Entrevista n. 10
Sobre transexualidade

1.Qual a importância do parecer favorável da Justiça do Mato Grosso na concessão do direito da transexual Layne mudar o nome do registro civil?
Luiz Mott - Cada nova conquista jurídica em favor da cidadania de gays, lésbicas, travestis e transexuais representa um passo em frente na conquista do direito elementar de todo cidadão: o respeito integral à sua pessoa e individualidade, a garantia de tratamento igual de todos perante as leis. Este caso específico de Layne enobrece a Justiça do Matro Grosso do Sul, antecipando o que será normal e reconhecido em breve no Brasil e no mundo inteiro: o respeito às diferenças, sejam elas de raça, cor, orientação sexual, identidade de gênero que é o caso das pessoas transexuais.


2.O senhor tem conhecimento da existência de processos ou pessoas que também gostariam de entrar na justiça para alterar o registro?

Luiz Mott - Mudança de nome masculino para feminino faz parte da sub-cultura gay luso-brasileira quando menos desde o século XVI. Na Inquisição há um processo contra o escravo negro Antônio, que jogava pedras em quem não o chamasse de "Vitória". No século XIX a mais famosa travesti do Rio de Janeiro se chamava Traviata e na Bahia, no começo do século XX, o gay mais popular adotou o nome de Greta Garbo. Quanto às transexuais (adequação genital de homem para mulher), quando menos desde 1989 há notícia do pernambucano Severino do Ramos Afonso que conseguiu ganho na justiça de Recife, passando a chamar-se Sílvia. Em 1994, o Tribunal de Justiça do RS concedeu por unanimidade ao bancário aposentado Rafael A.A. o direito de adequar sua documentação, passando a chamar-se Rafaela. O Juiz Eduardo Velho Neto, de Sorocaba, SP autorizou ao transexual Maria Teresa Araújo passasse a chamar Luiz Henrique Araújo conhecido como o primeiro caso em que se autorizou tal mudança de nome apesar do transexual não ter-se submetido a adequação genital. Roberta Close, operada em 1989, aos 24 anos, ainda não conseguiu junto à justiça brasileira a mudança de seu registro: o pedido, registrado em l991, em 1994 teve despacho negado pelos Desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo e também pelo Supremo Tribunal Federal, com despacho negativo do Ministro Sydney Sanches em 1997. Tais informações, e todos os detalhes sobre os problemas enfrentados pelas transexuais encontram-se no livro publicado pela Editora do Grupo Gay da Bahia, Transexualidade: O Corpo em Mutação, do Dr. Edvaldo Couto, Salvador, 1999.

3. Na sua opinião, qual a dificuldade no caso da Roberta Close, que ainda não conseguiu mudar o registro? O caso da Layne pode abrir um precedente para o dela?
Luiz Mott - No meu entender a discriminação contra Luiz Roberto Gambine Moreira Roberta Close se deve ao fato de ser a transexual mais famosa do Brasil, atraindo portanto uma atenção nacional na mídia, coisa que os juizes mais conservadores abominam, reflexo do machismo e da homofobia dominantes em nossa sociedade. O Grupo Gay da Bahia e a Secretaria de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis pretendem este ano entrar com uma ação popular em nível nacional, exigindo não apenas a concessão do direito de mudar de nome a Roberta Close mas a todos os/as transexuais que assim o desejarem.

4.Historicamente a justiça tem um comportamente parcial quando o assunto é relacionado a homossexuais e transexuais?
Luiz Mott - Infelizmente o Brasil é um dos países mais machistas do mundo, machismo exacerbado cuja origem está no sistema escravista, que obrigava a todo homem branco a ser ultra-viril a fim de manter obediente e submissa a massa populacional constituída de escravos e mestiços. Nossa política e justiça refletem a mesma ideologia machista difusa na cultura brasileira, pois embora desde 1821, quando do fim da Inquisição e com a nossa primeira Constituição, em 1823, a homossexualidade deixou de ser crime, não obstante, policiais e juízes continuam tratando os homossexuais como presumíveis suspeitos e criminosos . A justiça suíça conferiu passaporte com nome feminino a Roberta Close, que mantém relação estável com um cidadão suiço funcionário da Nestlé, enquanto nossos juizes, além de obriga-la à constrangedor laudo pericial de sua neo-vagina, continuam negando sua mudança de nome.

5.O caso da Layne de Paula pode indicar um fator preponderante para a mudança na legislação brasileira?
Luiz Mott - Espero que sim, pois os vários despachos favoráveis da justiça brasileira para mudança de nome de transexuais constitui jurisprudência sólida e basilar que deve ser utilizada pelos advogados e seguida pelos juizes a fim de adequar a identidade civil daqueles indivíduos que os cientistas psicólogos e médicos diagnosticaram como possuindo "alma de mulher aprisionada em corpo de homem".

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