LUTERO:
O HOMEM QUE REVOLUCIONOU O CRISTIANISMO
A
obra de Martinho Lutero sobrevive, 450 anos após sua morte.
Quando afixou suas 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, na Alemanha, em outubro de 1517, Martinho Lutero não poderia supor que seu protesto contra os rumos que a igreja tomara fosse se desdobrar em transformações tão profundas. O pensamento de Lutero motivou uma revolução dentro da cristandade e influencia o mundo religioso até hoje, passados 450 anos de sua morte. O clamor da reforma protestante por austeridade e fidelidade aos preceitos bíblicos soa mais atual do que nunca. É o legado de um homem que decidiu aliançar-se com sua consciência, mesmo que isso implicasse romper com suas convicções.
Martinho
Lutero nasceu em Eisleben, Alemanha, em 1483, mas cresceu sob influência de
Roma. Seu nome era uma homenagem a São Martinho. Filho de camponeses, aprendeu
a cultivar devoção e respeito à Santa Sé, sede da poderosa Igreja Romana,
expressão máxima do poder na época. Era um tempo em que os hereges - aqueles
que ousavam questionar os rígidos dogmas eclesiásticos e as determinações
papais - ardiam nas fogueiras da inquisição. O perdão de Deus era alcançado
através da compra de indulgências, uma espécie de salvo-conduto monetário
para o Reino dos Céus. Dos púlpitos, sacerdotes advertiam o povo sobre o caráter
vingativo de um Deus castigador e asseguravam que a salvação só era possível
através de penitências e boas obras.
Foi
nesse ambiente que Lutero cresceu e estudou. Tornou-se aluno de uma escola
franciscana e mais tarde graduou-se em filosofia, tornando-se um mestre da
disciplina. Aprendeu latim, hebraico e grego. Suas fortes inclinações
religiosas acabaram levando-o a tornar-se monge.
Sede
espiritual
A vida sacerdotal de Lutero poderia ter sido igual à de tantos outros religiosos, não tivesse sido profundamente marcada pela leitura da Bíblia. Ele descobriu o Livro Sagrado na biblioteca do convento dos Agostinianos onde vivia. Até então, seu conhecimento das Escrituras resumia-se a fragmentos proferidos nas Igrejas, insuficientes para aplacar sua sede espiritual. O resultado disso é que em 1511, em visita à Roma, começou a achar que nada do que a Igreja e a tradição religiosa ofereciam como caminho para Deus era eficaz. As relíquias veneradas, os lugares sagrados ou as indulgências para diminuir a pena do purgatório pareceram-lhe tentativas fracassadas de alcançar paz interior e comunhão com Deus. "Será que tudo isto é verdade?", questionava-se Lutero, que por sua devoção e inteligência conquistara respeito e admiração, tanto como sacerdote, quanto como professor.
Seus
estudos da Bíblia tornaram-se uma obsessão em busca de respostas. Foi então
que encontrou a passagem de Romanos que incendiou sua alma: "O justo
viverá pela fé", sentencia a carta do apóstolo Paulo. A partir daí,
todos os seus sermões e aulas passaram a conter ensinamentos da Palavra de Deus
aplicados à vida das pessoas. Pregava a nova verdade que descobrira, a da
justificação pela fé. Seu público crescia cada vez mais, atraído pelo monge
que ousava dizer que a salvação não podia ser obtida por obras ou pela compra
do perdão de Deus, mas somente pela graça divina.
A distância entre a realidade da Igreja e os princípios bíblicos que descobrira revoltava Lutero a tal ponto que resolvera protestar publicamente contra os rumos que Roma vinha imprimindo à fé cristã. Em 31 de outubro de 1517, a Igreja do Castelo amanheceu com as 95 teses pregadas à sua porta. Era costume, na época, afixar opiniões para debate em locais públicos para que os interessados tomassem conhecimento do assunto. Certamente, nada do que já fora publicado poderia causar maior polêmica que os escritos de Lutero. Suas teses foram rapidamente divulgadas por toda a Alemanha e caíram como uma bomba em Roma. Nelas, Lutero afirmava a nulidade das indulgências para perdoar pecados e livrar almas da condenação, contestava o poder da Igreja como mediadora entre os fiéis e Deus e assegurava que todo fiel arrependido era remido de seus pecados através da fé em Cristo. Era o início da reforma protestante, o movimento que iria causar a maior cisão da história do cristianismo.
Lutero
pagou caro por desafiar os poderes eclesiásticos. O papa Leão X exigiu sua
presença em Roma, de onde certamente não sairia vivo. Autoridades alemãs,
contudo, conseguiram que seu caso fosse discutido em seu país, para onde se
dirigiram os representantes da Santa Sé. Mas nada fez o Reformador voltar atrás
em suas posições. Num ato de desafio, Lutero queimou, na frente de todo o
povo, a bula papal que exigia sua retratação. A ruptura definitiva veio em
janeiro de 1521, quando o papa decretou sua excomunhão.
Por
essa época, o ex-monge já não era apenas um religioso idealista, mas
tornara-se um líder nacional. O movimento que iniciara espalhou-se por toda a
Alemanha, dando espaço a um grande avivamento espiritual. Como o país passou a
gozar de mais liberdade para buscar a Deus, surgiram várias comunidades
dirigidas por leigos. A Bíblia, traduzida por Lutero para o alemão, tornou-se
acessível aos fiéis. "Se permanecerdes com as Escrituras, sereis
vitoriosos", exortava-os o Reformador. Iniciou-se um grande movimento em
prol da formação de uma igreja nacional, livre do domínio romano. Mas a
liberdade religiosa, de fato, só seria concedida em 1555, quando o imperador
Fernando reconheceu o protestantismo como um movimento legal e deu autonomia
para que cada príncipe decidisse qual seria a religião de seu território.
Martinho
Lutero morreu no dia 18 de fevereiro de 1546, na cidade de Eisleben, aos 62
anos. Suas idéias, contudo, permaneceram. Apesar da oposição e ameaças da
inquisição, sua obra espalhou-se pela Europa. O movimento reformista cresceu
excepcionalmente em locais como Inglaterra, França, Escócia, Países Baixos e
Escandinávia. Séculos mais tarde, missionários oriundos dessas nações
levaram o protestantismo à América, África e Ásia. As sementes da Igreja
Evangélica mundial estavam lançadas.
Neste ano, quando se completam 450 anos da morte do Reformador, o contexto teológico e a influência da sua obra continuam fundamentais. Para o teólogo Walter Altmann, autor do livro Lutero e libertação (Ed. Ática e Sinodal, 1994), os conceitos principais da obra luterana - justificação pela fé e pela graça de Deus, a prevalência das Escrituras Sagradas sobre a tradição e o sacerdócio universal dos crentes – são reconhecidos por todas as denominações protestantes em sua própria tradição histórica, inclusive, e em larga medida, pelo pentecostalismo. O legado de Martinho Lutero é, por isso, o elo a mais - além da fé comum nas doutrinas fundamentais do Evangelho – entre milhões de crentes no mundo inteiro.
Fonte:
Revista Vinde
(atual Eclésia)
Ano
1 - N° 9 - Julho 1996