Entrevista com Tom Shroder, jornalista do The Washington Post


 



Depois de acompanhar o dr. Ian Stevenson, renomado pesquisador do fenômeno da reencarnação, em suas pesquisas pela Índia, pelo Líbano e Estados Unidos, o jornalista Tom Shroder, do The Washington Post, passou a ver o tema com outros olhos. Suas investigações nessa área resultaram no livro Almas Antigas, publicado recentemente no Brasil pela editora Sextante.

 

 

Por Fátima Afonso

PLANETA – Você começou a se interessar pela reencarnação em 1988, quando escreveu um artigo sobre o dr. Brian Weiss para a “Tropic”, revista que sai aos domingos no jornal Miami Herald. O que exatamente chamou sua atenção para o tema?

Shroder – Na qualidade de jornalista, eu achei a entrevista do dr. Weiss interessante, mas não como alguém que queria acreditar em reencarnação. Weiss era um respeitado médico, que detinha uma posição de destaque na comunidade médica local, e fiquei intrigado que ele estivesse propondo algo tão radicalmente fora dos parâmetros médicos. Ele acreditava que, sob hipnose, alguns de seus pacientes haviam relatado autênticas passagens de vidas passadas. Achei que ele era muito inteligente, uma pessoa sincera. Mas não dei muita importância a seus casos como evidência de reencarnação.

Por sua natureza, a hipnose é um convite à fantasia, e nada que esses pacientes diziam poderia deixar de ser facilmente explicado como sendo fantasioso, utilizando-se o material de livros, filmes e a imaginação para criar histórias de vidas passadas sugeridas pelo hipnotizador. Nos relatos dos pacientes, faltou alguma evidência de que o que diziam não poderia ser conhecido por meios normais.

PLANETA – Depois de se sentir atraído pelo assunto, você chegou à conclusão de que deveria procurar o dr. Ian Stevenson, psiquiatra canadense que se tornou mundialmente famoso por suas pesquisas na área da reencarnação. No entanto, levou dez anos para fazer isso. Por que esperou tanto tempo?

Shroder – Pesquisando a história do dr. Weiss, encontrei por acaso o trabalho do dr. Ian Stevenson, que achei muito mais interessante do que aquilo que o psiquiatra americano estava fazendo com a hipnose. Os casos de Stevenson remetiam diretamente para a fraqueza de evidências nos casos de hipnose. Por um lado, os pacientes muitas vezes começavam a fazer declarações sobre possíveis vidas passadas quando eram ainda muito pequenos, logo que pudessem falar uma palavra compreensível. Em alguns casos, antes dos dois anos de idade. Nessa idade, a exposição do paciente a livros, filmes, educação, viagem ou outra experiência que poderia ter fornecido informações sobre as vidas de estranhos que morreram era extremamente limitada. Por outro lado, as vidas que eles pareciam estar narrando não estavam no passado distante, mas no recente, tornando os indivíduos a que se referiam – seus amigos e parentes da encarnação anterior – mais fáceis de definir, localizar e, em alguns casos, entrevistar. Isso permitia a Stevenson conferir as afirmações feitas pelas crianças sobre a vida da personalidade anterior com as memórias e recordações escritas da pessoa ainda viva. Eu sentia vontade de ver com meus próprios olhos como Stevenson conduzia essa pesquisa e observar, em primeira mão, a natureza e a qualidade da investigação. Mas eu tinha uma revista para editar e outro livro para escrever; quando percebi, os anos haviam se passado.

Quando ouvi falar de Stevenson pela primeira vez, eu sabia que ele já estava com uma idade avançada e, na época em que decidi ir adiante com a idéia, achei que ele poderia ter se aposentado ou, possivelmente, que já tivesse falecido. Mas telefonei para seu escritório e ele próprio atendeu o telefone. Sua primeira reação foi me dizer que apreciava meu interesse, mas não poderia me ajudar, pois já havia dado um número suficiente de entrevistas. De fato, levei quase dois anos antes de conseguir persuadi-lo a me deixar acompanhá-lo nas suas viagens.

 
 
 

PLANETA – Entre 98 e 99, você passou vários meses acompanhando Stevenson no estudo de casos de reencarnação no Líbano, na Índia e nos Estados Unidos. Quais as maiores dificuldades que encontraram pela frente para desenvolver esse trabalho?

Shroder – Viajar pela Índia e pelo Líbano pode ser complicado, desconfortável e até perigoso. Todas essas coisas eram ainda mais verdadeiras 40 anos atrás, quando Stevenson começou sua pesquisa. Então vi, em primeira mão, a sua dedicação em perseguir centenas de casos pelo mundo, durante tanto tempo. Quando nós estávamos numa jornada científica, durante sete dias da semana, começávamos a trabalhar com os primeiros raios da manhã e parávamos, freqüentemente, tarde da noite. Muitas vezes, Stevenson não queria sequer parar para o almoço. Não demonstrava cansaço e era duas vezes mais velho do que eu.

Em termos de trabalho propriamente dito, a parte mais difícil era seguir a pista de todas as testemunhas e fazer com que aceitassem dar longas entrevistas. As pessoas estavam espalhadas em áreas remotas, eram conhecidas só pelo primeiro nome ou profissão, sendo hostis ou indiferentes. Elas haviam ouvido crianças fazer declarações sobre personalidades passadas ou conheciam o falecido e poderiam atestar a verdade ou a falsidade do que a criança afirmava.

Outra dificuldade desses casos é que, por sua natureza, em geral ninguém, fora a família envolvida, conhecia os fatos relatados pela criança até depois que se descobria os parentes da sua personalidade anterior, aqueles sobre os quais ela falava. Porém, quando Stevenson tomava conhecimento do caso, as duas famílias, às vezes, já tinham se encontrado e, portanto, seu testemunho estava, de alguma forma, contaminado, pois haviam tido a oportunidade de ouvir as histórias uns dos outros. Há um ou dois casos, entretanto, em que Stevenson encontrou crianças fazendo declarações antes que suas famílias pudessem identificar sua personalidade anterior, e ele próprio estava presente quando isso ocorreu.

 
 
 

PLANETA – Dos casos que observou, qual o que mais lhe impressionou?

Shroder – É importante notar que nem um único caso poderia comprovar qualquer coisa além das dúvidas, porque não importa quão bem o caso fora investigado para eliminar a possibilidade de fraude, auto-engano, ou algum método normal pelo qual a criança poderia aprender coisas sobre um falecido estranho. Tais possibilidades nunca puderam ser completamente eliminadas.

De fato, dada a extraordinária natureza das coisas – que exigiam não só a existência da alma independente do corpo físico, mas um meio de transferi-la de um corpo para outro, coisas para as quais há um único fragmento de prova empírica –, é preciso aceitar que um único caso é resultado de causas normais. Mas quando se tem dezenas e até centenas de casos, todos bem inspecionados e que parecem falar de um conhecimento paranormal por parte da criança, cada caso individualmente convincente tem mais sentido.

Dito isso, quem sabe o melhor caso que eu encontrei foi o de uma mocinha de classe média que, quando ainda criança, começou a falar sobre a vida de uma rica mulher de uma grande família com sete irmãos, de seus próprios filhos e de um marido que ela adorava. Essa menina citou o nome de todos os irmãos, dos seus filhos e do marido. Deu o nome da cidade onde “viveu” e até citou o número de telefone antes de sua família ter confirmado os nomes ou a existência da cidade. Quando eles descobriram a família da qual a menina parecia falar, a notícia chegou aos parentes da mulher falecida, e seus filhos vieram ver a garota. Entre as primeiras coisas que ela disse às filhas da falecida foi: “Seus tios dividiram minhas jóias entre vocês conforme eu pedi?” As filhas ficaram chocadas, pois só a família sabia que, quando estava no leito de morte, a mãe havia pedido a seus irmãos que dividissem as jóias entre elas. Esse testemunho é especialmente valioso porque a família da morta não acreditava em reencarnação. De fato, a existência da pequena garota assegurando que era a mãe falecida tinha lhes causado uma enorme perturbação. Mas, apesar disso, eles confirmaram para nós que a menina conhecia coisas sobre sua mãe que ninguém fora da família sabia.

PLANETA – O kardecismo, assim como boa parte das religiões orientais, vê a reencarnação como uma oportunidade de aprimoramento do espírito. Você concorda com essa teoria?

Shroder – Uma interessante diferença entre a crença na reencarnação dos drusos, no Líbano, e a dos hindus, na Índia, é que enquanto os indianos crêem no carma, a idéia de que, pelo comportamento em uma vida, se é punido ou recompensado com a natureza de seu nascimento na próxima encarnação, os drusos acreditam que o renascimento ocorre ao acaso, sem relação com a vida anterior. Eles crêem que a finalidade dos constantes renascimentos é permitir que o espírito viva um campo inteiro de experiências humanas, o que é impossível no espaço de uma única vida. Também acreditam que o renascimento deve ocorrer no instante da morte, que não deve existir espírito independente de um corpo, esperando por uma nova vida.

No Líbano e na Índia, porém, os casos de crianças falando de vidas passadas não obedecem a nenhuma dessas crenças. Ao contrário, os casos nesses dois países se assemelham mais entre si do que com o “caso ideal” da sua cultura. Os renascimentos parecem ser ao acaso, mas raramente em longas distâncias, e ocorrem de alguns minutos a 20 anos após a morte da antiga personalidade. Para mim, esse padrão sugere que o fenômeno, seja o que for, não parece ser criado exclusivamente por uma cultura para reforçar suas próprias crenças.

 
 
 

PLANETA – Depois de ter contatado pessoas que dizem lembrar-se de outras encarnações, você diria que o esquecimento de vidas passadas é uma bênção para o ser humano?

Shroder – Havia depoimentos mistos entre aqueles que entrevistamos. Alguns pareciam se sentir isolados de sua atual família; outros, tristeza por estarem separados de famílias que eles se lembravam como as suas originais. Mas outros disseram que estavam felizes por saber que seus amados da encarnação anterior estavam bem, e felizes por poderem dizer que haviam “voltado” em uma nova encarnação. De fato, muitas dessas crianças pareciam agitadas e infelizes com suas lembranças, até que foram capazes de encontrar e ver sua família original. Após o contato, diziam que elas eram bem mais felizes e paravam de falar sobre a vida anterior, harmonizando-se melhor com seus parentes atuais.

PLANETA – Nos últimos 40 anos, Stenvenson conseguiu fortes evidências da reencarnação entre as pessoas que pesquisou. Que argumentos os cientistas têm para continuar ignorando o seu trabalho?

Shroder – No que diz respeito à maioria dos cientistas, Stevenson não está mesmo na tela do radar. Seu trabalho é simplesmente como uma ciência “periférica”, não sendo visto com seriedade. Os que consideram o seu trabalho seriamente, o suficiente para criticá-lo, geralmente dizem que Stevenson está sendo enganado pelas pessoas, que está tão interessado em provar que os casos são autênticos que não enxerga sinais óbvios de fraude, ou ainda que fez perguntas importantes e desprezou as provas contrárias. Mas nenhum de seus críticos examinou casos semelhantes, ou reinvestigou os casos pesquisados por Stevenson. Por isso, como um jornalista independente, senti que era importante que eu acompanhasse pessoalmente esses casos.

 
 

PLANETA – Ian Stevenson está hoje com 83 anos, idade já avançada para o exaustivo trabalho de campo que sempre realizou. Existe alguém preparado para dar continuidade às suas pesquisas?

Shroder – Stevenson possui vários colegas que têm feito algumas investigações. Mas acho oportuno dizer que nenhum tem tanta energia, desenvolvimento mental ou recursos disponíveis do que ele teve.

PLANETA – Na sua opinião, que benefícios a comprovação científica da reencarnação pode trazer para a humanidade?

Shroder – Para mim, o único enorme benefício para a humanidade seria simplesmente estar mais perto do conhecimento da natureza da nossa existência. Para mim, a verdade é o bem fundamental, mesmo que não se possa sempre apontar o benefício prático de conhecê-la.

PLANETA – No início da sua viagem para o Líbano, você se mostrava uma pessoa bastante cética em relação à possibilidade de uma outra existência após a morte do corpo físico. Você se definiria hoje como um reencarnacionista?

Shroder – Penso que o que mudou em mim é que, hoje em dia, estou muito mais ciente a respeito de como sabemos pouco sobre os fatos básicos de nossa consciência e da natureza de nossa própria personalidade. Apesar de todos os progressos em neurologia e inteligência artificial, ninguém está perto de explicar aquela sensação básica que todo homem tem de ser consciente, de ser uma personalidade individual dotada de livre-arbítrio. Se não conseguimos identificar a fonte da qualidade humana mais básica, por que deveríamos nos surpreender com o fato de que existem algumas surpresas no que acontece após a morte do corpo físico?

PLANETA – O que mudou na sua vida depois da experiência na Índia e no Líbano? Houve transformações importantes no seu mundo interior?

Shroder – Hoje, eu sinto muito mais apropriado ver o mundo como um lugar misterioso, que nunca será dissecado e definido, do que como uma coisa mecânica.

PLANETA – Como jornalista, você pretende continuar fazendo suas próprias investigações nessa área ou considera a reencarnação uma pauta já encerrada?

Shroder – Vejo a possibilidade de se escrever um livro inteiro de um único caso, se um caso bastante rico chamar a minha atenção.