FÉ OU INTERESSE?
Por: jaime nunes mendes

Em que está apoiada a fé de muitos crentes hoje em dia? O que aconteceria num grande número de igrejas, se elas decidissem cessar as pregações sobre curas e prosperidade financeira? Quantos haveriam de permanecer ocupando seus bancos? Será que todos os seus freqüentadores estão indo lá por convicção de fé? Ou será que peregrinam apenas em busca de alívio para seus corpos físicos ou suprimentos para seus bolsos?
Em sua obra Clara dos Anjos, Lima Barreto (1881-1922) faz menção de um acontecimento que parece muito atual. Ele aborda a questão do sincretismo religioso tão comum no Brasil, onde a mistura de crenças é generalizada: “Os freqüentadores dessa ou daquela natureza lá iam sem nenhuma repugnância, pois é próprio do nosso pequeno povo fazer uma extravagante amálgama de religiões e crenças de toda a sorte, e socorrer-se desta ou daquela, conforme os transes e momentâneas agruras de sua existência. Se se trata de afastar atrasos de vida, apela para a feitiçaria; se se trata de curar uma moléstia tenaz e renitente, procura o espírita; mas não falem à nossa gente humilde em deixar de batizar o filho pelo sacerdotes católico, porque não há, dentre ela, quem não se zangue: ‘Está doido! Meu filho ficar pagão! Deus me defenda!’”
Imaginem comigo a seguinte situação. O pai recebe a notícia de que o filho está com uma doença incurável; o médico deu-lhe poucos meses de vida. Agora, imaginem este pai (suponhamos que seja católico) passando por uma rua onde dá de encontro com o seguinte cartaz: “Aqui o milagre acontece!” Ou: “Venha receber a vitória!” Ou: “Aqui seus problemas terão fim”. Ou ainda: “Entre e seja curado!” etc. O que você acha que este pai faria?
É claro, não se pode afirmar com absoluta convicção que ele há de entrar ali; contudo, a probabilidade disto acontecer, pela força  da circunstância, é realmente muito significativa.
Agora, imaginem que este pai ali entrou. Lá ele ouviu promessas maravilhosas. Até é possível vislumbrar uma lágrima caindo de seus olhos ao ouvir alguém dizer: “O milagre vai acontecer na sua vida!” Lembrem-se de que o seu filho tem poucos meses de vida. Lembrem-se ainda de que os médicos nada podem fazer para mudar esta realidade.
Bem. Continuemos em nossa imaginação...
Há dois meses que este pai freqüenta aquele local, porém a bênção tão prometida e tão buscada parece não vir. Num certo dia ele volta para casa desanimado mas ainda com alguma esperança nas palavras que ali ouviu. Chegando em casa encontra a mulher chorando com a criança morta. O que será, prezado leitor, que fará este pai? Será que ele vai continuar freqüentando assiduamente aquele lugar? Certamente não. Sua fé estava movida por um desespero natural de qualquer pai. É na calamidade que as pessoas tomam as mais drásticas decisões de suas vidas. É exatamente neste instante da vida que acontecem a maioria das conversões. E não falo de pessoas que se convertem de outras religiões para o protestantismo. Não. Os centros espíritas, as cartomantes, as ciganas etc., são igualmente destinos certos para muitas dessas pessoas.
Portanto, pode se concluir que, se a fé não estiver desprovida de todo interesse material, tal pessoa permanecerá ali o tempo suficiente para ter ou não o problema resolvido. E se o tem, fica e torna-se muitas vezes em ferrenho defensor das doutrinas ali propostas; do contrário, perde completamente a fé ou, no mínimo, muda de conceito. Assim, a fé pode ser apenas reflexo de um momento difícil: eliminou-se o obstáculo, perdeu-se a fé.



...VOLTAR
CONTATO
jaimenunesmendes@yahoo.com.br