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Textos de Jorge Ribeiro Araújo - Academia Caetiteense de Letras - Caetité - Bahia - 2003 - Todos os direitos pertencem ao Autor
O CRIME
          Janaúba, mulato mais chegado a branco, foi moleque metido a besta e valente. Morava na casa de um político local, um simulacro de jagunço. Circulava sempre cavalgando um jumento, selado pelo seu peso, ferido nas virilhas impiedosamente por suas esporas. Em dias de festa, aparecia montando cavalo bonito, não se sabe de quem. Bebia, insultava qualquer um, com sua voz rouca, jocosa, mostrando dentes de ouro. Não respeitava uma dama. Inspirava medo e desconfiança, sua covarde valentia. Batia nos moleques mais fracos, tripudiava, mesmo sobre velhos impotentes. Também nunca tinha peitado um cabra macho que tivesse uma irresponsabilidade igual à sua, que não medisse, como ele, as conseqüências de atos de vandalismo. Pelo menos até aquele dia de sol e sonolenta tranqüilidade foi assim.
          O homem que vendia carne descansava deitado na calçada. Lá dentro uma banda de carcaça bovina, recém abatida, pendurada no telhado, salpicava o chão de cimento de sangue. De repente um cavalo surgiu sapateando ao lado do açougueiro e de uma boca cheia de dentes de ouro se ouviu:
          -Sai debaixo cabra, senão vou passar por cima de você!
          O outro duvidou da promessa e o homem de dentes de ouro esporeou, mostrando a que estava disposto. Antes de ser pisoteado, ligeiro como um corisco, o açougueiro se refugiou ao lado da carcaça pendurada, assustando uma leva de moscas que banqueteava. Seguiu-se um tropel que se distanciou e o silêncio reinou outra vez.
          O vento suave balançava a carcaça levemente, disseminando o cheiro de carne e sal. No calor intenso, outra leva de moscas perturbava uma cadela esfomeada que de longe espiava. Depois de tomar precauções, o homem que matava bois deitou-se novamente na calçada. Cochilava, quando viu duas patas se levantarem em sua direção. Um tiro seco e um baque surdo na rua. Janaúba recebeu uma bala certeira em pleno coração e quando caiu já estava morto. O cavalo agora parado, alheio ao fato, as rosetas das esporas ainda giravam tilintando em frente do açougue abandonado. Sangue escorrendo no cimento atrás do balcão; sangue na calçada escorrendo para o esgoto a céu aberto.