesmente eu não posso acreditar que você ame um homem que lhe maltrata. Que não lhe valoriza.

Lágrimas silenciosas correram pelo rosto de Adriana. Ela também não podia acreditar que ainda amava o marido. Mas, se não fosse isso, por que seu coração estava tão oprimido?

  Não vai me dizer nada?

Ela apertou os olhos com toda a força.

  Eu só quero um tempo para pensar.

  Ora, pelo amor de Deus, Dri! Você ainda quer pensar? Pensar o quê?

Ela não queria magoá-lo ainda mais. Mas precisava mesmo de um tempo para analisar, para pensar em tudo o que havia acontecido naquela noite, para compreender o que se passava em seu coração.

  Eu preciso de um tempo, Dani. Por favor, entenda que eu preciso de um tempo para...

  Eu não posso acreditar... – repetiu ele, enquanto a angústia em seu peito começava a se transformar em raiva, e a voz se transformava em gelo. – Sabe, Dri, eu jamais pude acreditar que uma mulher pudesse gostar de apanhar, mas acho que me enganei. Existe mesmo a famosa mulher de malando, aquela que gosta de apanhar. E você deve ser uma delas.

O sangue desapareceu das faces de Adriana. Mas voltou quando ela esbofeteou o rosto de Daniel.

  Você não tem o direito de falar assim comigo. Não tem! Exijo que me respeite!

Apenas um instante depois de falar, Daniel havia se arrependido. Aquele tapa cegou-o de raiva novamente.

  Se você não se der ao respeito, nunca será respeitada.

Ela poderia agredi-lo novamente, mas foi incapaz de revidar a provocação dessa vez. Daniel nunca falara daquela forma, nunca a magoara. Mas agora ele havia atingindo em cheio o alvo. Havia magoado profundamente.

Com o coração sangrando, ela correu rumo à porta, mas, antes de abri-la, Daniel, que correra atrás, segurou seu braço.

  Solte-me!

Ele não a soltou.

  Não acabamos ainda!

Ela fitou-o por alguns instantes. Depois, puxou o braço com força suficiente para soltar-se.

  Acabamos sim. E não me procure mais – pediu, antes de correr em disparada pelo corredor a fora. – Nunca mais!

Daniel pensou em correr atrás, porém, ao contrário disso, começou a gritar em alto e bom som:

  Isso mesmo! Volte para aquele canalha. No fundo, no fundo, vocês se merecem! Ele gosta de bater e você de apanhar.

Enquanto gritava, Daniel sentia as lágrimas correndo pelo rosto. E no mesmo instante se arrependeu por sua enorme asneira.

  Oh, Deus, o que eu fiz? O que eu fiz?

Desesperada, Adriana pegou o primeiro táxi que apareceu e foi direto para casa. No caminho, apesar do esforço, não conseguia esquecer as palavras de Daniel e nem conter o pranto. “Nunca acreditei que uma mulher pudesse gostar de apanhar, mas acho que me enganei. Existe mesmo a famosa mulher de malando, aquela que gosta de apanhar. E você deve ser uma delas.”

  Não sou mulher de malandro. – Ela pensou em voz alta. – Não sou!

  O que disse, senhora? – indagou o motorista, que olhava de esguelha pelo retrovisor do carro.

  Nada – respondeu, tentando se controlar. – Não disse nada.

O motorista não voltou a fazer mais perguntas, e Adriana continuou tentando controlar a emoção. Mas não conseguiu. Quando chegou ao portão de casa, enxugou as lágrimas e foi direto para o quarto.

  O que houve? – perguntou Roberto, assim que ela entrou.

Ela se fez de desentendida.

  Como assim?

Roberto apontou para o relógio sobre o criado-mudo. Quase meia-noite e quinze. Ela estava mais de meia-hora atrasada.

  Por que demorou tanto?

Tentando não demonstrar agitação, Adriana encostou a porta e jogou a bolsa sobre a penteadeira, antes de responder:

  O ônibus demorou a passar.

Mentirosa! O sangue de Roberto ferveu. Estivera na faculdade das dez até as onze horas e não a vira sair. Ela não fora estudar, ele tinha certeza absoluta disso.

  Estive lá na faculdade até agora a pouco – admitiu, enfurecido – e não a vi sair.

  Você foi me vigiar novamente? – Adriana sentiu a boca extremamente seca. – Você havia me prometido que não faria mais isso.

Roberto aproximou-se e agarrou-a pelos braços com violência.

  Onde você esteve?

  Na faculdade.

Ele sentiu o leve cheiro de álcool em sua boca.

  Mas que cheiro é esse?!

O coração de Adriana quase parou.

  Cheiro?! De que cheiro você está falando?

Ele farejou-a, como uma raposa fareja sua presa.

  Você bebeu?

  Não. Eu não...

  Sua vagabunda mentirosa! – berrou Roberto, antes que ela terminasse de falar. – Acha que pode me enganar?

  Não. Claro que não.

Ele a empurrou com força e ela caiu desajeitada no chão.

  Vou perguntar pela última vez: Onde esteve?

Ela levantou-se rapidamente e tentou não mostrar-se em pânico, embora todos os seus nervosos vibrassem de medo.

  Já lhe disse. Eu estava na faculdade.

  Não estava!

  Pare de gritar. Vai acordar a Letícia.

  É bom que ela ouça que a mãe é uma vagabunda.

  Você está louco! Cada vez mais louco.

Ele tornou a agarrá-la pelos braços e sacudiu-a para frente e para trás.

  Responda à minha pergunta, senão vai se arrepender profundamente.

Ela lutou para se controlar e manter a voz firme.

  Não encoste a mão em mim outra vez, Beto. Ou você é que irá se arrepender.

  Ah, é? – Ele riu do modo grosseiro. – E o que vai fazer?

Ela não respondeu.

  Vamos! – provocou mais uma vez. – Diga o que vai fazer.

  Juro que se encostar a mão em mim mais uma vez eu vou sair daqui direto para uma delegacia e vou metê-lo na cadeia.

Roberto perdeu por completo o controle e esbofeteou-a com tanta força que jogou sua cabeça para trás.

  Sua vagabunda! Por que não responde à minha pergunta?

Se Adriana tinha alguma dúvida sobre seu sentimento em relação a Roberto, neste instante, teve certeza que não o amava mais. Na verdade, ela o odiava com todo o seu ser.

Existe mesmo a famosa mulher de malando, aquela que gosta de apanhar. E você deve ser uma delas.”...

Não sou mulher de malandro. Não sou!

  Você é um covarde. – E deixou a raiva imperar sobre o medo. – Um covarde! Covarde!

  Estou perdendo a paciência com você – sibilou Roberto entre os dentes. – Tem mentido para mim constantemente.

  Mas que droga! Eu não estou mentindo! Fui mesmo à faculdade.

  Vagabunda! – Ele a empurrou de novo. – Por que mente tanto? Tem outro metido nesta história?

Apesar do treinamento constante que Adriana dedicara à capoeira nas últimas semanas, ela descobriu nesse momento que ainda não tinha adquirido habilidade suficiente para enfrentar Roberto. Mas por pura força de vontade voltou a se colocar de pé. Não entregaria os pontos nunca mais.

  Não vou responder mais às suas perguntas idiotas. Assim como não fico aqui nem mais um dia.

No instante em que Adriana se colocou de pé, foi novamente golpeada. Ela soltou um uivo de dor ao bater a cabeça com tudo na quina da madeira do criado-mudo e machucar o braço no chão.

  Desgraçado! Vai me pagar caro por isso.

Ainda mais descontrolado, Roberto acertou um chute com toda a força no estômago de Adriana.

  Diga onde esteve.

Ela sentiu o gosto da bile na garganta. Mas ainda conseguiu energia suficiente para gritar:

  Vá para o inferno, seu maldito! Você vai ver, vou processar você.

  Se fizer qualquer coisa contra mim, nunca mais verá sua filha.

  Amanhã mesmo eu vou denunciá-lo à delegacia. – Ela desafiou-o, apesar do instinto lhe dizer veementemente para não fazer isso. – E você é que nunca mais verá a sua filha.

Ele grunhiu como se fosse um bicho. Um bicho grande e perigoso.

  Não me tire do sério, Adriana. Não sabe do que sou capaz.

  Sei sim, seu grande covarde!

  Acho que você está precisando de uma lição!

E num acesso de fúria incontrolável, Roberto acertou vários e vários chutes em Adriana.

Ela se encolheu toda e protegeu o rosto com as mãos, enquanto a dor se espalhava por todo o seu corpo e chegava até as entranhas. Jamais sentira tanta dor. Nem mesmo quando era criança e quebrou a perna ao cair de um cavalo, ela sentira tanta dor. Mesmo assim, ela ainda tentou rastejar para debaixo da cama. Queria se esconder. Precisava se esconder. Mas antes que ela pudesse ao menos se mexer do lugar, sentiu um golpe na cabeça que turvou completamente sua visão. Não lhe restava agora qualquer outra opção senão rezar, rezar muito para que Deus tivesse piedade e fizesse Roberto parar.

Mas Roberto continuou a chutá-la de todas as formas e por todos os lugares. Somente saindo do seu desvario, quando a porta se abriu e Letícia surgiu de repente.

  Pai! – gritou a menina. – Pare com isso, pai! Pelo amor de Deus, pare com isso!

Porém era tarde, muito tarde. Adriana nem sequer gemia mais, parecia não ter sobrevivido a tanta agonia.

  Dri!  – Ele pegou Adriana em seus braços. – Oh, Deus, o que eu fiz? O que eu fiz com você?

  Você matou a minha mãe! – voltou a gritar Letícia, plenamente desesperada. – Você matou a minha mãe!

  Não! Ela não está morta!

Transtornado, Roberto desceu correndo as escadas com Adriana em seu colo. Letícia correu atrás, chorando.

  Para onde está levando a minha mãe?

  Vá trocar de roupa, filha. Vamos ao hospital.

Enquanto a menina se arrumava, Roberto ajeitou a esposa no banco de trás. Letícia retornou um instante depois.

  Vamos logo. Vamos logo.

  Calma, filha, calma. Sua mãe está bem. Foi apenas um desmaio.






[Continua no próximo capítulo...]



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