Com seus colegas da Academia Botucatuense de Letras, Leda Galvão (à dir.) recebe a escritora brasileira Lygia Fagundes Telles (de lenço vermelho no pescoço). Jan/2001

 

 

 

 


Última Oração

(Poesia premiada: 1º lugar no Festival de Poesia patrocinado pelo Núcleo Expressão e Prefeitura Municipal de Osasco, em 1973)

 

Puxa vida, ein Deus,
que frio desgraçado!
A rua, agora pouco,
até que tava quente
com tanta gente
andando apressada.
Foi bom, viu Deus,
por que hoje eu consegui
vender quase todos os jornais
- e só sobraram dois -
e, amanhã, é aniversário da mãe
e eu quero encher de flor
aquele cantinho
lá no cemitério do Araçá.

Sabe, Deus,
eu tô com uma saudade danada
da mãe
por que o barraco era frio
mas o corpo dela era tão quentinho
que me esquentava também.

Pô! bem que podia ter sobrado
o Estadão ou o Diário Popular...
Esses dois aqui são tão fininhos
que não dá nem jeito
de me enrolar direito.

Escute, Deus,
primeiro eu sentia falta
de um moleque que fosse meu irmão
pra brincar de pegador,
de mocinho,
soltar papagaio
e rodar pião.

Mas, agora, até que tô contente
porque senão
ia sofrer por dois.

Olhe, Deus,
só queria saber
por que os grandes
têm raiva da gente
assim sem mais nem menos.

Um deles, hoje,
me chamou de moleque analfabeto...
mas ele nem conversou comigo!
e olhe que sou adiantado
lá na classe.
Ainda ontem, a professora,
me deu uma nota "A" de redação...

Agora, eu tô falando sério, Deus
- esse frio não tá de brincar não -
me faz dormir, vá!

....................................................................

E Deus ouviu.

E o pequeno jornaleiro
dormiu tão grudadinho,
tão apertadinho,
tão enroladinho
no jornal,
que, no dia seguinte,

FOI MANCHETE.

 

Leda Galvão de Avellar Pires


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