O TELÉGRAFO DO PADRE MOURA


Santo de casa faz milagre mas ninguém presta atenção. E se presta até piora a vida 
do milagreiro, cujas mágicas são, não raro, confundidas com bruxaria, como aconteceu 
com as do padre Moura. Três anos antes de o empresário Italiano Guglielmo Morconi 
construir e patentear em 1896 o telégrafo sem fio - inventado entre outros por 
Faraday, Young, Later, Thomsou, Lord Kelvin, Green,  von Helmholtz, Maxwe11 e Hertz, 
o padre Moura já exibia seu telefone sem fios. 
    
Muito pouco parecia com  a maravilha que só agora começa a ornar residências e 
automóveis de brasileiros melhor aquinhoados, a maquininha do padre conseguia, no 
entanto, transmitir a voz humana a oito quilômetros de distância - a de Marconi 
transmitia só sinais a menos de meio quilômetro. 0 telefone do padre funcionava 
igual ao patenteado em 1876 por Grahan Beil. Mas dispensava o fio. 

Roberto Landell de Moura nasceu em Porto Alegre a 21 de janeiro de 1861, na rua 
Marechal Floriano, que naquele tempo ainda era "dos Bragança". Com 18 anos e um 
diploma do colégio Jesuíta de São Leopoldo, conseguiu emprego de balconista de 
armazém, no Rio, e matriculou-se na Politécnica. Ficou pouco. Nesse mesmo ano de 
1879, um de seus catorze irmãos passou pelo Rio, rumo a Roma, e Moura pegou carona.

Ao lado do Colégio Pio Americano funcionava, em Roma, a Universidade Gregoriana. 
Entrou nos dois. Saiu padre do primeiro, físico e químico da segunda e voltou para o 
Brasil em 1886. Não parava quieto. Suas maquinetas incomodavam os paroquianos, que o 
julgavam de "parte com o diabo", e ele não conseguia ficar no Rio, nem em Porto 
Alegre, em Uruguaiana ou em Campinas. 

Em 1900, fiéis exorcistas campineiros arrebentaram a casa paroquial -  especialmente 
sua pequena oficina, cheia de ferramentas e maquininhas. Nesse mesmo ano - em que o 
governo brasileiro lhe concedia patente (número 3279) para "um aparelho apropriado a 
transmissão da palavra a distância, com ou sem fios, através do espaço, da terra e 
da água, os jornais do Rio começaram a anunciar essa mesma invenção e a atribui-la a 
um Sir Brighton.
     
Do Rio, só o Jornal do Comércio (de 10 a de 16 de julho), registrou a exibição dos 
aparelhos do padre Moura, na presença do cônsul britânico, sir C. P. Lupton. Em São 
Paulo, Rodrigo Botet, em artigos assinados nos Jornais La Voz de Espania e el Diário 
Espanol, dizia que "o primeiro a penetrar e a descobrir os grandes segredos da 
telúrica etérea", já havia mais de um ano, fora seu "pobre e sábio amigo reverendo 
padre Landell".
     
Era pouca a defesa. Em 1901, o padre Moura ia embora para os Estados Unidos e 
entrava com pedidos de registros em The Patent Office at Washington para um 
transmissor de ondas (precursor do rádio), um telefone sem fios e um telégrafo sem 
fios. Seus aparelhos eram muito mirabolantes e pediram-lhe que os apresentasse para 
ver se funcionavam. Teve de construir tudo de novo, pois os cacos dos antigos 
estavam em Campinas. Ganhou, em 1904, as patentes nºs 771.917, 775.337 e 775.846.
    
Interessante, porém, que no requerimento de patente para o telégrafo sem fio, Moura 
dizia que as ondas curtas podem atingir maiores distâncias. Marconi continuou até 
1925 dizendo ser impraticável o emprego delas. Pelo menos é o que Fernando Cauduro 
relata no livro "0 Homem que Apertou o Botão da Comunicação" (Editora Fundação 
Educacional Padre Landell de Moura, 1975). No "Caderno A" deixado pelo padre ao 
morrer, em 1928, Ernani Fornari (autor de "0 Incrível Padre Landell de Moura", 
Editora Globo, 1968) achou também muita anotação interessante.
     
Mais de meio século antes de os soviéticos fotografarem a aura humana - a chamada 
fotokirlian - Moura escrevia: "0 perianto ‚ invisível, mas pode tornar-se visível e 
até fotografável sob certas luzes, desde que intercalemos entre o corpo e a luz uma 
plancha (prancha) ou papel apropriado. Um pequeno animal, nestas circunstâncias 
dentro de um tubo onde se faça vácuo mediante uma máquina pneumática, entra em 
agonia. Vê-se, então, na plancha, o desenho sob forma vaporosa da figura do animal. 
Quando ele expira, a figura eleva-se na Plancha. Movendo-se o corpo, seu perianto 
permanece por alguns instantes e, não raras vezes, em vez de se apresentar sob forma 
branca e vaporosa, mostra-se compacto e colorido".

A lâmpada de três eletrodos, patenteada em 1907 por Lee de Forest, foi usada, já em 
1890, na construção dos primeiros aparelhos de Landell. No "caderno A" ele fala, 
segundo Fornari na transmissão de imagens (meio século antes da televisão) e, 
inclusive, na do logus - o pensamento.

Em 1905, o governo concordou em emprestar-lhe dois barcos para suas experiências. 
Quando lhe perguntaram a que distância queria um barco do outro, respondeu que não 
faria a menor diferença - poderia estabelecer comunicação até interplanetária. 
Julgaram-no louco e guardaram os barcos. Depois disso, Landell só veio a ser 
reconhecido pelo governo brasileiro em 1976, quando o Centro de Pesquisa e 
Desenvolvimento da Telebrás s foi criado, em Campinas, e ganhou o seu nome.

Publicação: Gazeta Mercantil, de 05 de maio de 1981.

Autor: José Roberto de Alencar