Destaque:

 

Castro Alves: Vida e Obra

 

Textos

 

Perseverando

O Coração

Murmúrios da Tarde

Pelas Sombras

Ode ao Dous de Julho

A Duas Flores

Oitavas a Napoleão

Boa-Noite

Adormecida

Jesuítas

Poesia e Mendicidade

A Uma Estrangeira

A Boa Vista

Onde Estás

No Álbum do Artista

Hino ao Sono

Versos a Um Viajante

A bainha do punhal

A canção do africano

Canção do Boêmio

A criança
A  cruz da estrada

A mãe do cativo

A órfã na sepultura

Adeus, meu canto

Antítese

ESPUMAS FLUTUANTES

O Livro e a América

Hebréia

Quem dá aos pobres, empresta a Deus.

O Laço de Fita

Ahasverus e o Gênio

Mocidade e Morte

Ao Dous de Julho

Os Três Amores

O Fantasma e a Canção

O Gondoleiro do Amor

Sub Tegmine Fagi

As Três Irmãs do Poeta

O Vôo do Gênio

As Trevas

Aves da Arribação

Os Perfumes

Immensis Orbitus Anguis

A Uma Atriz

Canção do Boêmio

É Tarde

A Meu Irmão Guilherme de Castro Alves

Quando Eu Morrer

Uma Página de Escola Realista

Coup D'Étrier

O Hóspede

 

 

 


 

Castro Alves

 

 

Perseverando

 

(Tradução de v. HUGO)

 

A Regueira Costa

A águia é o gênio... Da tormenta o pássaro,

Que do monte arremete altivo píncaro,

Qu'ergue um grito aos fulgores do arrebol,

Cuja garra jamais se pela em lodo,

E cujo olhar de fogo troca raios

- Contra os raios do sol.

Não tem ninho de palhas... tem um antro

-Rocha talhada ao martelar do raio,

-Brecha em serra, ant'a qual o olhar tremeu. . .

No flanco da montanha-asilo trêmulo,

Que sacode o tufão entre os abismos

- O precipício e o céu.

Nem pobre verme, nem dourada abelha

Nem azul borboleta... sua prole

Faminta, boquiaberta espera ter...

Não! São aves da noite, são serpentes,

São lagartos imundos, que ela arroja

Aos filhos p'ra viver.

Ninho de rei!... palácio tenebroso,

 

Que a avalanche a saltar cerca tombando!...

O gênio aí enseiba a geração...

E ao céu lhe erguendo os olhos flamejantes

Sob as asas de fogo aquenta as almas

Que um dia voarão.

Por que espantas-te, amigo, se tua fronte

Já de raios pejada, choca a nuvem?...

Se o réptil em seu ninho se debate?...

É teu folgar primeiro... é tua festa!...

Águias! P'ra vós cad'hora é uma tormenta,

Cada festa um combate!...

Radia!... É tempo!... E se a lufada erguer-se

Muda a noite feral em prisma fúlgido!

De teu alto pensar completa a lei!...

Irmão!-Prende esta mão de irmão na minha!. . .

Toma a lira-Poeta! Águia!-esvoaça!

Sobe, sobe, astro rei! . .

De tua aurora a bruma vai fundir-se

Águia! faz-te mirar do sol, do raio;

Arranca um nome no febril cantar.

Vem! A glória, que é o alvo de vis setas,

É bandeira arrogante, que o combate

Embeleza ao rasgar.

O meteoro real - de coma fúlgida -

Rola e se engrossa ao devorar dos mundos...

Gigante! Cresces todo o dia assim!. :.

Tal teu gênio, arrastando em novos trilhos

No curso audaz constelações de idéias,

Marcha e recresce no marchar sem fim!...

 

 

 

O Coração

 

O Coração é o colibri dourado

Das veigas puras do jardim do céu.

Um-tem o mel da granadilha agreste,

Bebe os perfumes, que a bonina deu.

O outro-voa em mais virentes balças,

Pousa de um riso na rubente flor.

Vive do mel-a que se chama-crenças-,

Vive do aroma-que se diz-amor.-

 

 

 

Murmúrios da Tarde

 

Écoute! tout se tait; songe à ta bien-aimée

Ce soir, sous les tilleuls, à la sombre ramée,

Le rayon du couchant laisse un adieu plus doux,

Ce soir, tout va fleurir: I'irnmortelle nature

Se remplit de parfuns, d'amour et de murmure

Comme le lit joyeux de deux jeunes époux.

A. DE MUSSET

Rosa! Rosa de amor purpúrea e bela!

GARRET.

 

Ontem à tarde, quando o sol morria,

A natureza era um poema santo,

De cada moita a escuridão saia,

De cada gruta rebentava um canto,

Ontem à tarde, quando o sol morria.

Do céu azul na profundeza escura

Brilhava a estrela, como um fruto louro,

E qual a foice, que no chão fulgura,

Mostrava a lua o semicirc'lo d'ouro,

Do céu azul na profundeza escura.

Larga harmonia embalsamava os ares!

Cantava o ninho-suspirava o lago...

E a verde pluma dos sutis palmares

Tinha das ondas o murmúrio vago...

Larga harmonia embalsamava os ares.

Era dos seres a harmonia imensa,

Vago concerto de saudade infinda!

"Sol -não me deixes", diz a vaga extensa,

"Aura-não fujas", diz a flor mais linda;

Era dos seres a harmonia imensa!

"Leva-me! leva-me em teu seio amigo"

Dizia às nuvens o choroso orvalho,

"Rola que foges", diz o ninho antigo,

'Leva-me ainda para um novo galho. ..

Leva-me! leva-me em teu seio amigo."

"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!

Inda um calor, antes que chegue o frio..."

E mais o musgo se conchega à penha

E mais à penha se conchega o rio...

"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!

E tu no entanto no jardim vagavas,

Rosa de amor, celestial Maria...

Ai! como esquiva sobre o chão pisavas,

Ai! como alegre a tua boca ria...

E tu no entanto no jardim vagavas.

Eras a estrela transformada em virgem!

Eras um anjo, que se fez menina!

Tinhas das aves a celeste origem.

Tinhas da lua a palidez divina,

Eras a estrela transformada em virgem!

Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto,

 

Que bela rosa! que fragrância meiga!

Dir-se-ia um riso no jardim aberto,

Dir-se-ia um beijo, que nasceu na veiga...

Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto!. . .

E eu, que escutava o conversar das flores,

Ouvi que a rosa murmurava ardente:

"Colhe-me, ó virgem,-não terei mais dores,

Guarda-me, ó bela, no teu seio quente. . .

" E eu escutava o conversar das flores.

"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!"

Também então eu murmurei cismando...

Minh'alma é rosa, que a geada esfria...

Dá-lhe em teus seios um asilo brando...

"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!..."

 

 

 

Pelas Sombras

 

Ao Padre Francisco de Paula

 

C'est que já suis frappé du doute

C'est que l'étoile de Ia foi

N'éclaire plus ma noire route:

Tout est abime autour de moil

LA MORVONNAIS

 

Senhor! A noite é brava... a praia é toda escolhos.

Ladram na escuridão das Circes as cadelas...

As lívidas marés atiram, a meus olhos,

Cadáveres, que riem à face das estrelas!

Da garça do oceano as ensopadas penas

O mórbido suor enxugam-me da testa.

Na aresta do rochedo o pé se firma apenas...

No entanto ouço do abismo a rugidora festa!...

Nas orlas de meu manto o vendaval s'enrola...

Como invisível destra açoita as faces minhas...

Enquanto que eu tropeço... um grito ao longe rola...

"Quem foi?" perguntam rindo as solidões marinhas.

Senhor! Um facho ao menos empresta ao caminhante.

A treva me assoberba... O' Deus! dá-me um clarão!

E uma Voz respondeu nas sombras triunfante:

"Acende, ó Viajorl -o facho da Razão!"

Senhor! Ao pé do lar, na quietação, na calma

Pode a flama subir brilhante, loura, eterna;

Mas quando os vendavais, rugindo, passam n'alma,

Quem pode resguardar a trêmula lanterna?

Torcida... desgrenhada aos dedos da lufada

Bateu-me contra o rosto... e se abismou na

Eu vi-a vacilar... e minha mão queimada

 

A lâmpada sem luz embalde ao raio eleva.

Quem fez a gruta - escura, o pirilampo cria!

Quem fez a noite-azul, inventa a estrela clara!

Na fronte do oceano- acende uma ardentia!

Com o floco do Santelmo - a tempestade aclara!

Mas ai! Que a treva interna - a dúvida constante -

Deixaste assoberbar-me em funda escuridão!...

E uma Voz respondeu nas sombras triunfante:

"Acende, ó Viajor! a Fé no coração!..."

 

 

 

Ode ao Dous de Julho

 

(Recitada no Teatro de S. Paulo)

 

Era no dous de julho. A pugna imensa

Travara-se nos cerros da Bahia...

O anjo da morte pálido cosia

Uma vasta mortalha em Pirajá.

"Neste lençol tão largo, tão extenso,

"Como um pedaço roto do infinito...

O mundo perguntava erguendo um grito:

"Qual dos gigantes morto rolará?!..."

Debruçados do céu... a noite e os astros

Seguiam da peleja o incerto fado...

Era a tocha -o fuzil avermelhado!

Era o Circo de Roma-o vasto chão!

Por palmas-o troar da artilharia!

Por feras-os canhões negros rugiam!

Por atletas-dous povos se batiam!

Enorme anfiteatro - era a amplidão!

Não! Não eram dous povos, que abalavam

Naquele instante o solo ensangüentado...

Era o porvir-em frente do passado,

A Liberdade-em frente à Escravidão,

Era a luta das águias - e do abutre,

A revolta do pulso-contra os ferros,

O pugilato da razão - com os erros,

O duelo da treva-e do clarão!...

No entanto a luta recrescia indômita...

As bandeiras - como águias eriçadas -

Se abismavam com as asas desdobradas

Na selva escura da fumaça atroz...

Tonto de espanto, cego de metralha,

O arcanjo do triunfo vacilava...

E a glória desgrenhada acalentava

O cadáver sangrento dos heróis!...

Mas quando a branca estrela matutina

Surgiu do espaço... e as brisas forasteiras

No verde leque das gentis palmeiras

 

Foram cantar os hinos do arrebol,

Lá do campo deserto da batalha Uma voz se elevou clara e divina:

Eras tu- Liberdade peregrina!

Esposa do porvir-noiva do sol!...

Eras tu que, com os dedos ensopados

No sangue dos avós mortos na guerra,

Livre sagravas a Colúmbia terra,

Sagravas livre a nova geração!

Tu que erguias, subida na pirâmide,

Formada pelos mortos de Cabrito,

Um pedaço de gládio - no infinito...

Um trapo de bandeira - n'amplidão!...

 

 

 

A Duas Flores

 

São duas flores unidas,

São duas rosas nascidas

Talvez no mesmo arrebol,

Vivendo no mesmo galho,

Da mesma gota de orvalho,

Do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas

Das duas asas pequenas

De um passarinho do céu...

Como um casal de rolinhas,

Como a tribo de andorinhas

Da tarde no frouxo véu.

Unidas, bem como os prantos,

Que em parelha descem tantos

Das profundezas do olhar...

Como o suspiro e o desgosto,

Como as covinhas do rosto,

Como as estrelas do mar.

Unidas... Ai quem pudera

Numa eterna primavera

Viver, qual vive esta flor.

Juntar as rosas da vida

Na rama verde e florida,

Na verde rama do amor!

 

  

Dados obtidos em livros da autora, sites da Internet.