A verdade é que ela não sabia direito como nem porquê. Estava na Wild, boite que ela freqüentava quase todas as noites. Era amiga do barman e conseguia entrar sem pagar. Ali era o seu território, era a garota mais sexy, ofuscava os strippers, ela era a "Alice da Wild". Quem queria conhecê-la, sabia exatamente aonde encontrá-la.

	Uma noite como outra qualquer, como outras tantas para Alice na Wild. Freguesia de sempre, sucesso de sempre, hora de retocar a maquiagem. Entrou no banheiro, olhou para o espelho e viu sua imagem se deformando, mudando lentamente, se liquefazendo. E então era como se ela não fosse mais ela, pode ser até que fosse o efeito de alguma das coisas que ela tinha tomado, mas ela estava ficando tonta, tonta, tonta e pof!, caiu desacordada no chão.

	Acordou em um banheiro, com certeza não o da Wild. Alice não entendia o que estava acontecendo, como ela tinha ido parar ali, sua imagem se desfazendo. A situação só fez piorar quando ela olhou para esse novo espelho e não encontrou a antiga Alice se derretendo, mas uma Alice diferente. Ela não era mais ela, sua imagem era outra, em outro lugar e com pensamentos diferentes. Em sua mente, apenas uma tênue lembrança do que ela havia sido anteriormente.

	Enquanto Alice olhava estupefata para aquela estranha no espelho (e que ela já começava a acreditar ser ela mesma mesmo sabendo que não era), alguém abriu violentamente a porta do banheiro aos berros:

	- Ah!!! Droga, droga!! Tô ferrada! Ela vai tirar meu couro! Estou atrasada, estou muito atrasada! Dessa vez eu não escapo!! Sai da frente, menina! Preciso mais do espelho do que você!!!

	Com essas palavras, a estranha personagem que tinha acabado de entrar no banheiro empurrou Alice para longe do espelho, passou um batom rapidamente e saiu correndo.

	Alice ainda não tinha conseguido ter uma reação. Ainda via aquela moça apressada, com uma cinta liga, meias 7/8 e belas e longas luvas negras. Mas se o fato de ela estar não tão vestida assim tinha chamado a atenção de Alice, não tão quanto as orelhas de coelho que ela possuía, além de um pequeno rabinho pompom. Poderiam ter sido tomados por uma fantasia por uma pessoa mais desatenta, mas Alice percebeu que aquelas orelhas eram verdadeiras. Em que espécie de circo de horrores ela se achava?

	Alguns minutos depois, ela decidiu sair do banheiro e descobrir. Chegou a tempo de ver uma luz que se acendia em um palquinho cheio de fumaça, aonde uma mulher com uma grande cartola, que parecia ser a anfitriã ou até mesmo a dona do lugar, falava:

	- Boa noite, senhoras e senhores! Após um breve atraso, eu tenho o prazer de apresentar nossa grande estrela, Bunny!

	Quando a mulher de cartola interrompeu o que estava dizendo, as luzes se apagaram e entrou no palco Bunny, que Alice constatou ser a apressadinha do banheiro. Como música de fundo, algo bem do tipo "I Wanna Fall In Love", ou seja, aquilo que todo mundo chama de música de motel.

	Bunny estava com uma longa capa preta fechada e que, obviamente, ela mais tarde abriu. Continuava sua performance, uma daquelas bem típicas, com direito a dança em torno daqueles canos pretos no palco. A platéia, que já parecia estar acostumada a assistir esse show, nem por isso deixava de ir ao delírio. As luzes se apagaram novamente, escuridão total, silêncio e então algumas vozes femininas começaram a chamar timidamente, depois se uniram tantas outras vozes masculinas e no final todos gritavam juntos:

	- Gigolô Gato! Gigolô Gato!

	E então ele apareceu. Usava uma calça de couro muito justa, tão justa que Alice não entendia como ele tinha entrado ali. E não entendia como ele estava conseguindo tirá-la tão rapidamente também, ficando apenas com uma tanga de oncinha. Era uma cena engraçada. Aquela tanga, as orelhas de gato, a coleira e, principalmente, a enorme e peluda cauda de gato. Mas todos pareciam apreciar a cena, só Alice se sentia desconfortável naquele ambiente, que, de certa forma, era parecidíssimo com o da Wild. Shows de strippers eram normais para ela. Tudo bem que strippers com orelhas e caudas eram inéditos, mas o choque que ela sentia também era inédito na velha Alice.

	Gigolô Gato continuava com a sua performance, se rebolava, se contorcia todo enquanto pessoas enfiavam dinheiro em sua tanga, o dinheiro nem cabia mais, dinheiro e riso pervertido, sorriso sacana de Gigolô Gato.

	Luzes do palco apagadas e elas não se acenderam mais. As estrelas da noite já tinham feito sua mágica, a histeria passou e todos continuaram a beber como se nada tivesse acontecido.

	Quanto a Alice, ela, obviamente, não sabia de nada. Que lugar era aquele e o que estava acontecendo. Deveria perguntar para alguém? Talvez fosse o caso:

	- Hmm...ei, você! Com licença! Qual é o nome desse lugar e quem são aqueles dançarinos?

	- Nossa, como você pode ter entrado aqui sem nem ao menos saber o nome do lugar? E por que você veio aqui se não para ver a Bunny e o Gigolô Gato? Parece até que você aterrisou no banheiro!

	- Bem, na verdade, pode até ser que sim...

	- Hahahahaha... muito engraçado. Você deveria parar de tomar o que quer que você tenha tomado, não tá te fazendo bem...

	Pois é. Alice continuava na mesma, nem ao menos o nome do lugar ela sabia. Se aproximou do balcão e o barman olhou para ela como se já a conhecesse. Não é possível descrever o espanto que Alice sentiu ao notar que o barman possuía antenas como as de um inseto e, pior do que isso, uma grande quantidade de braços. Era uma espécie de lagarta humana (ou seria um humano lagarta? Bom, isso não importa). O número incontável de braços facilitava (e muito) o trabalho do barman. Segurava muitos copos e garrafas, coqueteleiras, canudinhos, tudo ao mesmo tempo, em uma grande confusão. Ele parecia ter muita experiência, pois não confundia os drinks de ninguém. Quer dizer, se ele confundia, ninguém reclamava, o que também era possível levando em conta que nada ali realmente fazia sentido.

	Alice achou que perguntar para o barman poderia ser uma boa pedida, então chegou junto ao balcão e cochichou:

	- Com licença, Sr. Lagarta... aonde eu estou?

	Antes de responder, ele acendeu um cigarro, deu uma tragada e soltou a fumaça fazendo pequenos anéis com ela. Olhou demoradamente para Alice e só então disse:

	- Se você não sabe... por que eu deveria saber?

	O barman tinha uma voz mole, arrastada e que parecia dizer as coisas sem nunca terminá-las. Alice, que já estava começando a ficar irritada com toda essa situação, levantou a voz:

	- Ora essa! Mas se você trabalha aqui, como pode não saber?
	
	- Eu sei tanto quanto você, que também trabalha aqui.

	- Euuuuuuu??? Eu nunca estive nessa birosca antes!

	- Alice, pare de bancar a engraçadinha e vá atender a mesa 3. Ah sim, saiba que *ELA* está louca com você e falou que vai te pegar de qualquer jeito.

	Em vez de melhorar, a situação de Alice só piorava. Como ela poderia trabalhar em um local que lhe era desconhecido? E quem era essa talzinha que "iria pegá-la de qualquer jeito"? Ela continuava fazendo perguntas para o Lagarta, mas ele fingia não escutar e olhava para o outro lado. O desespero de Alice aumentava e ela começou a gritar. Queria respostas, queria respostas agora! Alguém se aproximou dela por suas costas e tampou-lhe a boca.

	- Shhhhh! Você quer chamar a atenção da Chapeleira? Saiba que ela está com um humor péssimo hoje e não vai te ajudar mais se te pegar gritando e sem trabalhar.

	A voz era masculina e murmurava essas palavras no ouvido de Alice. Era uma voz desconhecida para ela, extremamente sexy e atraente. Quando ela se acalmou e  virou para ver quem era, quase gritou outra vez. Aquele moreno com um olhar de esguelho, de quem está tentando (e conseguindo) seduzir todas as pessoas em um raio de 100 metros, aquelas orelhinhas pretas e peludas, a cauda enorme e felpuda. Novamente, a calça de couro muito justa, que dessa vez possuía fendas laterais que se fechavam com amarrilhos, a pele exposta, fazendo com que Alice chegasse a conclusão perturbadora de que não havia nada além daquela calça. Gigolô Gato. Sedução barata e infalível. Sex appeal acima da média. Alice perturbada.

	- Mas eu não trabalho aqui! Deve haver algum engano! Eu nunca estive aqui antes!

	- Olha, Alice, para mim você pode falar o que quiser, você sabe que eu não ligo. Mas eu aconselho você a parar de repetir esse tipo de coisa. Não vai ajudar em nada. Todo mundo aqui te conhece, você sabe que está com problemas até o pescoço, não vai adiantar você fingir ser outra pessoa. Eu posso te ajudar, ou pelo menos tentar... Faça o seu trabalho agora e no final do expediente a gente conversa lá no meu quarto... hehehehe.

	Como Gigolô Gato parecia ser a única pessoa disposta a ajudá-la (também pode ser que ele fingisse muito bem, pensou ela), Alice tomou a resolução de seguir o seu conselho. Pela ordem que ela havia recebido do Lagarta alguns minutos antes, percebeu que seu suposto emprego ali era de garçonete. Foi atender a mesa 3.

	Mesa 3 - e um homem sozinho, sem nenhuma aberração aparente do tipo caudas, orelhas de animais ou braços a mais esperava para ser atendido. Ele usava um terno e camisa pretos, e na sua gravata (também preta) havia estampado um coração vermelho. Olhava fixamente para Alice, com olhos frios. Finalmente, disse:

	- Quero uma dose de gim.

	Alice anotou o pedido e trouxe a dose. Ele irrompeu o silêncio em seguida:

	- A Rainha não gosta de maus pagadores. Você deveria saber disso.

	Logo após, ele pagou a conta, deixando uma nota de valor muito alto e saiu sem esperar o troco. Ela olhava para a nota e pensava quem poderia ser essa tal Rainha e porque o homem do terno tinha dito aquela frase que para ela não tinha sentido algum. 

         

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