Textos de Jorge Ribeiro Araújo - Academia Caetiteense de Letras - Caetité - Bahia - 2003 - Todos os direitos pertencem ao Autor |
FELIM |
Felim vivia rosnando nas ruas, reivindicando seu sustento nas portas das casas feito cão sem dono, segurando as calças com uma das mãos. Era o passatempo da molecada naqueles dias longos e quentes -"Félix cama-de-ar olê olá!" E ele saía correndo atrás dos moleques com uma pedra na mão. Os pés descalços eram como cascos na terra. Nunca ouvi contar de alguém com a cabeça quebrada. Diziam que a pedra não saía de sua mão, era só ameaça. Quando conseguia chegar perto de algum injuriante falava: -"Corre, corre senão eu derrubo na pedra." Se jogasse, ela não passava a menos de dois metros de distância do alvo. Era o erro premeditado. Felim era um quase doido. Cada dia da semana o café, o almoço, a merenda e a janta tinham endereços certos. Pagava com gatimonhas ou pequenos serviços como molhar plantas ou varrer varandas. Segunda-feira o almoço era na cozinha do Seu Assuero, antes tinha que varrer a calçada; o jantar era engolido nos fundos da casa de Sr. Osvaldo Viana, e assim por diante, cada dia um endereço certo na memória. Quando desconfiava de abuso, sumia da cidade por uns tempos até despertar saudades, porque era engraçado e espirituoso. Uma vez D. Nice o recebeu emburrado, a exigir sua ração preguiçosamente: -Já cortou a lenha Felim ? E ele disse: -Hoje num guento! Tô cansado! -Então não tem comida. -Espera, espera... Mexeu e virou no quintal e voltou dizendo que não tinha encontrado o machado, não podia cortar lenha sem machado. Abastecido parcialmente, foi-se resmungando. Na semana seguinte retornou e ao ouvir a negativa pela falta do machado, pediu D. Nice para dar uma olhada e voltou com o machado na mão, que ele havia enterrado na beira do muro da vez anterior. Felim vivia da loucura, tirava proveito dela. Um dia desapareceu para sempre. Falava-se que uma onça o havia comido por inteiro. Ou virara onça! O certo é que vive na lembrança da molecada daquele tempo, hoje gente grande. Quase um mito! Felim! |