Nhandi: arbusto verde muito
bonito com frutos de sabor acre. Deve ficar no quintal e, definitivamente, NÃO é
uma árvore de Natal. Anne Norbert.
Anne e Paul tiveram a primeira rusga conjugal no dia 15 de dezembro, três meses
após o casamento. Durante semanas, Anne confeccionou delicados enfeites de renda
e queria comprar a primeira árvore de Natal para sua casa, uma árvore especial
da qual eles sempre se lembrariam.
- Já temos nossa árvore de Natal - disse Paaul, dirigindo-se ao quintal para
pegar o nhandi.
- Um arbusto? - ela perguntou, rindo, achanndo que ele devia estar brincando. -
Um arbusto dentro de um vaso preto de plástico?
Mas Paul não estava brincando.
- A família Norbert sempre teve um nhandi nno Natal.
Acho que eu devia ter lhe contado antes, mas nunca me preocupei, porque se
tratava de uma tradição nossa desde que eu tinha 12 anos. Chegou a hora de
comemorarmos essa tradição juntos, e não vou abrir mão de nhandi.
O rosto dela enrubesceu. Ah, o nhandi já estava sendo levado para dentro de
casa. Foi colocado no quintal no dia seguinte ao casamento, quando Paul trouxe
suas coisas do apartamento que dividia com seus dois irmãos. Por mais bonito que
fosse, não era uma árvore de Natal. Não era o que ela desejava para pendurar os
enfeites feitos à mão, e os galhos eram frágeis demais até para sustentar o
cordão com as minúsculas luzes brancas.
- E por quê?
- Preste atenção, Anne - ele disse. - Papaii morreu quando Davey tinha dois anos,
e mamãe sacrificou-se muito nos três anos seguintes. Logo após, ela ficou
doente.
Anne ouviu a explicação de que Júlia, a mãe de Paul, gastava tantas horas de
trabalho na fábrica de meias por causa da sua enfermidade, que seu ganho para
sustentar os três filhos desaparecia rapidamente. As despesas médicas passaram a
ser prioridade, enquanto ela tentava desesperadamente ficar curada.
- Aquele foi o primeiro ano que não tivemoss árvore de Natal - contou Paul,
puxando Anne para perto de si. - Randy tinha oito anos, Davey cinco e eu 12. Eu
estava muito aborrecido. Queria uma árvore de Natal. Todos os meus amigos tinham
uma árvore, e eu estava zangado por não ter uma também. Uma semana antes do
Natal, mamãe voltou para casa depois de uma visita ao médico e me contou que
necessitava ser operada e que seria internada no dia 26 de dezembro. Ela
esperava ter conseguido trabalhar algumas horas extras, mas não foi possível.
"Vou precisar de sua ajuda, Paul, para preparar um Natal especial este ano", ela
dissera ao filho mais velho.
Ressentido, Paul ouviu a idéia da mãe e ajudou-a a arrancar o nhandi plantado no
quintal e colocá-lo no vaso preto de plástico.
- Eu sempre gostei muito desse arbusto - suua mãe dissera - Minha avó tinha
nhandis plantados no quintal de sua casa na Carolina do Norte e sempre havia
frutinhas vermelhas na época do Natal. Você está vendo quantas frutinhas há no
nhandi? Ele vai ficar lindo se você e seus irmãos colocarem mais alguns
enfeites.
Paul pensou nas árvores altas com enfeites brilhantes e enfeites que seus amigos
descreviam. O Nhandi não poderia substituir uma árvore de Natal.
- Tentamos enfeitá-lo para ficar parecido ccom uma árvore de Natal. Randy e Davey
divertiram-se muito. Davey era muito pequeno para lembrar-se das árvores de
Natal que tivemos no passado, e Randy gostava muito de agradar às pessoas,
portanto não fez nenhuma pergunta a respeito do nhandi. Eu fui o único que
detestei a árvore.
Julia deixara claro que compreendia a raiva e o desapontamento de Paul, mas
prosseguiu sua tarefa de colocar algumas roupas em uma sacola para levar ao
hospital e preparar comida suficiente para os filhos até sua volta para casa.
- Na manha da véspera e Natal, percorremos os seus quarteirões até a igreja.
Nós, os meninos, ficávamos impacientes todas as vezes que tínhamos de parar um
pouco para minha mãe descansar. Quando finalmente chegamos aos degraus de pedra
cinza da igreja, minha mãe me disse para ficar do lado de fora com meus irmãos
até ela voltar.
Depois de algum tempo, Paul começou a ficar ansioso. As pessoas estavam chegando
para assistir ao culto especial das crianças e para ver a encenação da festa de
Natal no gramado da igreja.
- Meus irmãos estavam inquietos e começaramm a discutir. Fiquei preocupado
imaginando que chegaríamos atrasados ao culto. Além disso eu estava zangado por
ter de ficar lá fora com eles; assim, resolvi procurar a mamãe.
Paul percorreu todas as dependências da igreja até que ouviu a voz de sua mãe,
falando baixo e chorando. Era algo que ele nunca a vira fazer
- ...e...bem, se alguma coisa acontecer commigo, os meus meninos...
O coração de Paul batia forte enquanto ouvia a mãe falar.
- Meu filho mais velho, Paul... bem, ele teem-me ajudado muito desde que fiquei
doente. Eu...
- Foi só naquele momento que fiquei sabendoo que minha mãe estava muito mais
doente do que eu imaginava e também muito preocupada conosco. Saí da igreja sem
ser visto e disse aos meninos que não consegui encontrá-la. Quando ela voltou,
estava sorrindo. Randy e Davey não notaram os olhos dela inchados e ainda
lacrimejando. Entramos todos no templo para assistir ao culto de Natal das
crianças como se nada tivesse acontecido.
Paul não tinha idéia de quando os presentes seriam entregues, mas na manha
seguinte havia vários pacotes em cima da mesa perto do nhandi. Um presente para
cada um deles oferecido por Júlia e outros amigos da igreja.
- Ganhei dois presentes - disse Paul, sorriindo ao lembrar-se do fato. - Um jogo
e um livro de histórias de mistério. Eu os guardo até hoje.
Julia sentou-se no sofá, sorrindo, enquanto os meninos gritavam de alegria ao
abrir os pacotes embrulhados com papéis coloridos. Ela havia preparado o
desjejum favorito deles - chocolate quente com fruto do baobá.
- Mais tarde, naquela manha, a professora dde escola dominical de Randy trouxe
uma enorme bandeja com peru, molho e uma sacola de guloseimas que não comíamos
havia muito tempo. Depois que Randy e Darvey foram para a cama naquela noite,
mamãe me deu uma caneta e um papel e pediu-me que escrevesse uma carta de
agradecimento aos crentes de nossa igreja por eles nos terem proporcionando
aquilo tudo em tão curto espaço de tempo, porque ela estava impossibilitada.
Mamãe dormiu no sofá da sala, vendo as pequenas luzes piscando no nhandi. Eu me
sentei à mesa da cozinha e passei a limpo a carta que ela me ditara, para que
ficasse bem legível. No dia seguinte, ela foi internada e nunca mais voltou para
casa. Aquela foi a primeira "árvore" de Natal de que Devey se recorda e foi a
última que tivemos com mamãe. Viemos para Carolina do Norte a fim de morar com a
tia Violet, que gostava muito de nós e nos ajudou a atravessar aquele primeiro
ano de solidão e medo. E, acima de tudo, ela entendeu por que, no Natal
seguinte, insistimos em decorar um nhandi que havíamos trazido de casa. Eu a amo
Anne, mas isso é uma coisa da qual não vou abrir mão.
Anne assentiu com a cabeça, impossibilitada de falar, enxergando agora um pouco
além do simples arbusto o amor de uma mãe que partira havia tanto tempo e que
deixara três filhos para trás, todos possuindo aquela mesma força e ternura.
Júlia deixou para eles um legado de amor, que agora incluía Anne e os filhos de
Paul e Anne que ainda estavam por chegar - crianças a quem eles contariam todos
os anos a história do nhandi de Natal.
(Do Livro "Histórias para o Coração da Mulher" - Alice Grey).
Nossos Agradecimentos à Angela Maria Crespo pela belissima contribuição!