Entrevista n. 6
Sobre candomblé e homossexualidade
Para G Magazine
1 - Por que, na sua opinião, os homossexuais
têm uma maior identificação com o candomblé?
Seria por que a seita religiosa é mais tolerante com a homossexualidade
do que as outras seitas/religiões?
Mott: Os gays estão presentes em todas religiões, mesmo
nas mais homofóbicas. Não é segredo para ninguém
o batalhão de homossexuais na Igreja Católica e em número
menor nas Protestantes: como porém o cristianismo condena o
amor entre pessoas do mesmo sexo, tudo acontece de baixo do pano,
na hipocrisia. Há estimativas de que 40% do clero católico
brasileiro é homossexual. O número alto de padres com
Aids e padres gays assassinados comprova a veracidade desta presença.
Quanto à presença maior de gays e lésbicas no
candomblé se explica por ser uma religião que não
interfere na vida sexual de seus adeptos (não há noção
explícita de virtude e pecado, muito menos a condenação
dos pecados contra a castidade); há Orixás que têm
vida sexual bastante irregular de acordo com os padrões oficiais
de nossa cultura sexual (Iemanjá casou-se com o irmão
e foi violentada por seu próprio filho de quem teve outro filho);
há Orixás que são transexuais, isto é,
mudam de sexo, como Logun-Edé e Oxumaré, que uma metade
do ano são homens, a outra metade, mulher.
2 - Como o candomblé vê a homossexualidade?
Mott: Não há um discurso nem escritos específicos
sobre a homossexualidade no Candomblé. A maior parte dos principais
pais de santo no passado e presente foram e são ou bissexuais
ou homossexuais. Filhos de santo a mesma coisa. Todo mundo sabe, mas
não se fala, não se assume. Tolera-se mas não
há um discurso articulado de defesa da livre orientação
sexual dos indivíduos, o que é uma pena, pois apesar
de muito praticado, o homossexualismo continua sendo, no candomblé,
"o amor que não ousa dizer o nome".
3 - A forma alegre como os orixás se manifestam, geralmente
usando muitos adereços e cores, seria um dos motivos para que
os homossexuais tivessem uma maior identificação com
o candomblé?
Mott: Gay tem muito a ver com vaidade, culto do corpo, curtição
de roupas, modas, "fechação". Não é
à toa que o movimento gay tem como símbolo o arco-íris
- todas as cores! Há estudos antropológicos que sugerem
que muitos gays buscam o candomblé como forma de exteriorizar
sua feminilidade reprimida, recebendo orixás mulheres quando
possuídos, dando vazão à sua "alma de mulher"
quando participam da confecção das roupas e adereços
rituais.
4 - Na sua opinião existe algum orixá
que sirva como ícone da homossexualidade? Por quê?
Mott: Logun-Edé e Oxumaré são "transexuais"
ou "hermafroditas sociais", incorporando ao longo do ano,
os dois sexos. O próprio Oxalá também participa
desta dualidade, pois segundo alguns mitos yorubás, reúne
em si o lado masculino e feminino - aliás, como muitos outros
deuses antigos. Iansã é mulher-macho, veste calça
e tem cavanhaque, além de ser forte e poderosa "como um
homem". Oxóssi, caçador, consta em alguns mitos
antigos que manteve relação amorosa e sexual com o orixá
as folhas, Ossaim ou Ossanha.
5 - Como o senhor interpreta a utilização
por parte de grupos homossexuais, de expressões muito utilizadas
nas casas de santo? Por quê os gays utilizam a língua
ioruba para se comunicar?
Mott: Pelo Brasil a fora, muitos e travestis e gays, sobretudo de
classes mais humildes, incorporaram palavras de inspiração
nagô (ou yoruba, que é a mesma coisa) em seu linguajar
diário. Alguns exemplos: mona=mulher; adé=gay; aló=lésbica;
edi=pênis; ocan=bunda; ocó=homem; uó=coisa ruim,
etc
A explicação para o uso desses termos pela cultura gay
brasileira tem a ver com a frequencia de muitos homossexuais brancos
e negros nos terreiros afro-brasileiros e pela significativa presença
de negros na comunidade gay. Como outros "dialetos" grupais,
é uma forma de através de linguagem cifrada evitar que
pessoas de fora entendam conversas mais íntimas dos próprios
homossexuais.
6 - Personagens estereotipados como o de
Painho, interpretado por Chico Anísio no programa Zorra Total,
não ajudam a ampliar os preconceitos contra os gays e a generalizar
de que todos os zeladores de orixás são homossexuais?
Mott: Painho, que está na TV brasileira há mais de uma
década, teve como inspiração o babalorixá
Joãozinho da Goméia, baiano mas que fez sucesso no Rio
de Janeiro. Como toda caricatura, exagera e desrespeita a figura original
e a meu ver, Painho é inconveniente tanto para o candomblé,
por reforçar o estereótipo de que todo pai e filho de
santo é gay, e contra os gays, por exagerar a efeminação,
que é cada vez menos frequente entre os homossexuais - que
adotam o modelo da "bicha barby", malhados, viris. O Grupo
Gay da Bahia há anos protesta contra estes estereótipos
que ridicularizam os homossexuais.
Voltar