Minha Aldeia 

Minha aldeia é todo mundo.

Todo o mundo me pertence.

Aqui me encontro e confundo

com gente de todo o mundo

que a todo o mundo pertence.

 

Bate o sol na minha aldeia

com várias inclinações.

Ângulo novo, nova ideia; 

outros graus, outras razões. 

Que os homens da minha aldeia

são centenas de milhões.

Os homens da minha aldeia

Divergem por natureza.

O mesmo sonho os separa,

a mesma fria certeza

os afasta e desampara, 

rumorejante seara

onde se odeia em beleza.

 

Os homens da minha aldeia

formigam raivosamente

com os pés colados ao chão. 

Nessa prisão permanente

cada qual é seu irmão.

Valências de fora e dentro

ligam tudo ao mesmo centro

numa inquebrável cadeia.

Longas raízes que imergem,

todos os homens convergem

no centro da minha aldeia.

 

António Gedeão, in Poesias Completas (1956-1967)