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TERCEIRO BARÃO DO RIO BONITO
POR LEONI IÓRIO
CAPÍTULO 1
DO LITORAL À BARRA
ROLE
A PÁGINA OU CLIQUE
SOBRE OS TÍTULOS ABAIXO:
A Cobiça do Ouro e o Prestígio do Café
Ao
estendermos os nossos pensamentos por entre montanhas e vales, e galgando a
imponente Serra do Mar, em direção ao vale fluminense do histórico
"Paraíba", sentiremos, sem dúvida, a vitória das
"Bandeiras", que culminaram com as arrancadas destemidas, nas lutas
contra os índios não civilizados, movimento esse, mais tarde, animado pela
colaboração dos "Coroados", dos "Purus" e dos "Araris",
então dominadores da vasta região abrangida pelos territórios dos futuros
municípios de Piraí, Valença, Vassouras e de Barra do Piraí.
O
passado nos revela a volúpia pelas conquistas, em desafiantes iniciativas,
impulsionadas pela ânsia sobre determinados rumos da civilização.
O
homem branco que deixara a faixa litorânea, atraído pelas riquezas do solo
virgem, em cujas matas as "bandeiras" de catequese se propunham à
luta de domínio dos indígenas incultos e animais ferozes - galga como um herói,
a interminável montanha, que impedira, por cerca de trezentos anos, a
escalada da Civilização.
O
encontro entre serra e mar
Depois
de enfrentar e vencer os infindáveis pantanais da Baixada Fluminense e
impulsionado pelo ardor de um ideal que, cada vez mais, o empolgava em busca
do desconhecido, o desbravador põe-se em marcha e se embrenha no emaranhado
das matas seculares onde as variadas espécies zoológicas o surpreendem e o
pasmam, fazendo-o parar, por vezes, em êxtase, para meditar na jornada de
grandes aventuras.
Caminhos
se abriram para a penetração evolutiva, em direção ao vale do Paraíba....
O
civilizado da Guanabara, transbordante de ideal, ergue o olhar contemplativo e
descortina no horizonte, o futuro. E assim, cheio de esperanças novas, sobe a
Serra, de machado em punho...
Um sonho mais alto o impeliu a deixar o litoral, após o despontar do sol da nacionalidade, para ir devassar o interior, na conquista destemida dos inviolados sertões, através da gigantesca Serra do Mar e, mais além, da majestosa e atraente Serra da Mantiqueira.
Aspecto da região da Serra do Mar entre São José do Turvo e Amparo.
Ao
homem branco não intimidavam as feras indomáveis, o mistério das matas e o
silvícola valente que, um dia, lhe seria o fiel companheiro-guia nas
arrancadas colonizadoras...
A civilização brasileira estava na ânsia do poder ascensional da
Guanabara, rompendo a mata virgem da Serra, enquanto que, no coração de
Minas, a mineração esplendia assombrosamente.
Era preciso transpor a enorme muralha fluminense e dominar a zona da bacia do Paraíba. Era preciso que a penetração do homem branco se fizesse imediatamente, porque assim o exigia a manutenção do luxo guanabarino. A Serra do Mar, com suas subidas "menos ásperas que a de São Vicente à Piratininga", despertaria imediato desejo dos colonizadores em busca da terra virgem, farta e acolhedora.
A Serra e a floresta eram "um colossal obstáculo, isolando as vilas marítimas da nascente civilização mineira, encarcerada no planalto". O pioneiro estrangeiro, em ascensão magnífica à majestade da natureza que o deslumbra, rendia, maravilhado e destemido, graças ao Criador, por lhe oferecer aquele espetáculo de cenas edificantes e acolhedoras que, lhe proporcionavam o indescritível das matas impenetráveis, exalando essências olorosas, com a infinidade de frutos saborosos, até então, nunca experimentados.
Deslumbrava-o
a fauna, abundante e riquíssima, onde os cicios e os gorjeios da passarada
saltitante e os guinchos e a algazarra dos macacos irrequietos completavam
aquela maravilhosa confusão, como nos descreve o sábio visitante
Saint-Hilaire, famoso botânico francês, que se encantara com as maravilhas
da terra brasileira.(*)
(*)
do livro "Valença de Ontem e de Hoje", do autor.
A
bacia do Paraíba era, ainda no alvorecer do século XIX, toda uma floresta
virgem. Uma impressão bem sensível nos dão as palavras de Alberto Lamego em
"O Homem e a Serra" páginas 59 a 61:
"Um
indevassável labirinto vegetal numa espessa cobertura revestindo a terra bárbara
apenas visível nas raras escarpas de montanhas em súbitos saltos para a luz.
A mata coloria tudo. Mas, num contraste absoluto com as grandes florestas do
hemisfério norte, onde as poucas espécies florísticas são valiosas por
serem multiplicadas sobre enormes extensões de terrenos limpos ou de vegetação
rasteira, e mesmo floridos de alcatifas de pétalas encantadoras, entre nós,
tudo é diferente. O sol dos trópicos como que fecunda cada grão de terra,
cada palmo de casca, cada interstício de rocha. A flora sobe cerradamente,
interpenetrando-se, empurrando-se num desnorteante paroxismo vital.
Nesses
troncos, nesses galhos, nessas lianas contorcidas, sente-se toda a potência
biológica da natureza em contorções cósmicas delirantes de reproduzir.
Quem
por ali se atreva, tranca-se no mais tenebroso labirinto. Dos cimos, mal
penetra a luz dilacerada em réstias. O sol mergulha os dedos luminosos numa
fantasmagoria de surpresas. Transmutações impressionistas bizarreiam sob os
oscilantes zimbórios vegetais. Em contínua mobilidade, há jogos de
penumbras densas, palpáveis quase, e que deslocam ao bailar de súbitas
luminosidades.
Oblíquos jorros de luz catedralescos mergulham em longos silêncios
druídicos, terrivelmente religiosos. Silêncios saturados de interrogações.
Silêncios sincopados de expectativas com os murmúrios intermitentes que
pervagam. Rumores de seres que rastejam, que escorregam, que esvoaçam.
Zumbidos de insetos fuzilantes, longínquos pios de anhambus, de jaós, de
juritis, algazarras parlamentares de araras, de papagaios, de maritacas, de
maracanãs, e compassadamente, o dobre metálico das arapongas malhando e
limando as grades de uma infinita solidão humana.
Por todo esse ambiente de frescura pairam cheiros de vida e de morte.
Perfumes de folhagens, de flores, de cascas, de resinas e hálitos de galhos e
troncos putrefatos que estalam e se esfarinham sob os pés, inumando-se no próprio
ventre da floresta.
Se o olhar desce para o chão, indaga receoso os botes do invisível: a
cobra enrodilhada, a onça de tocaia, o inseto onipresente. A formiga,
sobretudo, em multidões avassaladoras, crepitantes perpetuamente a
circularem...
A floresta é um verde turbilhão perenemente a contorcer-se em convulsões.
A flora e a fauna conjugadas na saturação máxima da vida sobre a terra. Por
isso mesmo, é ela o caos impenetrável, a promíscua confusão dos elementos
em cósmicas transmutações originais.
Para compreendê-las, temos de nela mergulhar. Nas grandes florestas do
hemisfério norte basta o machado para dominá-las. Na mata tropical, é
preciso primeiro a foice.
Lá o ataque é imediato. Aqui, as patrulhas são imprescindíveis. O
mateiro é o descobridor de troncos, o selecionador de madeiras. Investe o
homem cautelosamente, pois em cada moita há um perigo latente. A ameaça do
invisível. Troncos roídos, camuflados de líquens onde a jararacuçu se
enrosca. Aspas e espinhos que lanham. Folhas e espinhos que queimam...
Entre nela o inexperiente incauto, e logo verá toda a agressividade
com que o repelem. Não serão os grandes troncos, os altaneiros gigantes que
o amedrontam, mas a arraia miúda, solerte e vigilante. Tudo se atira contra o
violador intruso que ali vai perturbar o equilíbrio ambiental de milênios.
Armas invisíveis investem de todo lado e terrivelmente acossam o invasor.
Já toda essa vegetação rasteira lhe impede a marcha que se processa
aos tropeções. A preparoba, a buta, o jaracatiá, a negra-mina, a
quina-cruzeiro, as próprias samambaias, estorvam-lhe os passos hesitantes.
Enroscam-se-lhe os cipós nas pernas e o laçam pelos braços. O homem recua,
abre o caminho a facão em todo esse cordame vegetal a um tempo rijo, elástico
e flexível. Mas toda uma coorte acicular logo arremete com terrível virulência.
Agulhas e ganchos o espetam e o imobilizam. E contra essas formas que o
enrodilham, o fisgam e o amarram, o homem desesperadamente se debate.
Há
os cipós que simplesmente o embaraçam, como o imbê, o suma, a
abóbora-d'anta,
a una e o carneiro - mole de pelugem branca - o cruzeiro - cuja seção
transversal exibe a cruz de malta - o cipó-fogo - excelente para gurungumbas
- o olho-de-boi, leguminosa cuja semente reproduz o olho do animal - o caboclo
ou cipó-brasa, o mata-pau qquue nasce em filetes, cresce e engrossa,
enroscando-se aos maiores troncos como serpentes, suga-os, estiola-os, mata-os
, e já então, cevados com a seiva alheia e solidamente enraizados,
substituem no próprio local a árvore que digeriram, cujos resíduos
continuam envolvidos, putrefazendo-se.
Um
deles, o cipó-mico, junta-se à perigosa horda dos arbustos tremendamente cáusticos
como a urtiga, o urtigão, o mangangá, e o arde-diabo, cujo nome em exclamação,
define a pavorosa queimadura em quem o toca.
Adicione-se
a tudo isso, os caules e hastes espinhentos que no chão ou no ar lhe barram a
caminhada ou que se inclinam para o agarrar: o ananás-pedra, a unha-de-gato,
o gravatá, a airi e o côco-roxo, o espinhão e o jequitá, o icê, o pega-onça,
o taquaruçu e outros meios de defesa com que a floresta se atira contra o
devassador, e compreenderemos a luta acerba com que a natureza virgem repele o
homem.
Ai
do desprevenido que se aventure nesta floresta. Para todos os lados que se
vire é a mesma agressividade inelutável, os mesmos aspectos que se repetem e
o desorientam, a mesma fereza fisionômica do matagal que o rodeia, o ataca e
o encarcera.
Ai
do prisioneiro da selva. Se o não socorrem com a experiência dos mateiros,
nunca mais de lá sai vivo. Pasto de abutres e feras, o que dele fica é a
ossada limpa, requintadamente polida pela formiga, o maior flagelo dessa terra
de fartura, onde a exuberância de uma flora vigorosa durante milênios
fertilizou o solo fresco e umedecido com espessas camadas de folhas, de
troncos, de galhos rapidamente apodrecidos na vigorosa desassimilação dos
climas quentes, úmidos e tropicais".
E O PRESTÍGIO DO CAFÉ
Escreve
o historiador F. A. Noronha dos Santos:
"Todas
as povoações erguidas, aqui e ali, na vastidão de nossas terras, têm no
inventário de nossos dias passados a evocação pinturesca do Brasil.
Irradiada a obra de conquista dos Sá, no Rio de Janeiro, a colonização
foi lentamente se operando, a princípio na faixa litorânea, para depois
alcançar o interior, organizando-se na Capitania de S. Vicente, bandeiras
ousadas que vadearam grandes rios e se embrenharam nas florestas.
A cobiça do ouro seduzia a alma dos
conquistadores, à medida que a fama das riquezas aumentada por notícias de
caminheiros sertanistas. Quanto à pacificação dos selvagens, permitiu-se
localizassem os invasores portugueses, a obra tranqüila do progresso não
ficou nos lugarejos à beira-mar. A civilização transpôs a muralha de
montanhas que separa o litoral do sertão, e foi semear em fertilíssimas
terras do vale do Paraíba, a cana-de-açúcar, já conhecida na feitoria de
Martim Affonso de Souza". (1)
(1) - A Conservatória dos Índios - revista da Soc. de Geografia -
tomo XXXXIII - 1928
"O
centro de gravitação econômica e social" -
escreve o sociólogo Oliveira Viana
- "da região fluminense, se orienta, progressivamente, no sentido da
montanha".
O
encontro do homem civilizado com os selvagens se dera em seu próprio
"habitat". Era a interferência do domínio do conquistador bem mais
destruidor do que os seus semelhantes conservadores dos bens naturais...
Mas,
atrás dessa destruição, movida pela sedução do ouro que abria então, as
portas da terra brasileira ao Progresso, surgia a Civilização por força dos
desvelos dos vice-reis e de uma catequese salutar que transformara os silvícolas
em mansos e apurados elementos auxiliares no rumo de novos surtos para novas
conquistas econômico-sociais.
O
ouro era o objetivo essencial do homem branco, que demandava a longínqua
Mantiqueira. Mas, em meio às jornadas, o desbravador estrangeiro não se
desanimava ante as duras condições geográficas do terreno palmilhado, e
intensificava a devastação das florestas, no vale do Paraíba, após a
subida de São Vicente - a exigência da nova era da cultura e da civilização
cafeeira.
Ao
subir a Serra do Mar, o pioneiro não mais considerava, como sérios obstáculos,
o sistema orográfico, mas o que o impressionava era a extraordinária
fecundidade da quase invencível mata-virgem.
Os
fluminenses tinham assegurado a penetração: as derrubadas rasgariam novos
horizontes nas diretrizes de um programa agrícola, como fato biológico e
econômico-social. O café derrubou a selva imensa: as formações geológicas
orientaram o desbravador fluminense na organização de numerosos centros
culturais em substituição à solidão indígena. As lavouras progrediam sob
o império da rubiácea: a plantação do feijão, do milho, do arroz e da
mandioca criou um novo ambiente de ganho de vida e os povoados, as vilas e as
cidades surgiram, cresceram e prosperaram, na Serra, por força da imigração.
"O
verdadeiro espontar de uma nova mentalidade fluminense com o café, só iria,
globalmente, se dar, com a quase exclusividade da sua cultura no vale
montanhoso do médio Paraíba, onde raros eram os engenhos assediados por contínuas
fileiras cerradas de milhões de cafeeiros.
Somente
ali é que o homem típico da montanha fluminense poderia surgir com a sua
psicologia renovada de atributos, mais ousado em suas ambições, menos
apreensivo em suas especulações na ofensiva obstinada contra o meio.
Dir-se-ia
encarnar-se nele o espírito dominador das altitudes. O ilimitado poder de
quem dos altos ronda o olhar sobre as planícies e emana de seu íntimo um
senso de domínio. O espaço aberto e a esvair-se para intermináveis amplidões,
satura-o de expansão, liberta-o de restrições visuais, inconscientemente,
alforriando-o da pressão dos imperativos telúricos.
Por
isso é que, talvez no Império, a Serra Fluminense apresente no seu quadro
civilizador, a maior síntese das enérgicas atividades do povo brasileiro. Os
mais vivazes elementos da Baixada, para ela sobem com a potência máxima das
ambições. Insatisfeitos mineiros e paulistas descem dos planaltos para
subjugar a terra bárbara. E ali chegados, pervagando o olhar do cimo das
colinas, dos morros, dos serrotes sobre toda essa imensidão de matagais, onde
as picadas retalham sesmarias, planejam as atividades agrícolas, computam as
plantações, assoberbam-se de poderio rural e atiram-se, imediatamente, à
derrubada da floresta". (2)
(2)
- O Homem e a Serra (pág. 63 e 64)
Intensifica-se
a penetração do "vale fluminense do Paraíba". A ordem era
encaminhar as culturas agrícolas, em favor da Guanabara.
O governo teria, assim, determinado a abertura de estradas e a
concretização da exploração rural em benefício da economia nacional.
O
machado vai derrubando e o homem, que antes pensara para deliberar, estimula a
ambição fluminense com a construção de núcleos agrários, em que uma
poderosa força aristocrática erguia as suas casas grandes, nos luxuosos
centros cafeeiros.
Na
Serra, próximo ao Rio de Janeiro, surge em 1772, junto ao Piraí, um pequeno
arraial onde se ergue a capela de Santana do Piraí, que não demorou muito a
se tornar um dos mais produtivos centros agrícolas. Piraí logo se tornou um
dos maiores produtores de café na Serra e constituía o melhor exemplo de
atividade e esplendor econômicos.
Comendador Joaquim José de Souza Breves
Coube
o título de Barão de Piraí, com grandeza, a José Gonçalves de Morais,
grande cafeicultor enriquecido com as suas lavouras. Um dos seus genros fora o
"Rei do Café" - o comendador Joaquim José de Souza Breves, que era irmão
do comendador José Joaquim de Souza Breves, irmão e genro da Baronesa do
Piraí. Outro teria sido o tronco de uma das mais notáveis famílias
piraienses - o Barão de Vargem Alegre, também com grandeza.
Piraí
teve sua época de esplendor, animada por ativos fazendeiros, dos quais - o
Barão de Santa Maria, Nicolau Neto Carneiro Leão, que marcou uma fase de
excelência agrária: a estirpe dos Breves deu o Barão de Guararema - Luiz
José de Souza Breves - e o Barão de Louriçal - Francisco de Assis Monteiro
Breves, ambos constituindo a alta linhagem piraiense.
Piraí
deve, também, o seu desenvolvimento a outros aristocratas do café, como o
sargento-mor de milícias, José Luiz Gomes - o Barão de Mambucaba, o qual
fez evolucionar o arraial com a riqueza e o progresso de suas fazendas
"Santa Maria" e "Ponte Nova". Todos esses ricos
fazendeiros - aos quais acrescentamos José Luiz de Souza Portugal - o Barão
do Turvo, conquistaram para a comuna um grande nome, à sombra de um dos mais
notáveis solares - qual o do Barão de Vargem Alegre, proprietário da
fazenda deste nome e da fazenda União.
Eram
em tais requintes de uma vida rural, que o Breves aplicava os recursos de suas
vastíssimas plantações de café, que cobrira um largo espaço de morros
cultivados com o esforço muscular de um número prodigioso de cativos
consagrados aos trabalhos agrícolas.
"As
manifestações máximas
- escreve Alberto Lamego - desse
elevado padrão cultural e aristocrático não foram ainda apresentadas, com
os maiores centros da civilização cafeeira serrana, os que tinham maior número
de titulares agraciados pelo Imperador: Valença e Vassouras".
Dois
nomes que por si só relembram, sem dúvida, uma época de fastígio: Valença,
a velha cidade dos marqueses, dos condes, dos barões e dos comendadores;
Vassouras, o maior ninho de aristocratas rurais do Brasil, depois de Campos.
Em
Valença, surgira, um famoso escol de fazendeiros de café - em que
pontificavam o Marquês de Valença, fundador da fazenda das Coroas - a
primeira fazenda de café, no município.
Marquês de Baependi, Visconde do Rio Preto, Visconde de Ipiabas,
Visconde de Rio Bonito e Visconde de Pimentel: barões de Juparanã, de Santa
Mônica - este casado com D. Luiza de Loreto Viana de Lima e Silva, filha do
Duque de Caxias - de Rio Bonito, de Santa Fé, da Aliança, do Rio das Flores,
de Santa Justa, do Porto das Flores, da Vista Alegre, de Potengi, de Santa
Clara e outros, que concorreram para o brilho e o prestígio da comuna
valenciana, na Corte. Apesar do seu potencial nobiliárquico, Vassouras era
sobrepujada por Valença, cujo prestígio ia além da Corte: era
internacional.
"Tanto
um como o outro, eram dois municípios cafeeiros - a transformar o meio bruto
da floresta virgem no mais requintado ambiente social da Serra
Fluminense"
- no dizer do historiador Alberto Lamego.
Vassouras
apresenta muitos titulares progressistas, entre os quais figuram os seus
dirigentes até hoje ali venerados: Barão de Vassouras, grande do Império e
figura central dos Teixeira Leite, que eram descendentes dos portugueses José
Leite Ribeiro e Francisco José Teixeira; Visconde de Cananéia e os Barões
de Ubá, do Tinguá, de Pati, de Guaribu, de Javari, de Massambará,
de Avelar e muitos outros de esplendorosa reminiscência.
Os
velhos municípios de Piraí, Valença e Vassouras, cujas casas grandes com
seus engenhos, hospitais, boticas, oratórios, se completavam com as forjas
das ferrarias no preparo das ferraduras e dos aros para os carros de bois e
com as instalações de marcenaria, a par da disciplina dos escravos
selecionados - eram o legítimo e vigoroso patrimônio agrícola fluminense,
alcandorado pelo prestígio dos seus milhões de pés de café.
"No
interior do solar onde anota a "espontânea e franca cordialidade, o
hospitaleiro agasalho com que todos os hóspedes são recebidos, tanto
conhecidos como estranhos",
frisa o viajante a limpeza, a ordem, o asseio das cozinhas, a água
encanada, tudo o que enfim se poderia desejar em conforto e bem-estar, mesmo
em modernas moradias rurais.
A
fina educação dos hospedeiros manifesta-se por "uma conversa amena e
espirituosa de salão", intercalada pela música de um magnífico piano,
em cujo teclado "delicados dedos interpretam algumas das mais difíceis
composições".
Tal
era o interior dos palacetes residenciais dos senhores do café na Serra. Não
admira, pois que, a eles comparadas, vilas, como Dores em relação à fazenda
de Ribeirão Preto, nada mais sejam que um
"burgo apinhado de casinhas brancas, meio oculto entre as dobras
da montanha". (3)
(3)
- O Homem e a Serra (pág. 259)
Na
volúpia do café, os titulares piraienses, valencianos e vassourenses punham
em equação o inadiável problema do transporte, na zona do vale do Paraíba.
O
determinismo geográfico - segundo os entendidos no assunto - provocara a
fundação de núcleos humanos, na zona serrana alcançada pelo "Caminho
de São Paulo à barra do "Piraí" - "privilegiada posição
geográfica" em relação à Guanabara e a São Paulo - a qual, um dia se
converteria num povoado, a futura "Barra do Piraí", cujo
aparecimento foi - comenta Alberto Lamego - "devido
exclusivamente à evolução dos meios de transporte",
animados pela influência das esperanças sempre crescentes, que despertava o
"Caminho Novo", e, mais tarde, a antiga estrada de ferro "Pedro
II".
Na
porção de terra confinante com os municípios de Piraí e de Valença -
maiorais do café na Serra - haveria de cumprir, precisamente no ponto exato
do acidente geográfico do Piraí, um povoado oriundo das irradiações de
ordem econômica e social - expansão daqueles próximos centros de
progressiva atividade agrícola.
E
foi o que aconteceu.
A
colonização do povoado teve início, segundo nos revela a história, em
terras de -
-
"sesmarias, doadas em 26 de janeiro de 1761, a Antônio Pinto de Miranda,
com uma légua em quadra, à margem direita do rio Piraí, e a Francisco
Pernes Lisboa, em 26 de fevereiro de 1765, também com uma légua em quadra,
situada à margem esquerda desse mesmo rio Piraí e direita do rio Paraíba do
Sul".
Apesar
de ser pouco conhecida a história do devassamento do povoado em formação,
tem-se, todavia, uma vaga notícia sobre Pero Góis da Silveira, o qual, por
volta de 1540, teria passado por essa região.
O Capitão Mata-Gente
Entretanto, data de 1853, a primeira notícia concreta da existência do povoado onde, segundo o ilustre beletrista Ovídio de Mello - o comendador Antonio Gonçalves de Morais - também conhecido como "Capitão Mata-Gente" - fizera construir uma ponte de madeira sobre o rio Piraí e, próximo dela, o primeiro prédio, em que mais tarde, foi instalado o Hotel Piraí, de propriedade de Francisco Ilhéu, que depois o transferiu a José Pereira Nogueira.
Pouco depois, foram feitas outras construções pelo dito comendador
Antônio Gonçalves e por seu filho José Gonçalves, ao mesmo tempo em que,
na margem oposta do Paraíba, os comendadores João Pereira da Silva e José
Pereira do Faro, mais tarde Barão do Rio Bonito, erguiam o pequeno povoado de
Santana, então pertencente ao território de Valença.
Segundo
nos informa o jornalista Amaral Barcelos, em seu livro "Fragmentos Históricos
do município de Barra do Piraí" - 1940, a mencionada ponte de madeira
sobre o rio Piraí, foi construida no mesmo local onde hoje se encontra a de
cimento armado, entre as ruas Aureliano Garcia e Dr. Clodoveu e, na cabeceira
da referida ponte, à margem esquerda, o incansável comendador Gonçalves de
Morais construira uma casa, isto é - o primeiro prédio do povoado.
Navegação pelo rio Piraí, vendo-se ao fundo,
a ponte de madeira, construída por Antônio Gonçalves de Morais.
Antônio
Gonçalves de Morais, prestigioso fazendeiro de café em terras de Piraí, e
seus descendentes foram os pioneiros da construção de outras habitações na
redondeza, isto é - junto à barra do Piraí.
Seu
filho José Gonçalves de Morais, prestigioso fazendeiro em Valença,
prosseguindo na obra meritória de seu ilustre pai, foi o baluarte de novos
surtos de progresso na freguezia de Ipiabas, tendo doado terreno para a
construção do primitivo cemitério, além de doações em materiais de
construção e dinheiro. A atual
igreja da vila de Ipiabas foi construída às expensas exclusivas de José Gonçalves,
que foi Juiz de Paz, naquele distrito, nos períodos de 1857 a 1864 e de 1869
a 1872. ("História
de Valença", de Luiz Damasceno - 1925).
Antes
de 1856, as terras onde estava sendo construído o futuroso povoado de Barra
do Piraí, graças aos esforços de Gonçalves de Morais e dos Breves, às
margens do Piraí, e dos Faro, do esquerdo do Paraíba, pertenciam, a princípio,
somente a dois municípios - Piraí e Valença.
Barra
do Piraí seria formada da reunião de terras de três municípios vizinhos:
do município de Vassouras, de onde seria desanexada uma porção de terra
onde está, atualmente, edificada a parte central da cidade; do município de
Valença, a parte pertencente à freguesia de Ipiabas, sita à margem esquerda
do Paraíba onde se ergue a histórica catedral de Santanna; e, finalmente, do
município de Piraí, seria desmembrada a parte situada à margem direita do
Piraí, onde está instalada a Casa de Caridade Santa Rita.
E
assim se ergueria o povoado dos Gonçalves de Morais e dos Faro - a futura
Barra do Piraí, que o poeta barrense Sebastião Lasneau exaltou nestes belos
versos, extraídos do poema "Barra
do Piraí":
Arrancaram
do Império, a nossa Pátria imensa,
Esse
belo torrão, esta Barra querida,
Tripartida
e sem nome, era um corpo sem vida,
Nas
mãos de Piraí, Vassouras e Valença.
Mas
como o ideal é tudo e como o esforço vence,
O
formoso rincão da terra fluminense,
Dentro
em pouco, sentiu o início da ascensão;
Ovídio,
Pedro Cunha, Andrade e Rio Bonito,
Sonharam
para Barra, o sonho mais bonito:
-
Transformar em comarca o querido rincão.
Começou,
desde logo, uma luta idealista!
Propaganda,
jornais, velhos pontos de vista.
Tentaram-se
antepor à marcha para a Glória.
Porém,
Coelho e Falcão e Moreira dos Santos,
Unidos
aos demais, fizeram esforços tantos
Que
ressoaram, por fim, os clarins da vitória.
Barra
do Piraí tomou seu próprio nome:
Nome
que Deus lhe deu, e não há quem lh'o tome,
Pois,
ela o recebeu da própria natureza!
Enquanto
o Piraí vai cantando em seu seio,
O
grande Paraíba a corta meio a meio,
E
ambos lhe dão mais cor, mais alma e mais beleza.
Mas,
nasceu, caminhou, levando aos próprios ombros,
O
peso do ideal de todos os assombros,
A
grandeza sem fim dos sonhos que sonhou.
Como
alguém que nasceu predestinado à Glória,
Altiva,
caminhou de vitória à vitória,
E
quase, em plena luz, parece que parou.
Sobre
a nova cidade, os ventos do progresso
Sopraram
lentamente. E a Barra, em seu recesso,
Sentiu
que, novamente, urgia caminhar,
E,
então, pôs-se de pé, a caminhar de novo,
Levada
pelo esforço ingente do seu povo,
No
concerto do Estado, ao seu próprio lugar.
Estrutura
invulgar, torrão privilegiado,
Centro
de irradiação, que serve a todo o Estado,
Pelos
trilhos sem fim de suas ferrovias,
Os
quais, vão muito além, por São Paulo, ou por Minas,
Altas
serras vencendo ou cortando campinas,
Às
vezes, par a par com grandes rodovias.
E
ela, assim mais e mais foi crescendo, crescendo...
E
a própria timidez, pouco a pouco, vencendo
Fez
nascer em, seu seio, escolas e hospitais,
Um
albergue, um bispado, um asilo à velhice,
E
se o gênio que a criou voltasse e, então, a visse,
Vê-la-ia,
talvez, mais bela entre as demais.
Perdendo,
desde então, sua forma imprecisa,
Nova
marcha triunfal seus sonhos
concretizam,
E
novas ambições seu grande povo embala:
Templos
em construção, praças e monumentos,
Três
grêmios musicais, onde os novos talentos
Harmonizam
os sons para em sons adorá-la.
Sedenta
de progresso, à estrada, fez-se ovante
E
se foi, caminhando a passos de gigante,
E
banhada de luz, ergueu-se mais e mais!
Isenta
dos grilhões e dos jugos tiranos,
Progrediu
muito mais, nos seguintes cinco anos,
Do
que nos dois ou três decênios para trás.
Notou-se
em toda a parte, o mais grandioso surto
Do
progresso e ascensão. E assim, num breve e curto
Prazo,
sem descansar, a Barra caminhou
De
servir ao seu povo, em todo o município,
Para
cada distrito, um bem idealizou".