Entrevista n.16
Sobre homofobia, violência anti-gay

1) O que o senhor acha a respeito do empenho do Brasil em defender os direitos dos homossexuais, durante a Conferência contra Xenofobia e Racismo, em Johanesburgo?
Mott - O Brasil é um país contraditório: de um lado, é o campeão mundial de assassinato de homossexuais (130 mortes apenas em 2000, enquanto nos Estados Unidos, 16 mortes, num país com 100 milhões a mais de habitantes), do outro, o Brasil é na América Latina o país onde existe mais liberdade gay nas ruas, na mídia, e temos um Secretário de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, Dr. Sabóia, que tem sido o defensor na ONU para que se inclua a defesa da "livre orientação sexual" entre os direitos humanos fundamentais. Recentemente o Ministro Serra declarou que não assinaria documento onde se diga que homossexualidade é pecado!

2) O senhor já sofreu algum tipo de discriminação? Poderia citar um exemplo mais marcante? Na sua opinião, ainda que vivamos em uma época extremamente sexualmente liberal, por que a repressão ainda acontece?
Mott - Dentre todas as minorias sociais, os homossexuais são as principais vítimas do preconceito e discriminação, sobretudo porque um menino negro, judeu, deficiente física aprende em casa, com os pais, a ter auto-estima e enfrentar o preconceito da sociedade global, enquanto com os gays e lésbicas, acontece exatamente o contrário: é em casa, na família, onde se inicia a violação de seus direitos humanos, com insultos, agressão física, expulsão de casa.
Eu felizmente nunca sofri discriminação dentro de casa, simplesmente porque esondi até os 26 anos minha homossexualidade, depois que me assumi, uma irmã deixou de falar comigo, mas meus pais e demais irmãos, entenderam, e me respeitam.
Já fui três vezes agredido fisicamente na rua por defender os dirietos dos homossexuais, uma vez por um protestante, outra por uma machão que não aguentou ver-me sentado ao lado de meu namorado assistindo o por do sol no Farol da Barra, e a terceira vez, numa demonstração do Grupo Gay da Bahia na parada do dia da Independencia da Bahia. Há pessoas atacadas de uma doença, a homofobia, que se pudessem, matavam os homossexuais.

3) A legalização da união civil já pode ser considerada uma conquista do País, ao seu ver? O que emperra o projeto de lei de Marta Suplicy no Congresso?
Mott - Costumo dizer que o projeto da Marta concede apenas migalhas aos homossexuais, do mesmo modo como aconteceu com as leis que antecedeeram à abolição da escravatura. Queremos e vamos conseguir num futuro não muito distante, o que já é lei na Holanda e Alemanha: casamento igual ao dos demais cidadaão, pois não há nenhuma razão lógica que justifique a proibição dos homossexuais de se casarem. O projeto de parceria civil registrada apesar de tímido e limitado, dificilmente será aprovado porque infelizmente, a maioria de nossos deputados é constituída por homens machistas, inseguros, que em vez de se espelhar no primeiro mundo, onde os direitos dos homossexuais são respeitados, preferem se deixar influenciar pelo discurso intolerante e retrógrado dos protestantes e bispos católicos - os mesmos ;que são contra o preservativo, o controle da natalidade e nos séculos passados, apoiaram a escravidão e a inferiorização da mulher.

4) O MHB tem dados estatísticos sobre violência contra gays, lésbicas e travestis no País? Se possível, favor enviar tais dados, que enriquecerão a matéria.
Mott - Às vésperas da votação do projeto de parceria civil registrada na segunda semana de maio - o movimento gay divulga o relatório anual denunciando a violência anti-homossexual registrada no Brasil: 130 homossexuais foram assassinados no Brasil, dos quais 69% gays, 29% travestis e 2% lésbicas. Estes crimes de ódio são chamados de crimes homofóbicos, onde a condição sexual da vítima explica os requintes de crueldade como são cometidos tais mortes. Estes dados se baseiam em notícias coletadas nos jornais e da Internet. De 1980 a 2000 estão documentados 1960 assassinatos de homossexuais. Em Goiás, em 1999 foram 7 assassinatos e 6 em 2000.
Este livro intitulado "Causa Mortis: Homofobia", tem 166 páginas e uma dezena de fotos das vítimas e seus assassinos. Foi financiada pelo Banco Mundial (Bird), Unesco e Kimeta Society do Canadá, entidades internacionais que se sensibilizaram com a situação de extrema violência de que são vítimas os homossexuais brasileiros. A pesquisa e a publicação custaram 8 mil reais.
Segundo os autores deste livro, Luiz Mott e Marcelo Cerqueira, coordenadores do Grupo Gay da Bahia, "o Brasil é o campeão mundial de crimes contra gays, lésbicas e travestis: no carnaval, todo mundo aplaude os gays na passarela, porém no resto do ano, é só humilhação, pancada e morte. Os homossexuais são a minoria social mais odiada no país. Nem nos países muçulmanos e africanos onde a homossexualidade ainda é crime, são registradas tantas mortes violentas como no Brasil. Não é por menos que vem aumentando o número de gays que têm conseguido asilo político na Europa e Estados, comprovando terem sido vítimas de perseguição sexual."
São Paulo é o estado onde se registra o maior número de crimes: 28 mortes no ano de 2000. Entre estes, o adestrador de cães Edson Néris, massacrado por 18 Carecas do Abc. O que mais preocupa aos gays é a violência cometida no Nordeste: 1/3 das mortes ocorreram nesta região, sendo Pernambuco (18 mortes) e Alagoas (10 mortes) os estado mais violentos do país, pois os dois juntos têm menos da metade da população de São Paulo e registraram igualmente 28 mortes. Pernambuco é pelo terceiro ano consecutivo o estado mais perigoso para os homossexuais do país!
Segundo um dos autores do relatório, Marcelo Cerqueira, "o perfil dos homossexuais assassinados revela que a maioria dos gays estava na flor da idade, entre 18 e 30 anos, classe média e baixa, o maior número das vítimas sendo constituída de cabeleireiros, professores, funcionários públicos e travestis profissionais do sexo, incluindo também engenheiros, médicos, um cônsul de Portugal e um sacerdote. 43% das vítimas foram assassinadas com arma de fogo e 28% a golpes de faca, vários sofrendo múltiplas agressões e tortura. 80% das travestis foram mortas na rua enquanto 64% dos gays foram executados dentro de casa. Os assassinos apresentam perfil diverso das vítimas: a metade tinha menos de 21 anos, classe baixa, profissões braçais ou desempregados, muitos vivendo como rapazes de programa ou michês. Só 10% dos criminosos são presos.
No final do relatório é divulgado o texto "Gay vivo não dorme com o inimigo", onde são ensinadas dez "dicas" de como o homossexual deve proceder para não ser a próxima vítima. A primeira sugestão é não levar desconhecidos para casa e não ter medo de gritar e enfrentar o agressor quando ameaçado. O relatório pode ser consultado no site www.ggb.org.br ou encomendado à Caixa Postal 2552, Salvador, por R$10.

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