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O CATÓLICO ANTÔNIO VIEIRA Por: jaime nunes mendes O padre Antônio Vieira (1608-1697) é considerado o maior pregador da Língua Portuguesa, o “príncipe dos pregadores”. Foi um ferrenho defensor do catolicismo e da expansão territorial portuguesa. Embora muitos de seus sermões apresentem verdadeira pérolas de sabedoria, e seu vocabulário seja rico e abundante, nota-se com evidente clareza a famigerada idolatria católica pelos seus “santos” e o eterno preconceito contra os protestantes. Isso, aliás, explicado pelo próprio contexto histórico no qual ele estava inserido, uma vez que ele não estava tão distante assim da Reforma Protestante de Martinho Lutero. A seguir, faremos um breve comentário sobre seus sermões, especificamente, o “Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda. A “ousadia” de Vieira exposta neste sermão, de algum modo pode assemelhar-se àquela pregada, hoje, em muitas igrejas. Em vez de pedir, clamar, suplicar a Deus, ele determina, reivindica, exige de Deus o cumprimento das promessas que, segundo ele, foram muito mais para Portugal do que propriamente para Israel. Boa leitura! ANÁLISE O Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda insere-se no contexto histórico do monopólio do comércio açucareiro pelos ibéricos, e o início da concorrência européia, especificamente, pelos holandeses. Ao criar a Companhia das Índias Orientais, a Holanda aparelhava-se para enfrentar a concorrência de Portugal e Espanha que, em 1580 uniram-se formando a União Peninsular sob o domínio dos Habsburgos. O Sermão, portanto, foi escrito no último ano da dominação espanhola, ou seja, em 1640. Em 1624 houve a primeira tentativa de invasão por parte dos holandeses na Bahia, contudo, um ano após foram vencidos pelos portugueses. Em 1630, os holandeses empreenderam um novo esforço e conquistam Pernambuco. Em 1640, pela segunda vez, os holandeses tentaram penetrar na Bahia. Foi em meio a grande alvoroço, e a uma iminente invasão dos ‘‘hereges’’ que o Padre António Vieira pregou, na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda (nome bastante sugestivo para a ocasião) o Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda. De início o Sermão faz alusão a um trecho dos Salmos da Bíblia, em que o autor, pressionado pelas circunstâncias, muito mais que clamar, ‘‘exige’’ de Deus um livramento imediato: ‘‘Desperta! Por que dormes, Senhor... Levanta-te em nosso auxílio, e resgata-nos por amor das tuas misericórdias’’. E Vieira faz uso da mesma passagem bíblica para fazer um paralelo à situação enfrentada pelos portugueses com a invasão holandesa. Prosseguindo o Sermão, Vieira menciona outra passagem bíblica, na qual o autor faz menção às vitórias conquistadas pelos hebreus no passado, por exemplo, a conquista de Canaã e a libertação da escravidão egípcia: ‘‘Ó Deus, nós ouvimos com os nossos ouvidos, e nossos pais nos têm contado os feitos que realizastes em seus dias, nos tempos da antigüidade’’. Desta forma, Vieira confronta o texto bíblico aos grandes feitos, às proezas e conquistas dos portugueses, das quais o Brasil é conseqüência. Ele atribui a Deus todas as vitórias de Portugal, o que eqüivale afirmar que Vieira comparou as grandes realizações de Portugal com as conquistas que os antigos israelitas empreenderam para se estabelecerem à Terra Prometida: ‘‘Vossa mão foi a que venceu e sujeitou tantas nações bárbaras, belicosas e indômitas, e as despojou do domínio de suas próprias terras... e estendeu em todas as partes do mundo, na África, na Ásia, na América’’. Desta forma, é possível deduzir que, na visão de Vieira, foi Deus quem colaborou o tempo todo com os portugueses, por conseguinte, foi Ele quem auxiliou Portugal a expulsarem os mouros da Península Ibérica; foi Ele quem contribuiu para que Portugal conquistasse Ceuta, a Ilha de Madeira, Açores, Cabo Bojador, Guiné, Calicute... e o Brasil, nas suas próprias palavras: ‘‘a miserável província do Brasil’’. E se foi Deus quem os ajudou, então é perfeitamente justificável a expulsão dos ‘‘nativos indômitos’’, a sujeição das ‘‘nações bárbaras’’ e o despojo do domínio de suas próprias terras. É a idéia de que Deus ofereceu Portugal ao mundo, para que esse desse o mundo ao próprio Deus. Deste modo, a colonização é justificada como sendo a vontade de Deus, pois estariam levando ‘‘a verdadeira’’ religião aos bárbaros e ingênuos indígenas, ao negro e ignorante etíope desprovido de conhecimento. Coteja os portugueses com Israel, quando em peregrinação no deserto, e utiliza, para exemplificar a situação de seu povo, uma passagem bíblica na qual os israelitas questiona os desígnios de Deus, afirmando ser melhor ter permanecido como escravos no Egito a morrerem pelos próprios egípcios no avassalador deserto: ‘‘Dirão que, cautelosamente e à falsa fé, nos trouxestes a este deserto, para aqui nos tirares a vida a todos e nos sepultares’’. E queixando-se perante Deus, afirmou, de maneira até ousada, que melhor fosse nunca ter conquistado o Brasil para o próprio Deus a ter que padecer cruelmente nas mãos dos pérfidos, dos insolentes, dos excomungados e ímpios hereges, como chamava os protestantes, especificamente os holandeses. E conclui a sua indignação, quase que forçando Deus a agir a favor dos portugueses: ‘‘...antes da execução da sentença repareis bem, Senhor, no que vos pode suceder depois, e que o consulteis com vosso coração, enquanto é tempo; porque melhor será arrepender agora que quando o mal passado não tenha remédio’’. Muito mais do que questionar a vontade de Deus, Vieira o ironiza: ‘‘Holanda vos dará os apostólicos conquistadores que levem pelo mundo os estandartes da cruz?...os pregadores evangélicos que semeiam nas terras dos bárbaros a doutrina católica?... defenderá a verdade de vossos Sacramentos e a autoridade da Igreja Romana?... Edificará altares?... consagrarás sacerdotes?... ’’. O conceito de supremacia da Igreja católica em relação às demais religiões, é evidenciado em todo o Sermão. Desta maneira, os portugueses não só detinham o monopólio das terras brasileiras, como desejavam ardentemente manter o da fé: ‘‘...só a fé romana que professamos, é fé, e só ela a verdadeira e a vossa’’. Apresenta-se diante de Deus, contrapondo a excelência da religião católica sobre as religiões protestante. O ataque aos holandeses é a reação contra os calvinistas que, por serem protestante, colocavam sob suspeitas muitas das doutrinas católicas. Ante uma iminente invasão dos hereges, dos inimigos da ‘‘verdadeira igreja’’, o Padre Vieira sente-se abandonado por Deus: ‘‘...parece que nos deixastes de todo e nos lançastes de vós, porque já não ides diante das nossas bandeiras, nem capitaneais como dantes os nossos exércitos’’. Eles, os portugueses estavam tão habituados às conquistas, que a idéia de serem vencidos pelos inimigos significava o abandono por parte de Deus, que os entregou ‘‘às mãos da crueldade herética’’, ‘‘dos hereges insolentes’’. É interessante observar que ao se dirigir a Deus, Vieira não o faz com súplica e deprecações , mas com protestos e repreensões: ‘‘... Em tudo parece, Senhor, que trocais os estilos da vossa providência e mudais as leis da vossa justiça conosco...’’. Deus é posto como uma espécie de árbitro da futura contenda entre portugueses e holandeses. Em muitas situações, volta-se piedosamente atrevido diante de Deus: ‘‘...Parece-vos bem, Senhor, parece-vos bem isto?’’. Em síntese, o Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, é uma espécie de incitação, um convite para que o povo combata os infiéis holandeses, discorrendo sobre os horrores e depredações que os protestantes fariam caso invadisse a Bahia. Avalia-se, portanto, que o efeito moral deste Sermão produziu efeitos muito positivos nos ânimos de seus ouvintes. Os holandeses foram expulsos, e a estrela de Maurício de Nassau, que brilhou durante muitos anos em Pernambuco, esvaiu-se, e os portugueses manteve seu imperialismo. A exploração em nome de uma suposta fé verdadeira, permaneceu cada vez mais avassaladora, e continua, mesmo que camufladamente, até hoje. ...VOLTAR |