CAPITALISMO EVANGÉLICO
Por: jaime nunes mendes

Grosso modo, capitalismo é a influência ou supremacia do capital ou do dinheiro. Em outras palavras, é um sistema pelo qual alguém investe capital ou dinheiro numa atividade produtiva com o objetivo de gerar lucros. Mas, qual a relação que isso tem com o Evangelho?
Bem. Com o Evangelho genuinamente bíblico, nenhuma; contudo, com o evangelho que muitos pregam em nossos dias, há uma intrínseca convivência. Lamentavelmente, o Evangelho tornou-se para um grande número de pessoas, num meio totalmente eficaz de enriquecimento, numa fórmula perfeita de ascensão financeira.
Grandes empresas, principalmente do ramo fonográfico e editorial, infiltraram-se no meio evangélico, buscando dessa forma ampliar seus lucros; atingir um “mercado” em fase de expansão, afinal só no Brasil somos mais de 20 milhões! Utilizam-se do Evangelho de forma inescrupulosa, bombardeando os crentes com um marketing estrategicamente elaborado, fazendo uso de uma linguagem cristã, dando uma roupagem aparentemente evangélica ou gospel aos seus produtos. Daí ser comum ouvir-se falar de “Plano de Saúde Evangélico”, “Cartão de Crédito Evangélico”, “Shopping Evangélico” etc. Em um periódico, uma agência de turismo anunciava uma excursão à “Disney Gospel”. Até sindicato de pastores já foi cogitado entre nós!
Não há dúvidas. O capitalismo, sob uma camuflagem cristã, penetrou no seio da igreja, conduzindo muitos crentes ao consumismo exacerbado e ao materialismo desenfreado. O desejo pela prosperidade financeira suplanta, em algumas denominações, o anseio pela intimidade com Deus. E o pior: a ambição pelo dinheiro ganhou respaldo bíblico. Fazem uso da Bíblia para justificar suas doutrinas de prosperidade. O dízimo, que deveria ser dado com o intuito de manter a obra do Senhor, tornou-se numa espécie de “investimento” ou numa “fórmula mágica” para se obter dinheiro de Deus: “Se você der tudo, receberá em dobro”, dizem alguns; e outros: “O diabo segura a carteira do crente para ele não dar oferta”. Uma pregadora, de maneira enfática, afirmou em uma de suas pregações: “Deus tira do diabo e dá para nós”.
A famigerada Teologia da Prosperidade, que é motivo de controvérsia entre as diversas denominações evangélicas, ganhou terreno e já é naturalmente aceita por inúmeras igrejas. Em muitos casos é utilizada de forma apelativa, como um chamamento para os que enfrentam algum tipo de dificuldade financeira ou males físicos: “Se Jesus estivesse entre nós, hoje, ele sairia num Boeing particular e compraria emissoras de rádio e televisão para pregar o mais rápido possível a sua Palavra”, foi o que afirmou um pastor ligado ao movimento. Trata-se de uma propaganda extremamente cruel, pois busca atingir o ponto mais fraco do ser humano. Quem, que enfrentando uma grande dificuldade, não se deixa influenciar por algo do tipo: Pare de sofrer! Ou: Aqui seus problemas terão fim. Ou ainda: Só sofre quem quer etc. Para muitos que compartilham essas idéias, Jesus foi um grande milionário e até usava roupas de grife. Frases tais como “eu exijo”, “eu decreto”, “eu determino”, “eu reivindico” etc. foram substituídas por “eu peço”, “eu clamo”, “eu imploro”, “eu suplico”. São, no dizer de um escritor cristão, os “supercrentes”, àqueles que podem tudo, que estão sempre “amarrando satanás” e que, aparentemente, estão isentos dos dissabores da vida. Todavia não são poucos os relatos de desapontamentos, quando percebem que a vida não é nenhum mar rosas e que, como qualquer outra pessoa, estão sujeitas às mesmas procelas; quando sentem na própria pele, o “espinho na carne”.
A prosperidade financeira transformou-se numa espécie de “femômetro” (ou “fidemômetro”), capaz de medir o grau da fé de alguém: se prosperou, a fé é grande; se fracassou, é pequena. Provavelmente para estes, os crentes da Somália, da Etiópia, da Filipinas, do Afeganistão etc. são todos fracassados, uma vez que vivem em petição de miséria. Ao contrário, os suecos, os japoneses, os americanos (principalmente estes, de onde veio tal doutrina) são poderosos na fé, uma vez que desfrutam de grande bonança financeira. Portanto, é muito cômodo a quem tem bens materiais e saúde proclamar, como um arauto, que a escassez de dinheiro e a enfermidade significam ausência de fé. Como disse um poeta: “Quem nunca foi ferido, zomba das cicatrizes”.
Para esses pregadores, a fé só é fé se vier acompanhada de bênçãos materiais. Eles dizem - categoricamente - que se as nossas orações não estão sendo respondidas é porque não temos fé, e se a temos, ela deve ser fraca. Não é à toa que muitas pessoas vivem atormentadas por sentimentos de culpas, titubeando na fé e sentindo-se fracassadas espiritualmente, questionam-se com questões do tipo: Será que a minha fé é fraca? Será que estou em pecado? Será que Deus me abandonou? Será que estou sendo provado por Deus? Será que é a vontade de Deus que eu sofra? Tais pregadores oferecem apenas as rosas, esquecendo-se dos espinhos. Dessa forma, quando surgem as provas, muitos se desviam da fé. É deveras angustiante servimos a Deus, crermos na sua Palavra, e ainda assim sermos acusados de não termos fé. Esses “superpregadores” esquecem que, não obstante servirmos a um Deus Todo-Poderoso, maravilhosamente Poderoso, infinitamente Poderoso, ainda assim somos gentes, vivemos num mundo onde alegria e tristeza, pobreza e riqueza coexistem relativamente para cada pessoa. Se a chuva vem para os justos e injustos, conclui-se que as dificuldades não são diferentes. Conheço pessoas ímpias que não somente têm dinheiro, como também esbanjam de perfeita saúde; também conheço pessoas cristãs, sinceramente cristãs, fiéis a Deus, que além de não terem saúde, sofrem com a escassez de dinheiro, vivem de aluguel, ganham um ínfimo salário etc. Conheço igualmente o oposto: pessoas ímpias que não têm nada, vivem em evidente miséria, e pessoas cristãs que têm saúde e dinheiro. A DIFERENÇA NÃO ESTÁ EM NOSSOS BOLSOS, EM NOSSOS CORPOS FÍSICOS: ESTÁ DENTRO DE NOSSOS CORAÇÕES. Se Deus é o nosso estandarte, então as circunstâncias, não importam quais, não impedem que sejamos verdadeiros filhos de Deus, e isso mesmo diante da pior tempestade. O que nos conforta é sabermos que em nenhum instante estaremos sozinhos. O apóstolo Paulo, diz a Bíblia, tinha um misterioso espinho na carne, e mesmo clamando a Deus não foi respondido. Vale a pena perguntar: será que ele também não tinha fé?
Se formos fazer uma análise dos chamados “Heróis da Bíblia” ou dos “Heróis da Fé”, concluiremos que a vida para eles não foi tão regalada como afirmam hoje os pregadores dessa teologia. No antigo pacto, é verdade, alguns homens de Deus, como Abraão, Jó, Salomão, entre outros, tiveram grandes riquezas; todavia, Moisés, Jeremias, Isaías e outros profetas não as tiveram. Então pergunto: Será que os primeiros eram diante de Deus melhores que os outros?
Analisando ainda a vida dos homens de Deus, principalmente na Nova Aliança, após o advento de Jesus, notaremos, começando por Jesus, que a vida para eles não foi tão abastarda assim. A Bíblia afirma que Jesus não tinha sequer onde inclinar sua cabeça. O diabo, quando o tentou, ofereceu-lhe as riquezas do mundo, os tesouros do reino da terra, mas Jesus o repreendeu. Foi Jesus quem disse que o nosso tesouro deve estar nos céus, porque lá a ferrugem não o corrói.  Por que será que em vez de ter nascido num esplendoroso palácio, ele nasceu em uma humilde manjedoura? Por que será que em vez de ter entrado em Jerusalém numa luxuosa carruagem, ele foi montado num simples jumentinho?
Os discípulos de Cristo também não eram ricos. O único que se deixou levar pela ambição, Judas, teve um fim deveras trágico. Quando algumas pessoas ricas chegavam para Jesus, como é o caso de Zaqueu e do jovem rico, foram motivados por ele a dividirem seus bens com o próximo. A Igreja primitiva tinha esse hábito. Diz a Bíblia que os irmãos prósperos dividiam com os menos favorecidos socialmente os seus bens. Alguns, como Ananias e Safira, morreram em conseqüência da ambição. O apóstolo Paulo não teve, como alguns supõem, uma vida maravilhosa. Muito pelo contrário, sofreu pelo nome de Jesus, não somente açoites, mas prisões, e mesmo a morte. Em uma de suas epístolas, diz ter feito tendas para se manter, não querendo causar peso aos outros. Que diremos de João que, mesmo estando preso numa ilha, permaneceu firme na fé, sem jamais questionar os desígnios de Deus?
Não estou fazendo apologia do fracasso, da doença, da pobreza. Não, não é isso! Muito pelo contrário, não há nada de errado em desejarmos ter uma vida bem sucedida; não vejo nenhum problema em querermos uma vida com saúde. Tudo isso é bom e importante. Contudo, se porventura nos faltarem essas coisas, nunca devemos achar que por isso não temos fé.
Se a prosperidade financeira for indício de fé, mui provavelmente o dono da Microsoft, Sílvio Santos, Ronaldinho entre outros, são superpoderosos na fé; são, eu diria, os modelos da fé perfeita, afinal são milionários!
O que é fé? Para muitos significa viver regaladamente em suas lindas mansões, ter o carro do ano, de preferência importado. É possuir saúde, e muitas vezes, fama. Pregar é mais cômodo pela televisão e no rádio. Para que ir à Índia, à Etiópia, à Somália, ao sofrido Iraque, aos submundos das favelas, se é possível viver “rompendo em fé” aqui em meu conforto? Que Deus abra nossos olhos!



...VOLTAR