Entrevista n. 14
Sobre amizades entre hetero e homossexuais

1)A orientação sexual tem influenciado menos as relações sociais nos últimos anos?
Mott - Os seres humanos se distribuem basicamente em três orientações sexuais: 60% heterossexual, 30% bissexual e 10% homossexual. Nossa cultura sexual de inspiração judaico-cristã separa e antagoniza excessivamente os sexos: condenava à morte o travesti e homossexual, determinava que as mulheres usassem cabelo comprido, etc. Nos últimos 50 anos, com a revolução sexual, feminista e gay, com a moda unissex e androginia, com a descriminalização e afirmação da homossexualidade, as pessoas passaram a ser mais bissexuais, mais unissex, mais andróginas, os homens assumindo seu lado feminino, as mulheres usando calça e tornando-se mais masculinas, tudo isto colaborando efetivamente para diminuir o antagonismo dos sexos e dos gêneros . Ainda não chegamos ao ponto de olharmos e nos relacionarmos com as pessoas independentemente de sua orientação sexual, mas caminhamos em direção à menor antagonismo de sexo e gênero.

2)A relação de amizade entre homossexuais e heterossexuais tem evoluído de alguma forma ao longo dos últimos anos?
Mott - Durante séculos, o Rei, o Bispo e os Inquisidores obrigaram os heterossexuais a odiarem os homossexuais, divulgando mentiras sobre "o amor que não ousava dizer o nome": que provocava a ira divina contra a humanidade, que os gays violentavam criancinhas, que os homossexuais eram pervertidos, imorais, pecadores, e mais recentemente, que causaram a aids. Havia prêmios para quem denunciasse os homossexuais para serem queimados na inquisição. Após a revolução gay - 1969, Stonewall, NY - à medida que lésbicas e gays saíram cada vez mais da gaveta, os "straights" ("caretas") passaram a ver e compreender mais as minorias sexuais, que como todos as demais segmentos sociais, tem muitos anjos e alguns diabos. A destruição dos preconceitos contra os homossexuais tende a se normalizar com a convivência.

3)O homossexualismo deixou de ser uma coisa de gueto?
Mott - O gueto gay, hoje chamado de cena gay, foi a estratégia utilizada pelas minorias sexuais para desenvolver mecanismos de sociabilidade e auto-proteção sem correr o risco da violência da sociedade hetossexista - ou melhor, heterror-sexista! Não foi imposto pelos donos do poder, como ocorreu com as judiarias e mourarias medievais, mas uma solução dos próprios homossexuais que se reuniram em espaços especiais para enfrentar a adversidade. Hoje, cada vez mais, nos países livres, a tendência é a mistura, à bissexualidade, à pansexualidade. Na Islândia, por exemplo, fecharam-se os bares e boites exclusivamente gays, pois agora heteros e homossexuais dançam juntos, cada um na sua e todo mundo numa boa. Defendo o gueto/cena gay como estratégia temporária de afirmação homossexual, mas quero ser respeitado em todos os ambientes e conviver com todo mundo, sem discriminar nem ser discriminado.

4)Há diferença entre relações de amizade entre homo e hetero e relações apenas hetero? Em que a relação entre homo e hetero pode acrescentar à evolução humana?
Mott - Num mundo ainda tão hostil aos homossexuais, num país onde pais e mas repetem preferir ter um filho ladrão ou uma filha prostituta, do que gay ou sapatão, a amizade entre heteros e homossexuais é importantíssima para quebrar o tabu, para normalizar o que muita gente ainda acha que é perversão, doença, descaração. Nós, gays e lésbicas, temos muito a ensinar aos heterossexuais: fazer do amor e tesão o critério principal das uniões "conjugais" (e não o patrimônio ou a procriação), questionar a rigidez da divisão e antagonismo dos papéis de gênero, incluir a alegria e uma certa irreverência como ingredientes fundamentais de nossas vidas. E sobretudo, acreditar na utopia de uma sociedade regida pelo arco-iris, onde não apenas o preto e o branco, mas todas as cores, tenham o direito de brilhar.

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