Para falarmos da Igreja maronita precisamos falar da heresia
monotelista, que segundo algumas fontes estaria na origem dessa igreja. Advertimos
que esta primeira parte deste artigo é baseada no célebre historiador
inglês Edward Gibbon, que não é exatamente simpático
ao catolicismo. Mas sua erudição e honestidade intelectual fazem
dele um guia importante sobre aquela época.
A Igreja Maronita ocupa uma posição peculiar no espectro das
igrejas católicas orientais, pois é a única que não
tem uma contraparte acatólica. Por exemplo, a Igreja Católica
Greco-Melquita tem seu contraparte no Patriarcado ortodoxo de Antioquia. Existem
a
Igreja Ucraniana Católica
e Igreja Ortodoxa Ucraniana; a Igreja Caldeana Católica a Igreja
Assiríaca do Oriente (nestoriana). Mas não existe uma Igreja
Maronita ortodoxa. Esta singularidade pode ser explicada por sua história.
No princípio houve violentas controvérsias no campo do cristianismo.
Essas controvérsias deram origem a várias igrejas católicas
orientais, além de igrejas acatólicas. Já vimos a controvérsia
do nestorianismo (ver na história da
Igreja Caldeana Católica
) e a do monofisismo (ver em
Igreja Siríaca
Católica
).
A heresia monotelista nasceu de uma tentativa de conciliar a ortodoxia (=
catolicismo) com a heresia monofisita. Estes últimos afirmavam que
Cristo só tinha uma pessoa, a divina. A ortodoxia diz que tem duas,
a divina e a humana. No ano 629, o Imperador Bizantino Heráclio, voltando
de uma guerra contra os persas, perguntou a seus monges se Cristo tinha uma
ou duas vontades. Esses disseram que tinha uma só. O Imperador ficou
satisfeito, pois tinha esperança de que os monofisitas do Egito (coptas)
e da Síria (jacobitas) se reconciliassem com a ortodoxia por esta linha
conciliatória.
Observemos que essas heresias tinham um forte componente político.
Os egípcios e sírios eram um tanto inconformados com o domínio
de do Imperador da distante Constantinopla. Um acordo teológico poderia
facilitar um acordo político entre o Imperador e essas regiões.
O partido ortodoxo reagiu com a doutrina de que cada parte de Cristo, a
humana e a divina, tinha uma energia própria e distinta. Mas
essa diferença não era mais visível quando se dizia
que o querer divino e humano de Jesus eram o mesmo. O Clero grego aderiu
á doutrina da vontade única e se declararam monotelistas, que
quer dizer única vontade. Mas, já sabedores das terríveis
conseqüências das lutas quanto a discussões anteriores,
aconselharam um prudente silêncio quanto ao assunto, que foi garantido
com a Ecthesis (exposição) de Heráclio e o Modelo de
seu neto Constans. Este último, de 648, proibiu qualquer discussão
em torno do assunto, pois a controvérsia estava se tornando violenta.
Os Patriarcas de Roma, Constantinopla, Alexandria e Antioquia subscreveram
os editos imperiais. Mas os monges de Jerusalém deram o alarme, afirmando
que aquela doutrina era herética.
O Papa, que era e é também o patriarca de Roma, Honório,
obedeceu aos comandos do Imperador e foi fortemente censurado por seus sucessores.
Seus sucessores assinaram a sentença de excomunhão dos monotelistas
sobre a tumba de São Pedro com tinta misturada com vinho sacramental,
o sangue de Cristo. O papa Martinho e seu sínodo de Latrão anatematizaram
o silêncio dos gregos. Este sínodo foi composto de 150 bispos
da Itália, que condenaram a ecthesis e o Modelo; seus autores - os
dois imperadores - e seus aderentes foram considerados semelhantes aos vinte
e um maiores hereges, apóstatas da igreja e órgãos do
demônio.
A reação do criticado (Imperador) foi violenta. O papa Martinho
foi exilado numa ilha, morrendo em sofrimento. Arrancaram a língua
e amoputaram a mão direita do Abade Máximo, amigo do Papa.
Depois, em 680, foi convocado o Terceiro Concílio de Constantinopla,
em que um monge monotelista propôs um teste radical: ele ressuscitaria
um homem morto, para provar sua doutrina. Os prelados assistiram á
demonstração e o monge falhou em meio a apupos e gritos contrários.
O Concílio estabeleceu que há duas vontades em Cristo, a humana
e a divina, com a humanas subordinada à divina. E condenou o monotelismo.
No entanto, anos depois, quando momentaneamente um Imperador monotelista
assumiu o poder, o monumento comemorativo ao concílio foi mutilado
e seus papéis originais jogados ao fogo. Mas pouco depois um novo Imperador
chegou ao poder e a fé ortodoxa foi reimplantada com firmeza. E aos
poucos a doutrina monotelista foi deixando de apaixonar as multidões
no Império Bizantino, superada agora por outra discussão, a
heresia iconoclasta.
O nome maronita passou de um eremita para um monastério, e de um
monastério para uma igreja. São Maron era um eremita do século
V na Síria. Suas relíquias foram disputadas após sua
morte, e seiscentos de seus discípulos monges uniram suas celas fundando
um monastério. A doutrina monotelista teria sido criada por esses
monges em suas meditações e pesquisas. O Imperador Heráclio
teria pego a doutrina dessa fonte, e ele presenteou com importantes domínios
um monastério maronita. O zelo dos maronitas pode ser medido pelas
palavras do seu patriarca Macário, de Antioquia, que dizia que preferia
ser cortado pedaço por pedaço que admitir que Cristo tinha
duas vontades. Perseguidos pelo Imperador, alguns se converteram à
fé ortodoxa. Mas outros resistiram. São João Maron,
o mais letrado e popular dos monges maronitas (não confundir com São
Maron, o primeiro) assumiu o título de Patriarca de Antioquia, e seu
sobrinho Abraão comandou a resistência. O Imperador com um exército
de gregos invadiu a Síria espalhando o terror. O monastério
de São Maron foi incendiado, e os principais chefes maronitas foram
assassinados, e doze mil maronitas foram exilados para as fronteiras da Armênia
e da Trácia. Eventualmente os resistentes se retiraram para um conjunto
de montanhas peto do litoral, plasmando sem o saberem uma nova nação,
o Líbano. No século XII, com as cruzadas, os maronitas abjuraram
o monotelismo, reconciliando-se com Roma.
II
Quanto à história da Igreja em si, teve sua origem como já
dissemos no monge São Maron, que faleceu entre 405 e 423, e viveu como
asceta numa colina no norte da Síria. Essa colina passou a ter tantos
eremitas que foi chamada jardim de ascetas. Em sua volta formou-se a comunidade
Beit Maron (casa de Maron). Com sua morte foi construído um mosteiro
no local. No entanto, como já vimos acima, se os monges não
aceitavam o monofisismo, também não estavam acordes com a ortodoxia,
ficando na linha independente, do monotelismo. Em 517 o mosteiro foi atacado
pelos monofisitas, que massacraram 350 monges. Isso deu a eles uma grande
autonomia. Com a invasão muçulmana o Patriarcado de Antioquia
ficou vago. Em 744 o califa autorizou a eleição de um novo
patriarca, Teófilo. Este com o exército do califa tentou submeter
a Casa de Maron. Mas esses resistiram e elegeram um novo patriarca, São
João Maron, do próprio mosteiro, dando origem à nova
igreja. Daquela época data a migração para as montanhas
do Líbano, que antes do ano 1000 já estava completa. Uma parte
também migrou para Chipre. O mosteiro de São Maron foi destruído
no século X pelos muçulmanos.
A partir de 1181 os maronitas passaram para a submissão total á
Sé de São Pedro. Em 1215 o patriarca maronita participou do
concílio Latrão IV, em Roma. Em 1440 os patriarcas passaram
a morar no vale Kadisha, o vale Santo, região montanhosa de difícil
aceso no norte do Líbano, com mosteiros e igrejas nos penhascos.
A aproximação com Roma causou a latinização
do rito. Em 1580 o papa enviou padre jesuítas ao sínodo maronita
apresentando os costumes latinos de liturgia, e a adaptação
conduzida por alguns patriarcas foi tão forte que o próprio
papa Paulo V pediu para restabelecer os antigos costumes da Igreja Maronita.
Os maronitas como todos os cristãos sob domínio muçulmano
foram perseguidos e depois de 1860 foi permitido ao Líbano ter um governo
semi-autônomo. A Igreja maronita passou a ter muita influência
nesse novo estado e esteve á frente do seu processo de independência
em 1943. Atualmente os jornais dizem que o patriarca maronita está
em campanha para a retirada das forças da Síria que estão
estacionadas no Líbano.
Hoje seu patriarca é Sua Beatitude Nasrallah Pedro Sfeir, eleito
pelo sínodo da igreja em 1986 e criado cardeal pelo papa João
Paulo II em 1994. É o terceiro patriarca maronita a ser também
cardeal. Note-se que o Patriarca maronita, ao ser eleito, tem o direito de
acrescentar o nome Pedro ao seu nome, em honra ao primeiro dos apóstolos.
Os maronitas declaram que sempre foram unos com a Igreja católica.
Resta a questão delicada do monotelismo, professado por eles durante
vários séculos. Este página dá duas opiniões
obre o fato. A visão de Edward Gibbon foi exposta na primeira parte
desse artigo. Já o pesquisador Roberto Khatlab afirma que a doutrina
monotelista não era uma heresia, pois para os maronitas as duas pessoas
de Cristo não podiam se manifestar senão pela harmonia de suas
vontades respectivas, e havia apenas uma vontade a se manifestar, a do Pai.
Ficam as duas versões para o leitor.
A grande migração de Libaneses espalhou a Igreja Maronita
por todas as partes do mundo. No Brasil o Exarcado foi criado em 1962, tendo
como primeiro bispo Dom Francis Zayek. Teve a honra de ser o primeiro bispo
maronita fora do Oriente Médio. Em 1971 o Exarcado foi transformado
em Eparquia (diocese). Sua sede é em São Paulo e o atual Bispo
é Dom José Mahfouz, eleito em 1990. A Igreja Maronita no Brasil
está presente em várias cidades e tem uma página em português
na internet, colocada abaixo.
Resumo:
Igreja Maronita
Chefe espiritual: Sua Beatitude Nasrallah Pedro, Cardeal Sfeir, Patriarca
de Antioquia dos Maronitas
Sede: Bkerke, Líbano
Fiéis: 2.000.000
No Brasil:
Eparquia Maronita do Brasil, em São
Paulo (SP)
Paróquias:
Nossa Senhora do Líbano, em São Paulo (SP)
Nossa Senhora do Líbano, no Rio de Janeiro (RJ)
Nossa Senhora do Líbano, em Porto Alegre (SP)
Nossa Senhora do Líbano, em Belo Horizonte (MG)
Nossa Senhora do Líbano, em Bauru (SP)
São Maron, em Goiânia (GO)
Página na Internet:
http://www.igrejamaronita.org.br/menu/pgmenu.asp