Biografia
Pöe nasceu a 19 de janeiro
de 1809 em Boston, filho de atores. Órfão de mãe aos
dois anos, foi criado pelo comerciante John Allan. Por causa das viagens
do pai adotivo, estudou na Escócia e Inglaterra, até que
estabeleceram-se em Richmond em 1820. Seu talento apareceu cedo, em forma
de poesia. Em 1826 matriculou-se na Universidade da Virgínia. Nessa
época de universidade, longe de casa, sem a tutela de John, Pöe
começou a jogar e a beber. Contraiu divídas altas, que geraram
uma crise entre ele e John. Este recusou-se a pagar, embora fosse nessa
época um homem muito rico. Sem dinheiro, Pöe mudou-se para
Boston em 1827 e conseguiu que um editor publicasse seu primeiro livro
de poesia — a prosa viria mais tarde— Tamerlão e Outros Poemas.
Ficou acertado que Pöe pagaria os custos mais tarde, mas ele nunca
pagou. Em contrapartida, a edição foi retirada de circulação.
Ele retorna a Richmond e seus primeiros contos começam a ser publicados
no Southern Library Messenger, jornal local. Logo foi convidado para ser
redator-auxiliar, função que desempenhou com muito eficácia,
tanto que em dois anos a circulação do jornal triplicou.
Pode-se dizer, que ele renovou a crítica literária norte-americana,
até então sem nenhuma consistência. Todo jornalismo
foi revigorado pela escrita de Pöe. Casou-se com sua prima Virgínia,
em 1836, e mudou-se primeiro para Nova York, depois para Filadélfia.
Ele ganhava mal, apesar do enorme talento, e seu trabalho era irregular.
Havia largado o jogo, mas não a bebida. Nos anos de 1841 e 1842,
ele torna-se sócio da Graham's Magazine e seus invadores e supreendentes
contos são publicados: "Os crimes da rua Morgue", "O escaravelho
de ouro" e outros. Virgínia estava com turbeculose. Sem dinheiro
vão para Nova York , na esperança de que as coisas melhorem.
Não melhoram. Um casal de irlandeses, que Pöe conheceu em Nova
York, e que tinha uma fazenda na estrada de Bloomingdale ( hoje rua 84
e Broadway) convida-os para passar uns tempos lá. Foi um período
de tranqüilidade, em que Pöe escreve a versão definitiva
de "O Corvo", antes existente em rascunho. O Corvo foi publicado em 1845
no Evening Mirror, e fizeram com que, no dia seguinte, seu autor se tornasse
conhecido de costa a costa. Virgínia morreu em 1847. Edgard tentou
se suicidar, sem êxito, em novembro de 1848. Perturbado por nova
paixão e pela bebida, que nunca chegou a largar totalmente. Morreu
em 7 de outubro de 1849. Foi encontrado, alguns dias antes, já moribundo,
numa taberna da Rua Lombard, em Baltimore, sem que se possa afirmar com
certeza como foram seus últimos dias, antes de haver sido encontrado
na taberna.
The Raven
Edgar Allan Poe
Once
upon a midnight dreary, while I pondered, weak
and
weary,
Over
many a quaint and curious volume of forgotten lore,
While
I nodded, nearly napping, suddenly there came a
tapping,
As
of someone gently rapping, rapping at my chamber door.
"
'Tis some visitor," I muttered, "tapping at my chamber door;
Only this, and nothing more."
Ah,
distinctly I remember, it was in the bleak December,
And
each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly
I wished the morrow; vainly I had sought to borrow
From
my books surcease of sorrow, sorrow for the lost Lenore,.
For
the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore,
Nameless here forevermore.
And
the silken sad uncertain rustling of each purple curtain
Thrilled
me---filled me with fantastic terrors never felt before;
So
that now, to still the beating of my heart, I stood repeating,
"
'Tis some visitor entreating entrance at my chamber door,
Some
late visitor entreating entrance at my chamber door.
This it is, and nothing more."
Presently
my soul grew stronger; hesitating then no longer,
"Sir,"
said I, "or madam, truly your forgiveness I implore;
But
the fact is, I was napping, and so gently you came rapping,
And
so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,
That
I scarce was sure I heard you." Here I opened wide the door;---
Darkness there, and nothing more.
Deep
into the darkness peering, long I stood there, wondering, fearing
Doubting,
dreaming dreams no mortals ever dared to dream before;
But
the silence was unbroken, and the stillness gave no token,
And
the only word there spoken was the whispered word,
Lenore?,
This I whispered, and an echo murmured back the word,
"Lenore!" Merely this, and nothing more.
Back
into the chamber turning, all my soul within me burning,
Soon
again I heard a tapping, something louder than before,
"Surely,"
said I, "surely, that is something at my window lattice.
Let
me see, then, what thereat is, and this mystery explore.
Let
my heart be still a moment, and this mystery explore.
" 'Tis the wind, and nothing more."
Open
here I flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
In
there stepped a stately raven, of the saintly days of yore.
Not
the least obeisance made he; not a minute stopped or stayed he;
But
with mien of lord or lady, perched above my chamber door.
Perched
upon a bust of Pallas, just above my chamber door,
Perched, and sat, and nothing more.
Then
this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,
By
the grave and stern decorum of the countenance it wore,
"Though
thy crest be shorn and shaven thou," I said, "art sure no craven,
Ghastly,
grim, and ancient raven, wandering from the nightly shore.
Tell
me what the lordly name is on the Night's Plutonian shore."
Quoth the raven, "Nevermore."
Much
I marvelled this ungainly fowl to hear discourse so plainly,
Though
its answer little meaning, little relevancy bore;
For
we cannot help agreeing that no living human being
Ever
yet was blessed with seeing bird above his chamber door,
Bird
or beast upon the sculptured bust above his chamber door,
With such name as "Nevermore."
But
the raven, sitting lonely on that placid bust, spoke only
That
one word, as if his soul in that one word he did outpour.
Nothing
further then he uttered; not a feather then he fluttered;
Till
I scarcely more than muttered,"Other friends have flown before;
On
the morrow he will leave me, as my hopes have flown before."
Then the bird said,"Nevermore."
Startled
at the stillness broken by reply so aptly spoken,
"Doubtless,"
said I, "what it utters is its only stock and store,
Caught
from some unhappy master, whom unmerciful disaster
Followed
fast and followed faster, till his songs one burden bore,---
Till
the dirges of his hope that melancholy burden bore
Of "Never---nevermore."
But
the raven still beguiling all my fancy into smiling,
Straight
I wheeled a cushioned seat in front of bird and bust and door;,
Then,
upon the velvet sinking, I betook myself to linking
Fancy
unto fancy, thinking what this ominous bird of yore,
What
this grim, ungainly, ghastly, gaunt, and ominous bird of yore
Meant in croaking, "Nevermore."
Thus
I sat engaged in guessing, but no syllable expressing
To
the fowl, whose fiery eyes now burned into my bosom's core;
This
and more I sat divining, with my head at ease reclining
On
the cushion's velvet lining that the lamplight gloated o'er,
But
whose velvet violet lining with the lamplight gloating o'er
She shall press, ah, nevermore!
Then,
methought, the air grew denser, perfumed from an unseen censer
Swung
by seraphim whose footfalls tinkled on the tufted floor.
"Wretch,"
I cried, "thy God hath lent thee -- by these angels he hath
Sent
thee respite---respite and nepenthe from thy memories of Lenore!
Quaff,
O quaff this kind nepenthe, and forget this lost Lenore!"
Quoth the raven, "Nevermore!"
"Prophet!"
said I, "thing of evil!--prophet still, if bird or devil!
Whether
tempter sent, or whether tempest tossed thee here ashore,
Desolate,
yet all undaunted, on this desert land enchanted--
On
this home by horror haunted--tell me truly, I implore:
Is
there--is there balm in Gilead?--tell me--tell me I implore!"
Quoth the raven, "Nevermore."
"Prophet!"
said I, "thing of evil--prophet still, if bird or devil!
By
that heaven that bends above us--by that God we both adore--
Tell
this soul with sorrow laden, if, within the distant Aidenn,
It
shall clasp a sainted maiden, whom the angels name Lenore---
Clasp
a rare and radiant maiden, whom the angels name Lenore?
Quoth the raven, "Nevermore."
"Be
that word our sign of parting, bird or fiend!" I shrieked, upstarting--
"Get
thee back into the tempest and the Night's Plutonian shore!
Leave
no black plume as a token of that lie thy soul spoken!
Leave
my loneliness unbroken! -- quit the bust above my door!
Take
thy beak from out my heart, and take thy form from off my door!"
Quoth the raven, "Nevermore."
And
the raven, never flitting, still is sitting, still is sitting
On
the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And
his eyes have all the seeming of a demon's that is dreaming.
And
the lamplight o'er him streaming throws his shadow on the floor;
And
my soul from out that shadow that lies floating on the floor
Shall be lifted--- nevermore!
O CORVO
tradução: Machado de Assis, 1883
Em certo dia, à hora, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais."
Ah! bem me lembro! bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora,
E que ninguém chamará jamais.
E o rumor triste, vago, brando,
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui no peito,
Levantei-me de pronto e: "Com efeito
(Disse) é visita amiga e retardada
Que bate a estas horas tais.
É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais."
Minhalma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo e desta sorte
Falo: "Imploro de vós - ou senhor ou senhora -
Me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso,
Já cochilava, e tão de manso e manso
Batestes, não fui logo prestemente,
Certificar-me que aí estais."
Disse: a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais.
Com longo olhar escruto a sombra,
Que me amedronta, que me assombra,
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta:
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu como um suspiro escasso,
Da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.
Entro co'a alma incendiada.
Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais tarde; eu, voltando-me a ela:
"Seguramente, há na janela
Alguma coisa que sussurra. Abramos.
Ela, fora o temor, eia, vejamos
A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais.
Devolvamos a paz ao coração medroso.
Obra do vento e nada mais."
Abro a janela e, de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre Corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto
Movendo no ar as suas negras alas.
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais.
Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gesto severo - o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "Ó tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais:
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."
Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que lhe eu fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Coisa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta,
Num busto, acima dos portais
Que este é o seu nome: "Nunca mais."
No entanto, o Corvo solitário
Não teve outro vocabulário,
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda sua alma resumisse.
Nenhuma outra proferiu, nenhuma,
Não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
Tantos amigos tão leais!
Perderei também este em regressando a aurora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."
Estremeço. A resposta ouvida
É tão exata! é tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
Que ele trouxe da convivência
De algum mestre infeliz e acabrunhado
Que o implacável destino há castigado
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
Que dos seus cantos usuais
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: "Nunca mais."
Segunda vez, nesse momento,
Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao Corvo magro e rudo;
E mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera
Achar procuro a lúgubre quimera.
A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais."
Assim, posto, devaneando,
Meditando, conjecturando,
Não lhe falava mais; mas se lhe não falava,
Sentia o olhar que me abrasava,
Conjecturando fui, tranqüilo, a gosto,
Com a cabeça no macio encosto,
Onde os raios da lâmpada caiam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam,
E agora não se esparzem mais.
Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de um incenso.
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível;
E eu exclamei então: "Um Deus sensível
Manda repouso à dor que te devora
Destas saudades imortais.
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."
"Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
Tem os seus lares triunfais,
Dize-me: "Existe acaso um bálsamo no mundo?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."
"Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!
Por esse céu que além se estende,
Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
No Éden celeste a virgem que ela chora
Nestes retiros sepulcrais.
Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!"
E o Corvo disse: "Nunca mais."
"Ave ou demônio que negrejas!
Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa!, clamei, levantando-me, cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo.
Vai-te, não fica no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua,
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua."
E o Corvo disse: "Nunca mais."
E o Corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!
Foi há muitos e muitos anos já,tradução: Fernando Pessoa
Eu
era criança e ela era criança,
Neste
reino ao pé do mar;
Mas
o nosso amor era mais que amor --
O
meu e o dela a amar;
Um
amor que os anjos do céu vieram
a
ambos nós invejar.
E foi
esta a razão por que, há muitos anos,
Neste
reino ao pé do mar,
Um
vento saiu duma nuvem, gelando
A
linda que eu soube amar;
E
o seu parente fidalgo veio
De
longe a me a tirar,
Para
a fechar num sepulcro
Neste
reino ao pé do mar.
E os
anjos, menos felizes no céu,
Ainda
a nos invejar...
Sim,
foi essa a razão (como sabem todos,
Neste
reino ao pé do mar)
Que
o vento saiu da nuvem de noite
Gelando
e matando a que eu soube amar.
Mas
o nosso amor era mais que o amor
De
muitos mais velhos a amar,
De
muitos de mais meditar,
E
nem os anjos do céu lá em cima,
Nem
demônios debaixo do mar
Poderão
separar a minha alma da alma
Da
linda que eu soube amar.
Porque
os luares tristonhos só me trazem sonhos
Da
linda que eu soube amar;
E
as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da
linda que eu soube amar;
E
assim 'stou deitado toda a noite ao lado
Do
meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No
sepulcro ao pé do mar,
Ao
pé do murmúrio do mar.