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"Com o fim do homem, haverá esperança para o gorila? Com o fim do gorila, haverá esperança para o homem?"

Este site é dedicado ao pensamento crítico. Eu compreendo os problemas acerca do questionar a civilização, mas creio que a civilização, em seus fundamentos, é uma questão a ser examinada mais profundamente. Apesar desse questionamento ter começado para mim com os livros de Daniel Quinn, hoje em dia me afasto muito do pensamento desse autor. Ainda assim acho que alguns trechos de suas obras podem ser bastante esclarecedoras a esse respeito, especialmente para aqueles que estão começando a ler sobre isso agora. Em resumo, quero deixar bem claro: Não acredito na criação de uma nova civilização, eu acredito no fim da civilização e no começo de algo diferente.

 

É pegar ou largar... (Passagens dos livros de Daniel Quinn)

Cativeiro

PROFESSOR procura aluno. Deve ter um desejo sincero de salvar o mundo. Candidatar-se pessoalmente.

— Entendo — disse eu. — E o que você ensina?
Ismael selecionou um ramo novo da pilha à sua direita, examinou-o brevemente e começou a mordiscá-lo, olhando-me com languidez. Enfim respondeu:
— Baseando-se em minha história, que assunto diria que estou mais preparado para ensinar?
Olhei-o sem entender e respondi que não sabia.
— Claro que sabe, Meu assunto é cativeiro.
— Cativeiro?
— Correto.
Fiquei quieto por um minuto, depois disse:
— Estou tentando imaginar o que isso tem a ver com salvar o mundo.
Ismael pensou um pouco.
— Dentre as pessoas de sua cultura, quais desejam destruir o mundo?
— Quais desejam destruir o mundo? Até onde eu saiba, ninguém especificamente deseja destruir o mundo.
— E no entanto o destroem, todos vocês. Cada um contribui diariamente para
a destruição do mundo.
— Sim, é verdade.
— Por que não param?
Encolhi os ombros.
— Francamente, não sabemos como.
— São cativos de um sistema civilizacional que mais ou menos os compele a prosseguir destruindo o mundo para continuarem vivendo.
— Sim, é o que parece.
— Portanto são cativos e tornaram o próprio mundo um cativeiro. É o que está em jogo, não é? O cativeiro de vocês e o cativeiro do mundo.
Sim, é verdade. Mas nunca pensei dessa maneira.
— Você mesmo é um cativo a seu modo, não é?
— Como assim?
Ismael sorriu, revelando uma grande massa de dentes brancos como o mármore. Até então eu não sabia que era capaz de sorrir.
— Tenho a impressão de ser um cativo, mas não sei explicar por que tenho tal impressão — disse eu.
— Anos atrás (você devia ser criança na época, talvez não se lembre), muitos jovens deste país tiveram a mesma impressão. Fizeram um esforço ingênuo e desorganizado de escapar do cativeiro, mas acabaram fracassando, porque não foram capazes de encontrar as grades da jaula. Se você não descobre o que o está prendendo, a vontade de sair logo se torna confusa e ineficaz.
— Sim, é essa a sensação que me causou — disse eu, e Ismael assentiu. — Mas, outra vez, como isso está relacionado com salvar o mundo?
— O mundo não sobreviverá por muito tempo no cativeiro da humanidade.
Isso precisa de explicação?
— Não. Pelo menos, não para mim.
— Acho que existem muitos entre vocês que gostariam de libertar o mundo do cativeiro.
— Concordo.
O que os impede de fazê-lo?
— Não sei.
— Eis o que os impede: são incapazes de achar as grades da jaula.

Daniel Quinn, Ismael.

 

O Vazio da Pré-História

Quando os pensadores basilares da nossa cultura consideraram o passado anterior ao surgimento do homem como agricultor, viram...Nada. Era o que esperavam ver, pois, tal como imaginaram, não poderiam existir pessoas antes da agricultura assim como o peixe não poderia existir antes da água. Para eles, estudar o homem pré-agrícola teria sido como estudar ninguém.
 
Quando a existência do homem pré-agrícola passou a ser um fato inegável no século XIX, os pensadores da nossa cultura não se deram ao trabalho de alterar a sabedoria recebida dos antigos, de modo que estudar o homem pré-agrícola passou a ser sinônimo de estudar ninguém.

Eles sabiam que não podiam escapar impunes dizendo que os povos pré-agrícolas não viveram na história, por isso disseram que viviam em algo chamado pré-história. Tenho certeza de que vocês entendem o que é pré-história. É mais ou menos como pré-água, e todos vocês sabem do que se trata, não sabem? Pré-água é o estudo da substância onde os peixes viviam antes de haver água, e pré-história é o período em que as pessoas viveram antes de haver história.

Como observei muitas e muitas vezes, os pensadores basilares da nossa cultura imaginaram que o homem nasceu como agricultor e criador de civilização. Quando os pensadores do século XIX foram obrigados revisar esse pressuposto, fizeram-no da seguinte maneira: o homem talvez não tenha nascido como agricultor e criador de civilização, mas apesar disso nasceu para tornar-se agricultor e criador de civilização. Em outras palavras, o homem daquela ficção conhecida como pré-história atingiu nossa consciência cultural como uma espécie de desencadeador de um processo muito, muito lento, e a pré-história tornou-se uma seqüência de pessoas desencadeando um processo, lento, muito lento para se tornarem agricultores e criadores de civilização. Se vocês precisarem de um sinal que confirme o que estou dizendo, considerem a designação habitual dos povos pré-históricos como povos da "idade da pedra": essa nomenclatura foi escolhida por pessoas que não duvidaram nem por um momento que as pedras eram importantes para esses nossos ancestrais patéticos da mesma forma que as prensas tipográficas e as locomotivas a vapor foram importantes para as pessoas que viveram no século XIX. Se vocês quiserem ter uma idéia da importância das pedras para os povos pré-históricos, visitem uma cultura moderna da "Idade da Pedra" na Nova Guiné ou no Brasil e vão ver que as pedras são tão cruciais para sua vida quanto a cola é para a nossa. Eles usam pedras o tempo todo, claro - assim como usamos cola o tempo todo -, mas chamá-los de povos da Idade da Pedra faz tanto sentido quanto nos chamar de povo da Idade da Cola.

Daniel Quinn, História de B.

 

O mito da Revolução Agrícola

A terra como centro imóvel do universo foi uma idéia que as pessoas aceitaram durante milhares de anos. Em si, parece bem inofensiva, mas gerou mil erros e limitou o que poderíamos entender a respeito do universo. A idéia de Revolução Agrícola que aprendemos na escola e ensinamos aos nossos filhos na escola parece igualmente inofensiva , mas ela também gerou mil erros e limita o que podemos entender a respeito de nós mesmos e do que aconteceu com o planeta.
 
Em poucas palavras: a idéia de Revolução Agrícola é que há cerca de dez mil anos as pessoas começaram a abandonar a vida de caça e coleta em favor da agricultura. Essa afirmação é um equívoco em dois planos profundamente importantes. Primeiro, ao sugerir que a agricultura é basicamente uma coisa só (assim como a caça-coleta é basicamente uma coisa só). Segundo, ao sugerir que essa única coisa foi adotada pelos povos do mundo inteiro mais ou menos na mesma época. Há tão pouca verdade nessa questão que não vale a pena perder tempo com ela; por isso só vou discutir a outra:

Muitos sistemas de agricultura foram empregados em todo o mundo há dez mil anos, quando nosso sistema particular de agricultura surgiu no Oriente Próximo. Esse sistema, nosso sistema, é o que chamo de agricultura totalitária, a fim de enfatizar o modo pela qual subordina todas as formas de vida à produção incessante e exclusiva de alimento para os seres humanos. Alimentado por enormes excedentes de comida gerados unicamente por esses sistemas de agricultura, ocorreu um rápido aumento da população entre aqueles que a praticavam, seguido por uma expansão geográfica igualmente rápida que obliterou todos os outros estilos de vida que estavam em seu caminho (até mesmo aqueles baseados em outros sistemas de agricultura). Essa expansão e essa obliteração de estilos de vida continuam sem interrupções pelos milênios que se seguiram, acabando por chegar ao Novo Mundo no século XV e continuando até o presente momento em áreas remotas da África, Austrália, Nova guiné e América do Sul.

Os pensadores basilares da nossa cultura acharam que o que nós fazemos é o que os povos de todos os outros lugares têm feito desde o início dos tempos. E, quando os pensadores do século XIX foram obrigados a reconhecer que não era bem isso, acharam então que o que nós fazemos é o que os povos do todos os lugares têm feito durante os últimos dez mil anos. Teria sido muito fácil para eles conseguir informações acuradas, mas é obvio que acharam que não valia a pena perder tempo com isso.

Daniel Quinn, História de B.

Trechos diversos:

“As pessoas de sua cultura se agarram com uma tenacidade fanática à idéia de que o homem é especial. Querem desesperadamente perceber um imenso abismo entre o homem e o resto da criação. Essa mitologia da superioridade humana justifica que façam o que bem quiserem com o mundo, assim como a mitologia de Hitler sobre a superioridade ariana justificou que fizesse o que bem quisesse com a Europa. Mas essa mitologia não é muito satisfatória, afinal. Os Pegadores são um povo profundamente solitário. O mundo, para eles, é um território inimigo, e vivem em todos os lugares como um exército de ocupação, alienados e isolados por serem tão extraordinários e superiores.” - Daniel Quinn, Ismael.

"A história que os Largadores vêm encenando durante os últimos três milhões de anos não é uma fábula de domínio e conquista. Encená-la não lhes deu poder. Encená-la lhes deu vidas satisfatórias e significativas. É o que verá se conviver com eles. Não estão agitados pelo tédio e a revolta, não estão perenemente debatendo o que deveria ser permitido ou proibido, nem se acusam uns aos outros por não viverem de modo correto, nem sentem pavor de seu vizinho, nem enlouquecem porque suas vidas parecem vazias e sem sentido, nem precisam se estupidificar com drogas para suportar os dias, nem inventam uma nova religião a cada semana para terem algo a que se agarrar, nem estão sempre buscando algo para fazer ou em que acreditar que torne suas vidas dignas de serem vividas. E, mais uma vez, isto não é porque vivem perto da natureza ou porque não têm governos formais ou porque sua nobreza é inata. É assim apenas porque estão encenando uma história que dá certo para as pessoas, uma história que deu certo durante três milhões de anos e que continua dando certo onde os Pegadores ainda não conseguiram espezinhá-la." - Daniel Quinn, Meu Ismael.

"Não são os produtos que fazem com que a economia tribal funcione e sim a energia humana. Essa é a transação fundamental, que ocorre tão naturalmente que as pessoas se equivocam freqüentemente pensando que não existe nenhuma economia, assim como supõem, equivocadamente, que elas não têm nenhum sistema educacional. Vocês fazem e vendem centenas de milhões de produtos a cada ano para construir, equipar e contratar pessoas para trabalhar nas escolas e educar seus filhos. Os povos tribais atingem o mesmo objetivo, graças a um nível menor, porém constante, de troca de energia entre adultos e crianças, que mal é percebida. Vocês fazem e vendem centenas de milhões de produtos a cada ano para poder contratar policiais para manter a lei e a ordem. Os povos tribais atingem os mesmos objetivos fazendo isso eles mesmos. Manter a lei e a ordem não é uma tarefa agradável, mas isso não chega a tirar o sono deles, como ocorre com vocês. Vocês fazem e vendem trilhões de produtos a cada ano para manter governos incrivelmente ineficientes, como você bem sabe. Os povos tribais conseguem se autogovernar com eficiência, sem comprar nem vender nada. Um sistema baseado na troca de produtos inevitavelmente canaliza a riqueza para as mãos de poucos, e nenhuma mudança governamental será capaz de corrigir isso. Não tem nada a ver com o capitalismo especificamente. O capitalismo foi apenas a expressão mais recente de uma idéia que surgiu há dez mil anos com a fundação da sua cultura. Os revolucionários do comunismo internacional não se aprofundaram suficientemente para realizar as mudanças que sonhavam. Eles pensaram que poderiam parar o carrossel se capturassem todos os cavalos. Mas, claro, os cavalos não faziam o carrossel girar. Os cavalos eram apenas passageiros, como todos vocês." - Daniel Quinn, Além da civilização.

“As pessoas não podem simplesmente desistir de uma estória. Isto é o que os garotos e garotas tentaram fazer nos anos sessenta e setenta. Eles tentaram parar de viver como os dominadores, mas não havia outra maneira para se viver. Eles falharam porque não se pode simplesmente sair de uma estória, tem que haver outra estória para se estar. E se houvesse outra estória, as pessoas iriam ouvir sobre ela? Você acha que elas querem ouvir sobre ela? Eu não sei, acho que não se pode começar a querer algo até você saber que existe.” - Daniel Quinn, Ismael.

 

O que fazer?

Se você está realmente interessado numa nova visão para a cultura, então há muito que aprender, discutir e criar. Leia os textos e veja os links nesse site para mais informações. Se você quer encontrar outras pessoas com uma crítica à civilização, participe de um dos grupos de discussão e exponha sua opinião.

 

Última atualização: 31 de Maio de 2008

Marxismo como reforma - Uma análise do marxismo sobre o ponto de vista da crítica à civilização.

Em que sentido somos como um câncer? - Texto sobre a analogia entre humanidade e câncer.

 

Atualizações anteriores:

A ideologia da civilização - Um resumo das idéias que estou criticando.

Anarquia para as massas? - Uma crítica ao conceito clássico de anarquia.

 

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Grupos de discussão:

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